Apesar do anunciado fecho, Livraria Ulmeiro deverá mesmo
manter-se aberta e até planeia publicar livros
Samuel Alemão
Texto
Paula Ferreira
Fotografia
16 Novembro, 2018
As notícias da anunciada morte da Livraria Ulmeiro, em
Benfica, se bem que frequentes, não deverão afinal corresponder ao epílogo do
guião escrito por José Antunes Ribeiro, 75 anos. “Vamos esgotar todas as
possibilidades para ficar aqui. E é muito provável que tal venha a acontecer,
estamos a tratar disso”, assegura a O Corvo o homem que, com uma persistência
quixotesca, e a ajuda permanente da mulher Lúcia Ribeiro, 74, mantém, há quase
meio-século, no número 13A da Avenida do Uruguai, as portas abertas desta
espécie de arca transbordante de livros. Mais que isso, o veterano alfarrabista
prepara, com a ajuda da associação cultural surgida há um par de anos em torno
do icónico estabelecimento, o relançamento da actividade editorial e cultural
sob sua chancela. É certo que o anúncio do fecho e o seu desmentido já
aconteceram mais que uma vez. Mas agora tudo será diferente, pressagia o
livreiro. O gato Sebastião, que deambula entre torres de papel, não tem razões
para se sentir sobressaltado.
Mais de dois anos volvidos sobre o primeiro aviso de que a
actividade da loja estaria com os dias contados, e pouco mais de um mês após o
lançamento do último vaticínio de fenecimento do negócio, eis que a Ulmeiro
lança mais uma salva de vida. “Estamos quase a comemorar os 50 anos,
aniversário que acontecerá em 2019. E essa é uma das razões que me fazem lutar
até ao limite para continuar com as portas abertas. Ainda mais porque, agora,
até tenho pessoas a ajudarem-me a defender isto”, explica José Ribeiro, dando
conta de um renovado e “surpreendente” interesse da comunidade desde que, no
final de Outubro passado, voltou a anunciar que não resistiria muito mais tempo
de portas abertas. Poucas semanas depois de ter considerado, em entrevista ao
jornal Público, que não havia “volta a dar”, de se confessar cansado e
desabafar que “as livrarias fecham por não haver gente que queira ler livros”,
opta agora por um discurso menos sombrio, em linha com a esperança entretanto
vislumbrada.
“É verdade que
dramatizámos o discurso, porque isso reflectia o que sentíamos. As coisas não
têm sido fáceis. Mas temos notado, desde então, um renovado interesse das
pessoas, que aqui entram e compram muitos livros. Os fins-de-semana têm sido de
casa cheia”, informa, admitindo que os saldos generosos do imenso acervo que se
acumula por entre pilhas infindas de volumes têm funcionado como chamariz. E
muito desse vigor renovado surge de onde muitos não esperariam, reconhece.
“Nestas semanas, quem tem entrado aqui mais e comprado livros são sobretudo os
mais jovens, que vêm em busca de determinadas obras. Ao contrário do que se
propala, temos uma nova geração que sabe muito bem o que quer, conhece os
livros e valoriza a edição em papel”, afirma o bibliófilo, salientando o facto
de a poesia ser um dos principais motivos de interesse de muita dessa nova
clientela. A qual o comerciante espera manter para lá das “reacções emotivas,
quando se ouve que isto vai fechar”.
O interesse das novas gerações está a revelar-se o dínamo da
continuidade da Ulmeiro.
Caberá a um poeta, precisamente, conceber a nova revista
literária a lançar, no início do próximo ano, através da Espaço Ulmeiro
Associação Cultural, entidade criada na sequência da onda de solidariedade
surgida após as primeiras notícias sobre o possível encerramento. Tarefa
entregue a Hugo Beja, que também é artista plástico. Será ele o editor e o
responsável pela concepção gráfica dessa publicação, cuja receptividade do
número zero deverá determinar a sua periodicidade. Quase em simultâneo, deverá
assistir-se ao ressurgimento da Ulmeiro enquanto marca editorial, pondo fim a
um interregno que dura desde o dealbar do século. “Vamos relançar a actividade
editorial. Lentamente, e com prudência, porque os tempos não estão para grandes
tiragens”, explica José Antunes Ribeiro, dando conta de um caderno de intenções
centrado na republicação de clássicos portugueses (Antero de Quental, Raul
Brandão, Augusto Gil, Afonso Lopes Vieira) e brasileiros (Machado de Assis).
“Vamos repescar autores que estão no domínio público e que achamos que devem
voltar ao mercado. E fá-lo-emos com qualidade. Os livros serão cosidos à mão.
Não serão daqueles que se estão sempre a esfolhar”, promete.
A primeira edição livreira, a par da tal revista literária
cujo nome ainda está por definir, será então o inédito “Central Park”, do
poeta, pintor, desenhador e encadernador Mário Rui Cordeiro (1950-2016).
Seguir-se-á a obra “Tragam-me a Orelha de Pedro Sanches”, de Jacinto Rego de Almeida – “Será um
policial na linha do Rubem Fonseca”, assegura o alfarrabista-editor, para quem
o reavivar do prelo constitui apenas uma parte do que tem planeado para 2019.
“Queríamos que o próximo ano, por ser o do 50º aniversário da livraria Ulmeiro,
fosse cheio de actividades culturais”, afirma. Mas, antes disso, reconhece, há
que garantir a efectiva continuidade da loja. “Se não nos mantivermos aqui,
gostaríamos de ficar em Benfica, num local próximo, com algumas condições. Mas
também não excluímos de nos juntarmos com outros alfarrabistas de Lisboa, sob
um mesmo espaço, se a Câmara de Lisboa o arranjar”, sugere, em jeito de repto à
autarquia.
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