quarta-feira, 11 de julho de 2018

Tudo tem um fim e a NATO também o pode ter / VIDEO:'Germany is totally controlled by Russia': Trump at Nato summit



(…) “He complained that German politicians had been working for Russian energy companies after leaving politics and said this too was inappropriate. Germany was totally controlled by Russia, Trump said.
With Stoltenberg looking on uncomfortably throughout, the US president was unrelenting. “I think it is very sad when Germany makes a massive oil and gas deal with Russia,” Trump said. “We are supposed to be guarding against Russia, and Germany goes out and pays billions and billions dollars a year to Russia.
“We are protecting Germany, we are protecting France, we are protecting all of these countries and then numerous of the countries go out and make a pipeline deal with Russia where they are paying billions of dollars into the coffers of Russia. I think that is very inappropriate.”
He added: “It should never have been allowed to happen. Germany is totally controlled by Russia because they will be getting 60-70% of their energy from Russia and a new pipeline.”





Imagens do Dia / OVOODOCORVO
O “fim dos tempos” do Ocidente político.
OVOODOCORVO
Tudo tem um fim e a NATO também o pode ter
Donald Trump é a faceta mais visível do problema estrutural que enfrenta a NATO desde o final da Guerra-Fria — a inexistência de um poderoso inimigo comum que lhe dê solidez estratégica.

JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES
11 de Julho de 2018, 8:17

1. Com a aproximação da cimeira da NATO, marcada para 11 e 12 de Julho em Bruxelas, fica-se com a sensação, ao lermos certa imprensa, de nos estarmos a aproximar do “fim dos tempos” do Ocidente político. Muitos interrogam-se se a Aliança Atlântica poderá resistir às duras investidas de Donald Trump contra os aliados europeus. (Ver “Worried NATO partners wonder if Atlantic alliance can survive Trump” in Guardian, 8/07/2018). As acusações de Donald Trump feitas aos europeus, de “viverem às custas” dos norte-americanos, por não gastarem o suficiente com a sua segurança e defesa, são mal recebidas na Europa. Ao mesmo tempo, Trump tem ligado a questão da despesa militar ao comércio, acusando a União Europeia de tarifas aduaneiras injustas que fazem mossa na economia dos EUA. (Ver “Trump’s Message to NATO ‘We’re the schmucks paying for the whole thing’” in The Atlantic, 8/07/2018). Na prática, essa abordagem significa responsabilizar os europeus pela perda de bem-estar económico e de empregos pelos norte-americanos. Até agora nenhum presidente dos EUA tinha feito essa ligação, pelo menos de uma maneira tão explícita e agressiva. Além deste atrito entre aliados atlânticos, muitos receiam uma atitude demasiado permissiva de Donald Trump face à Rússia de Vladimir Putin, durante a cimeira que vai decorrer a 16 de Julho em Helsínquia, na Finlândia. Estamos mesmo a assistir ao ruir da ordem internacional liberal criada pelos próprios EUA a seguir à II Guerra Mundial? Para além do imediatismo das acções de Trump importa analisar o assunto de forma mais profunda para percebermos a dimensão do problema.

2. A NATO aproxima-se dos 70 anos. Foi instituída a 4 de Abril de 1949 pelo Tratado de Washington. Na sua origem está a competição entre os EUA e a antiga União Soviética, desencadeada em finais da II Guerra Mundial, pela influência / domínio do mundo. Nessa época a Europa, apesar de estar praticamente em ruínas devido à guerra, era ainda vista por europeus e não europeus como o “centro do mundo”. Na visão político-estratégica que prevalecia, quem dominava a Europa dominava o mundo. Assim, a questão da defesa europeia — tal como a questão alemã devido à memória das duas guerras mundiais e ao poder económico e militar desta —, era vista como crucial para uma potência com ambição mundial. Daí o estímulo para os EUA se envolverem num compromisso militar permanente com a Europa ocidental. Mas esse era um mundo radicalmente diferente do actual. A maioria dos Estados não europeus / não ocidentais — os quais são hoje a grande maioria dos membros das Nações Unidas —, nem sequer existiam politicamente. A lógica colonial persistia na época. Potências como a China e a Índia não contavam. Em 1949, a Índia moderna tinha apenas dois anos como Estado soberano e vivia as sequelas da partição da Índia colonial britânica com o Paquistão. A China era praticamente irrelevante nas grandes questões da política mundial. Estava envolvida numa sangrenta guerra civil que levou Mao Tsé-Tung (ou Mao Zedong) ao poder. No mesmo ano de 1949 — o ano em que foi fundada a NATO —, surgiu o actual Estado chinês, a República Popular da China. Até aos anos 1970 esteve isolada e afastada do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sendo representada pelo anterior governo do Kuomintang chefiado por Chiang Kai-shek, estabelecido em Taiwan / República da China. Quanto ao Japão, estava ocupado militarmente e subordinado ao domínio norte-americano. Face ao enorme poder dos EUA, só a União Soviética era um rival de primeira grandeza na política mundial.

3. A ideia da NATO como garante de uma ordem liberal internacional é provavelmente mais uma construção de sentido a posteriori. Enfatiza a Aliança Atlântica como um “clube de democracias liberais”, algo que, em total rigor, nunca foi. Uma interpretação realista da ordem mundial e das alianças da Guerra-Fria, tal como é efectuada por Graham Allison, permite ver a NATO sob outra perspectiva. (Ver “The Myth of Liberal Order. From Historical Accident to Conventional Wisdom” in Foreign Affairs, Julho / Agosto 2018). A NATO foi criada como uma aliança de containment (contenção) da União Soviética, não como um "clube de democracias liberais". Na realidade, se a ideia de uma ordem liberal fosse um requisito sine qua non, Portugal nunca teria sido membro fundador (o regime salazarista nada tinha de democrático, menos ainda de liberal). A Turquia dificilmente teria entrado para a aliança em 1952. E a Grécia, muito provavelmente, teria sido expulsa na altura da ditadura dos coronéis, quando uma junta militar tomou o poder entre 1967 e 1974. A ideia de uma ordem internacional liberal garantida pela NATO vulgarizou-se após o final da Guerra-Fria. Nos anos 1990, com o fim da União Soviética, esse discurso de legitimação ganhou contornos durante o governo de Bill Clinton nos EUA e Tony Blair no Reino Unido. As intervenções nas guerras da ex-Jugoslávia (primeiro na Bósnia, especialmente em 1995 e depois no Kosovo, em 1999) — as “boas guerras” —, permitiram reconfigurar a NATO como um instrumento do intervencionismo liberal humanitário.

4. Nos anos 1990 a vontade de adesão à NATO da generalidade dos ex-aliados soviéticos do Centro e Leste europeu, em processo de transformação para democracias liberais e economias de mercado, ajudou a dar consistência à referida imagem da NATO. A par da União Europeia, a Aliança Atlântica era agora o pilar de uma ordem liberal internacional. Mas tudo isso se desenrolou num contexto histórico e político muito particular, que não é o do mundo de hoje. Primeiro, ocorreu durante um (raro em termos históricos) momento unipolar dos norte-americanos — ou seja, um período de excepcional poder global, sem rivais à altura. Nessa altura, os EUA eram também governados pelo Partido Democrático (a esquerda liberal), que gosta de dar essa imagem dos EUA no mundo. Ao mesmo tempo, estávamos num momento de excepcional debilidade da Rússia, após o colapso da União Soviética. Estávamos, também, num período onde a China ainda não tinha feito sentir todo o seu peso na economia e política mundial. Hoje vivemos numa época onde não foi só o mundo da Guerra-Fria (1945-1989) que desapareceu. Também o mundo unipolar, que suportava a ideia de uma ordem liberal internacional, e teve o seu apogeu nos anos 1990 (1991-2001), entretanto desapareceu. O 11/S em 2001, a invasão do Iraque em 2003, a crise financeira em 2008, a continua ascensão económica política e militar da China — com clara ambição de potência global — e a reemergência da Rússia, ainda que numa área geopolítica mais limitada aos seus territórios históricos de influência, alteraram profundamente o contexto da geopolítica mundial.

5. Na sua essência, o problema fundamental da NATO não é muito diferente do problema das instituições internacionais nascidas no pós-II Guerra Mundial (Nações Unidas, OSCE, FMI, etc.). Estas ainda se mantêm em vigor, mas acusam, ao mesmo tempo, um normal desgaste. Em termos simples, o problema é que essas instituições foram pensadas e concebidas para outra Europa e outro mundo. A realidade que vivemos hoje é, em muitos aspectos, substancialmente diferente. Os anos 1990 geraram a ideia de que as instituições ocidentais herdadas da Guerra-Fria — NATO incluída —, poderiam ser reconfiguradas para criar uma ordem internacional (global) liberal, que não tinha contestatários de vulto na época. A questão de fundo é que, mais do que a partilha de valores democráticos e liberais entre os seus membros, uma aliança militar pressupõe interesses estratégicos fundamentais comuns, tarefa facilitada quando há um poderoso inimigo comum. Os fundadores da NATO tinham isso bem presente. Os já referidos casos de Portugal, da Turquia e da Grécia comprovam-no sem margem para grandes dúvidas. A percepção de um poderoso inimigo comum — a União Soviética —, foi o grande aglutinador do passado, nas duas margens do Atlântico. Como já notado também, os EUA, nos anos 1990, durante o governo de Bill Clinton, no apogeu do seu momento unipolar, alimentaram a ideia de que a NATO seria uma instituição ao serviço de uma ordem liberal internacional. Mas isso foi um momento transitório de quem não tinha rivais e inimigos à altura (foi um luxo de hiperpotência, efémero por natureza). Hoje voltamos ao normal histórico — um mundo multipolar — onde grandes potências competem abertamente. Não se compadece com instituições (leia-se alianças militares) arquitectadas só dessa forma.

6. Donald Trump é a faceta mais visível do problema estrutural que enfrenta a NATO desde o final da Guerra-Fria — a inexistência de um poderoso inimigo comum que lhe dê solidez estratégica. A Rússia não é vista por todos como rival/inimigo, nem provavelmente o será mais como na Guerra-Fria. Para além disso, os EUA, como potência global, têm o seu interesse estratégico fundamental em deslocação para a Ásia-Pacífico. Começam a enfrentar, cada vez mais, uma competição global — económica, política e militar — que lhe é movida pela China. Uma aliança que os liga à Europa tende a perder importância, o que já era visível com Barack Obama. Se virmos a questão na óptica de Trump, por lógicas redutoras de despesa militar e tarifas aduaneiras, pior ainda. A alteração do mundo é também evidente no caso da Turquia. Entrou para a NATO para se proteger da ameaça soviética, mas hoje está a reposicionar-se junto de inimigos tradicionais (Rússia, Irão, etc.). Ao mesmo tempo, a lógica liberal-secular foi afastada por Recep Tayyip Erdogan do sistema político e da sociedade. No Centro e Leste Europeu, o iliberalismo, ainda que sob outras formas, está também a enraizar-se. Todavia, ao contrário de uma leitura usual, não é a ascensão do iliberalismo o principal problema da relação transatlântica. O passado da Guerra-Fria deixa isso bem claro. A deriva iliberal pode ser um problema sério para a União Europeia, mas nunca seria grande problema para a NATO se houvesse uma visão estratégica comum de ameaças graves, que não existe hoje para além da superficialidade. Por isso, em termos prospectivos, a questão fundamental é a de saber se a NATO se vai adaptar à complexidade do mundo do século XXI e a diferentes percepções de ameaças graves dos seus membros. Se o não fizer, poderá sucumbir pelas contradições dos interesses estratégicos, quer entre europeus, quer entre europeus e norte-americanos.

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