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“Dançando em cima do vulcão”? Os Portugueses são mansos e
parecem apáticos, mas um dia o vulcão vai explodir … OVOODOCORVO
Que cidade queremos?
Assistimos a uma diminuição da qualidade de vida da
população portuguesa bastante significativa nos últimos anos.
9 de Julho de 2018, 7:48
SIBILA MARQUES
Uma notícia recentemente publicada nos meios de comunicação
social dava indicação do aumento exponencial que se tem vindo a verificar no
imobiliário das cidades portuguesas, sobretudo em Lisboa e no Porto: “preços da
habitação aumentam 12,2% no 1º trimestre de 2018, maior subida em oito anos”.
De acordo com o Relatório de Estabilidade Financeira, publicado em Junho de
2018 pelo Banco de Portugal, este aumento nos preços da habitação tem sido
explicado pela melhoria nas condições das famílias, mas também sobretudo por
uma forte dinâmica do sector do turismo, em particular do alojamento local, e a
muita procura por não residentes, em parte associada a autorizações de
residência. Este interesse na economia portuguesa tem sido globalmente
favorável para a estabilidade financeira. No entanto, este relatório revela
ainda que a maioria do investimento neste sector tem sido realizado por fundos
de investimento sobre os quais se tem pouca informação, o que pode acarretar
alguns riscos significativos. Neste sentido, é criada a partir de Julho de 2018
uma recomendação preventiva que restringe a possibilidade de concessão de
crédito à habitação e ao consumo, com o intuito de proteger a economia portuguesa
de uma eventual nova crise.
Face a estas preocupações com a estabilidade financeira da
economia nacional é fundamental reflectir também de forma aprofundada sobre os
impactos que este tipo de actividades têm sobre a sociedade e as famílias
portuguesas. Em 1992 o Nobel da Economia Paul Samuelson introduzia a noção do
índice NEW (net economic welfare) como uma alternativa mais viável à avaliação
do grau de desenvolvimento dos países do que o mero PIB. O NEW calcula-se
subtraindo ao valor do PIB os custos sociais e danos ambientais causados pelas
fontes de aumento do PIB. Este é um indicador que constitui sem dúvida um
retrato mais realista das sociedades contemporâneas.
E quais são os eventuais custos sociais e ambientais que
devemos considerar no cenário em que vivemos atualmente? Uma equipa composta
por investigadores da Universidade de Barcelona têm-se dedicado a pensar de que
modo a globalização socioeconómica pode ter efeitos na organização das cidades.
Estes investigadores revelam que existe uma tensão crescente entre o capital local
e o capital global e que tem consequências muito significativas para a
qualidade de vida das pessoas nas cidades. Por um lado, um modelo assente no
capital local está ligado com uma forte identidade local, inclui um tecido
empresarial formado por pequenas e médias empresas, que atuam localmente para
ir ao encontro dos interesses das comunidades que servem. Neste modelo, a
sociedade civil tem um papel importante, existindo uma comunidade forte e que
suporta as pessoas que dela fazem parte. Num outro pólo extremo, o modelo
assenta num capital “anónimo”, cujo propósito é o de maximização dos lucros,
sem grande preocupação pela qualidade de vida e bem-estar das comunidades
locais. Esta abordagem leva ao isolamento social das pessoas e a um sentimento
de desamparo aprendido do qual é difícil sair. Uma experiência em Psicologia
mostra muito bem como ocorre este fenómeno. O psicólogo Robert Seligman fez um
estudo em que dava pequenos choques elétricos a um cão sempre que este tentava
sair de uma caixa onde estava preso. Passado um tempo já não era necessário dar
mais choques: os cães entraram num estado de “desamparo aprendido” e não
tentavam sair mais da situação, mesmo quando a porta estava aberta.
Infelizmente, este tipo de “desamparo aprendido” também parece funcionar com os
seres-humanos.
Embora o discurso vigente nas nossas sociedades nas últimas
décadas pareça ser o da promoção social e do empoderamento, na realidade os
choques subtis que têm sido produzidos nomeadamente com a crise económica e com
a precarização do emprego e dos salários na Europa, em particular em Portugal,
cria a sensação de que “não existem saídas possíveis”. A esta sensação
associa-se uma falta de autoconfiança, diminuição de sentimentos de pertença,
isolamento e solidão (apenas colmatados por ligações virtuais sem verdadeiro
significado), uma redução nas fontes de suporte social informal e o descrédito
no apoio social formal através dos mecanismos do Estado Social.
Assistimos a uma diminuição da qualidade de vida da
população portuguesa bastante significativa nos últimos anos. Para além da
emigração massiva de jovens que ocorreu e que continua em certa medida,
testemunhamos um envelhecimento muito marcado da nossa população e um
decréscimo muito significativo nos índices de natalidade. A situação que se
vive atualmente nas cidades portuguesas em nada ajuda para a promoção de
políticas amigas das famílias e das crianças. Alguns dados indicam que uma
família com um rendimento líquido de 4000 euros já não consegue comprar casa em
bastantes zonas de Lisboa. Se tivermos em atenção que, de acordo com dados da
PORDATA, o rendimento médio de um trabalhador por conta de outrem era em 2016
de 924,9 euros então podemos pensar que praticamente nenhuma família portuguesa
consegue comprar casa na cidade. Por exemplo, e a título bastante específico, a
nova lei das moradas de acesso às escolas, apesar de diminuir os casos de
fraude, reflete esta dificuldade em acompanhar os interesses das famílias,
sobretudo de classe média. Com a habitação a preços muito elevados, é
impossível para uma família de classe média portuguesa comprar casa em Lisboa,
sendo remetidos para as zonas da periferia. As crianças terão na sua maioria de
frequentar as escolas onde residem, sendo que tenderão a passar necessariamente
mais tempo afastados dos seus pais que trabalham na cidade. Esta situação pode
criar situações de grande desenraizamento. Por outro lado, sabemos que a
ausência de estruturas formais para apoio às crianças tem sido colmatada em
grande parte por um papel crucial que tem sido desempenhado pelos avós e outros
membros da família. Neste sentido, muitas das queixas nas colocações nas
escolas têm sido relacionadas com esta impossibilidade de colocar as crianças
em escolas próximas dos seus avós, que são a base de apoio familiar, e sem os
quais provavelmente estas famílias não poderiam educar os seus filhos.
Neste cenário é essencial repensar profundamente as
políticas de habitação e colocá-las em prática de uma forma rápida. A Nova
Geração de Políticas de Habitação parece estar a procurar introduzir mudanças
neste sentido, criando mecanismos como as rendas acessíveis e incentivos ao
aluguer de longo prazo. Noutras cidades, como Berlim e Madrid, têm sido
impostas restrições ao aluguer de curto prazo. Estas medidas parecem na
generalidade fulcrais para manter o equilíbrio e coesão do tecido social
português. Alguns analistas salientam que poderão não ser suficientes.
Resta-nos esperar para ver a direção em que irá este processo, na esperança de
que os interesses das famílias portuguesas sejam defendidos.
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