ENTREVISTA FILIPE DUARTE SANTOS
Ou controlamos as alterações ao clima
ou "estas catástrofes vão ser frequentes"
Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas, explica ao
PÚBLICO porque é que está a aumentar o risco de incêndios nos países do
Mediterrâneo.
MARIANA OLIVEIRA 24 de Julho de 2018, 21:36
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O físico Filipe Duarte Santos, especialista em alterações
climáticas e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento
Sustentável, explica ao PÚBLICO porque receia um mundo mais inóspito no futuro.
Este ano os incêndios na Grécia já mataram dezenas de
pessoas, o ano passado em Portugal morreram mais de 100 pessoas. O clima está a
tornar mais comum os comportamentos extremos do fogo?
O que se está a observar é uma maior frequência de ondas de
calor em todo o mundo. Nos países do Sul da Europa, da região do Mediterrâneo,
também observamos um clima mais seco. A combinação dessa secura com
temperaturas mais elevadas é que conduz a um maior risco de incêndios
florestais. O que podemos esperar para o futuro é um agravamento dessas
tendências, porque as alterações climáticas estão a progredir.
Como explica o Verão atípico que se está a viver na Europa
com países como o Reino Unido e a Suécia com temperaturas recorde e Portugal e
Espanha com temperaturas amenas e chuva?
Isso tem a ver com a variabilidade climática. O planeta não
tem a mesma temperatura por todo o lado.
Dá ideia de que hoje já não reconhecemos as quatro estações
do ano como antigamente.
Casas sem licença e falta de planeamento urbano por trás do
“desastre à espera de acontecer”
Casas sem licença e falta de planeamento urbano por trás do
“desastre à espera de acontecer”
As quatro estações eram caracterizadas principalmente pela
questão da temperatura e da precipitação. E a temperatura está a aumentar. As
alterações climáticas também aumentam a tal variabilidade do clima num
determinado sítio. Antigamente a temperatura não variava tanto, agora temos
maiores variações. Em relação à precipitação é o mesmo. Agora temos mais secas
e temos variações da precipitação muito grandes.
Daí a importância do Acordo de Paris.
O Acordo de Paris tem por objectivo não aumentar a
temperatura média global do planeta em mais de dois graus Celcius relativamente
ao período pré-industrial [cerca de 1850]. Neste momento, já se aumentou essa
temperatura em um grau Celcius. Portanto, só temos mais um grau Celcius. Só com
o aumento de um grau temos estas ondas de calor cada vez mais frequentes com
consequências gravosas para as pessoas e para os bens.
O Japão recentemente teve cheias que provocaram mais de 200
mortos e depois temperaturas acima dos 40.ºC. Em Montreal, no Canadá,
registaram-se este mês as temperaturas mais altas em 147 anos. Isto está tudo
ligado?
Está. Faz tudo parte do facto de termos um planeta com uma
atmosfera para onde estamos a lançar grandes quantidades de gases com efeito de
estufa, em particular o dióxido de carbono, que resulta em grande medida da
combustão dos combustíveis fósseis. É um gás que é natural na atmosfera, mas ao
aumentar a sua concentração na atmosfera intensifica-se o efeito de estufa, ou
seja, a atmosfera aquece. Isso sabe-se desde meados do século XIX. Se não
cumprirmos o Acordo de Paris e formos para além dos dois graus Celsius então
teremos um mundo muito mais inóspito. As pessoas sobrevivem, mas sobrevivem em
condições de muito menor bem-estar e de qualidade de vida.
O mundo está a fazer o suficiente para responder às
alterações climáticas?
Alguns países estão, outros não. A União Europeia está. É
necessário fazermos uma transição energética para as renováveis e dependermos
menos dos combustíveis fósseis. Portugal tem feito um bom trabalho nesse
sentido, mas há países que não. A China está a fazer um grande esforço para
desenvolver a energia eólica e a solar.
Os Estados Unidos abandonaram o Acordo de Paris.
Incêndios obrigam Suécia a pedir ajuda internacional
Incêndios obrigam Suécia a pedir ajuda internacional
Exactamente. Embora haja estados como a Califórnia, que
continuam a tomar medidas de redução das emissões. No global do mundo a
situação é muito difícil. Começa a ser provável que a humanidade não vá cumprir
o Acordo de Paris. Que se ultrapasse os tais dois graus Celcius. É preciso
investimento. É preciso haver melhor solidariedade entre os países, que os mais
ricos ajudem os menos ricos, como a Índia ou o Brasil, a fazer a transição para
as renováveis.
Há alguma forma de nos prepararmos ou evitarmos estas
catástrofes?
Se não controlarmos as alterações climáticas estas
catástrofes vão acontecer com mais frequência. No caso de Portugal podemos
adaptarmo-nos a um clima mais quente e mais seco. E reagir à subida do nível
médio do mar. Já subiu cerca de 20 centímetros desde o tal período
pré-industrial e, provavelmente, vai subir até um metro até ao fim do século.
Podemos preparar as nossas zonas costeiras e os recursos hídricos, tentar
adaptar a agricultura e as florestas. Mas isso exige uma grande determinação e
também investimento.
Portugal tem feito esse percurso?
Portugal tem uma estratégia de adaptação às alterações
climáticas. Também tem um plano de transição para as energias renováveis. Foi
anunciado em 2016 um roteiro para uma economia de baixo carbono até 2050. Isso
é muito positivo. Portugal é dos poucos países no mundo que tem essa ambição.
Agora falta concretizá-la.
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