Manuel Grilo substitui Ricardo Robles na Câmara de Lisboa
Mónica Silvares
30 Julho 2018
Comissão Política do Bloco de Esquerda “aceitou o pedido de
renúncia feito no domingo por Ricardo Robles”. Manuel Grilo é o senhor que se
segue.
A Comissão Política do Bloco de Esquerda, que esteve reunida
nesta noite de segunda-feira, “aceitou o pedido de renúncia feito no domingo
por Ricardo Robles” e o elemento que lhe sucede é Manuel Grilo, revela a nota
escrita do partido divulgada na íntegra pelo esquerda.net.
Manuel Grilo é o terceiro nome da lista. É “professor e
membro do Conselho Nacional de Educação. Foi durante vários anos dirigente do
Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, membro do secretariado nacional da
Fenprof e do Conselho Nacional da CGTP. Deixou de lecionar em 2016, quando
passou a desempenhar funções de assessoria ao grupo parlamentar do Bloco de
Esquerda na área da Educação. Tem 59 anos. Já exerceu a representação do Bloco
de Esquerda na vereação no presente mandato, em substituição de Ricardo
Robles”, descreve a nota do partido.
A escolha recai sobre Manuel Grilo porque Rita Silva, a
número dois da lista, “manifestou a sua indisponibilidade para assumir o
cargo”, explica a mesma a nota. Em causa estão “as responsabilidades dirigentes
que tem num movimento social e que considera incompatíveis com o exercício do
cargo de vereadora”.
Na nota publicada na íntegra, Manuel Grilo garante que “dará
continuidade às responsabilidades executivas que o Bloco de Esquerda tem na
Câmara Municipal de Lisboa, no quadro do acordo político celebrado entre o
Bloco de Esquerda e o Partido Socialista”. Um acordo que Fernando Medina já
garantiu esta segunda-feira se mantém inalterado.
O edil disse que o acordo entre a câmara e o BE depois das eleições
autárquicas, assegurando que este se irá manter “inalterado”. “O acordo
político celebrado depois das eleições autárquicas entre o PS e o Bloco de
Esquerda, alicerçado num importante conjunto de matérias programáticas e
políticas para a cidade (…) mantém-se inalterado”. Nas próximas semanas,
escreveu no Twitter, o PS vai solicitar uma reunião com ao Bloco, “no sentido
de assegurar as condições para reforçar a prossecução do acordo estabelecido”.
Caso Robles fragiliza e divide Bloco de Esquerda
Bloquistas votaram em maioria pela permanência de Robles
incluindo Luís Fazenda, que ontem mudou de opinião e pediu ao partido uma
"reflexão" sobre o caso. Socialistas e comunistas ficaram (quase) em
silêncio.
Liliana Valente
LILIANA VALENTE 31 de Julho de 2018, 7:06
O caso Ricardo Robles acertou em cheio no BE, expondo às
dores de crescimento um partido que se aproximou do poder e pondo a nu algumas
divisões internas que andavam diluídas na acção do dia-a-dia, acreditam
políticos e politólogos contactados pelo PÚBLICO. A demissão do vereador da
Câmara de Lisboa foi conhecida ontem, horas depois de o dirigente do partido
Luís Fazenda ter exortado o BE a fazer uma "reflexão" sobre o caso.
No partido, nega-se que haja uma ligação entre os dois momentos, até porque a
informação é que Robles se demitiu no domingo, antes das declarações de
Fazenda, dirigente que só dois dias depois da polémica se demarcou da posição
da cúpula do partido, de que faz parte.
Por estes dias o BE é um partido em ebulição, por dentro e
para fora. Mas tudo terá começado por dentro. Na sexta-feira, a comissão
política do BE esteve reunida com o único propósito de discutir o caso em que
se viu envolvido o vereador de Lisboa e a decisão de apoiar a permanência no
cargo foi votada por maioria, com dois votos contra. Luís Fazenda votou a
favor. De todos os 17 membros presentes, mais Pedro Filipe Soares por
videoconferência e dois convidados, entre eles Ricardo Robles, só os dois
membros da "moção R", os opositores a Catarina Martins na última
convenção do partido, Carlos Carujo e Samuel Cardoso, votaram contra.
Esta posição de Fazenda, que defendeu em declarações ao
jornal i que o partido teria de "tirar conclusões" sobre o assunto,
uma posição contrária ao que tinha defendido na sexta-feira, provocou
mal-estar. Mas ninguém o assume, deixando as feridas no seio do partido, até
porque expressá-las seria criticar a posição do dirigente da facção da UDP que
foi fundador do partido.
Certo é que a decisão de Robles de se demitir, por
considerar que a sua opção familiar se "revelou um problema político
real" e "criou um enorme constrangimento" à sua
"intervenção como vereador", acontece em contra-pé com o que vinham a
ser as posições do BE. Logo a seguir à reunião de sexta-feira à noite, a
comissão política divulgou o comunicado que foi votado e no qual a direcção
defendia Robles, considerando que a "conduta do vereador em nada diminui a
sua legitimidade na defesa das políticas públicas que tem proposto e continuará
a propor". Nesse mesmo dia, à meia-noite, um curto texto enviado à
comunicação social, respaldava a actuação de Ricardo Robles.
No dia seguinte, sábado, Catarina Martins fazia eco do que tinha
sido a posição da comissão política, defendendo o vereador, dizendo que este
não tinha feito "nada de errado". Posição que assumiu depois de terem
surgido novos dados na imprensa nesse dia, como a notícia do PÚBLICO que dava
conta de que o prédio de Robles se destinava ao alojamento local. Entre estas
declarações e o comunicado de ontem de manhã, com o anúncio da renúncia, nada
de novo aconteceu em público - excepto as declarações de Fazenda, o que dá
força ao argumento de que terá sido esta pressão interna a precipitar a decisão
de Robles.
O politólogo António Costa Pinto nota "o sinal que foi
dado pela UDP", leia-se por Fazenda, neste caso. "Isto é uma acha nas
naturais contradições internas, de um partido que era de protesto" e que,
de algum modo "está a fazer o caminho" para o poder. O especialista
acredita que este pode ser um caso fugaz, que desaparece depressa do espectro
mediático, e que a demissão ajuda a que isso aconteça,. Mas outras
consequências podem ainda estar para vir. Com este caso, Costa Pinto admite que
os eleitores possam vislumbrar uma aproximação do BE ao modo de actuação de
partidos mainstream, como o PS e o PSD, e que isso pode ter efeitos na escolha
futura daquele eleitorado, que pode votar BE ou PS.
Esta é das principais polémicas a atingir o BE num
território onde não navega com facilidade, as câmaras - já houve o caso José Sá
Fernandes, que era um independente apoiado pelo partido; e o de Ana Cristina
Ribeiro, presidente da Câmara de Salvaterra de Magos, que foi acusada de
favorecimento pessoal num concurso, processo que viria a ser arquivado.
Perante este novo caso, as consequências dependem, acredita
André Freire, do "modo como o BE vai gerir isto". "A demissão é
uma maneira de cortar o assunto ou, pelo menos, de o reduzir à dimensão de um
quadro do BE que foi contra a filosofia do partido", fazendo assim a
separação das águas entre a actuação de um membro com o todo que é o partido.
Este assunto, diz, "não é propriamente de espuma dos dias. É grave".
Apesar de não prever uma consequência eleitoral, para
futuro, o problema, diz Costa Pinto, é de "discurso" para o BE, que
tem de arranjar maneira de se diferenciar dos socialistas, sobretudo nestas
matérias da habitação, e, ao mesmo tempo, de escapar às farpas do PCP. Nota o
politólogo que PS e PCP devem "estar a rir-se discretamente".
A avaliar pelas reacções em público dos dois partido, terá
razão. No PS, o silêncio foi ontem a palavra de ordem e, apesar de esta questão
colocar o BE com alguma dificuldade, não se acredita que beneficie o PS e o
Governo nas negociações com os bloquistas sobre o Orçamento.
Já o PCP não escondeu que se considera um partido diferente
de todos os outros, em especial do BE. Em Belém, instado a comentar o caso,
Jerónimo de Sousa não se conteve em deixar uma indirecta aos bloquistas,
dizendo ter "tranquilidade imensa", porque continua a fazer política
como aprendeu: "Procurar resgatar o que de mais nobre tem a política, que
é servir os interesses dos trabalhadores e do povo, e não me servir a mim
próprio”.
Nesta guerra de indirectas entre os dois partidos mais à
esquerda, também não caiu bem ao Bloco um post no Facebook do deputado António
Filipe, a reivindicar a autoria das alterações à lei sobre o direito de
preferência de inquilinos na compra da habitação em que vivem, aprovada na
Assembleia da República e a que faltará apenas a promulgação pelo Presidente da
República, quando chegar a Belém. Catarina Martins referiu-se no sábado a esta
lei, dando a entender que o timing das notícias sobre Ricardo Robles teria a
ver com esta iniciativa do partido. António Filipe escreveu que o texto final
do diploma foi da autoria do PCP e o BE veio lembrar que a iniciativa foi deste
partido e que a proposta dos comunistas foi, aliás, mais favorável aos
proprietários do que a inicialmente proposta pelos bloquistas.
Os próximos dias ditarão o que serão as consequências na
imagem do partido, mas dentro do próprio BE poucos já têm dúvidas que este foi
um marco que fragilizou o discurso do partido, que precisará agora de fazer um
esforço redobrado para ser o que foi até aqui.
Quem não teve problema em comentar, e aplaudir, a demissão
de Robles foi o líder do PSD. "Tive oportunidade de ler a argumentação
dele, acho que ele esteve bem, teve uma atitude correcta, sensata, uma boa
argumentação", disse Rui Rio aos jornalistas, em Cantanhede, à margem de
uma visita à feira Expofacic.
"Uma atitude tanto mais difícil de tomar quanto é
contra aquilo que era a vontade da própria direção do seu partido, que achava
que não havia aqui nada de grave e que ele devia continuar", argumentou o
líder do PSD. Rui Rio considerou também que Ricardo Robles "presta um
serviço à democracia", notando que elementos de outros partidos, que não
nomeou, "que às vezes têm casos semelhantes ou piores, não tomam esta
atitude". "Portanto, não é por ele ser de um partido diferente que
vou deixar de relevar a atitude que ele teve", frisou o presidente do PSD.
Catarina Martins tem posição em empresa de alojamento local.
Mas é no interior do país
Flávio Nunes
A coordenadora do BE detém uma posição minoritária numa
empresa de alojamento local gerida pelo marido e pela sogra. Explora unidades
no Sabugal. Partido diz que ajuda a combater a desertificação.
Ricardo Robles esteve debaixo de fogo por causa do imóvel
que comprou em Alfama e tencionava vender para alojamento local por 5,7 milhões
de euros. Mas não é o único bloquista com atividade nesta área. Catarina
Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), é sócia minoritária de uma
empresa que se dedica ao alojamento local no interior do país.
A coordenadora do BE fundou a Logradouro Lda. com o marido
há quase dez anos e foi sócia-gerente da empresa até final de 2009, altura em
que assumiu funções como deputada em regime de exclusividade. Atualmente, a
empresa explora quatro empreendimentos turísticos e uma unidade de alojamento
local no concelho do Sabugal, distrito da Guarda.
A visão de Catarina Martins é a de que esta atividade
representa “turismo em espaço rural” e pode ajudar a fixar habitantes e a
combater a desertificação em regiões do interior do país, ao contrário do
alojamento local massificado e desequilibrado nas grandes cidades, que acentua
o fenómeno da gentrificação, explicou ao ECO fonte oficial do partido.
Em 2008, Catarina Martins e o marido, Pedro Miguel Soares
Carreira, fundaram esta sociedade com “atividades comerciais na área do
turismo”, no âmbito da “exploração de empreendimentos de turismo no espaço
rural”. Nessa altura, cada um detinha uma quota de 50%. Em 2009, a entrada de
Catarina Martins no Parlamento, como deputada em regime de exclusividade, levou
a alterações na gerência da empresa.
Pedro Carreira manteve-se como gerente e entraram dois novos
sócios: Ana Maria Manso Soares e José Manuel Carreira, sogros de Catarina
Martins e proprietários de “grande parte” do património explorado pela
Logradouro Lda. Catarina Martins e o marido mantiveram uma “participação
simbólica” no negócio. Atualmente, a coordenadora do BE tem 4% da empresa.
E que património está aqui em causa? Desde logo, a
Logradouro Lda. explora uma unidade de alojamento local com capacidade para
quatro pessoas, com dois quartos e duas camas. A unidade, inscrita no Registo
Nacional de Estabelecimentos de Alojamento Local (RNAL), é chamada de Casa da
Marzagona. No Airbnb, são cobrados 120 euros por cada noite.
O imóvel está registado como alojamento local “por ser a
casa dos sogros de Catarina Martins na sua aldeia de origem e onde a família se
reúne todos os anos”, explicou ao ECO fonte oficial do BE. “Nos períodos em que
não é usada pelos seus proprietários, a casa é disponibilizada para turismo”,
acrescentou a mesma fonte.
A Logradouro Lda. explora ainda quatro estabelecimentos
turísticos que se encontravam abandonados no momento em que a empresa foi
fundada. Ao que o ECO apurou, a empresa conseguiu aprovar, no final de setembro
de 2009, um projeto de “recuperação e reconversão de antigos palheiros para
turismo rural” no âmbito do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) e
recebeu um incentivo comunitário de 137,3 mil euros.
O projeto foi avaliado em 183,1 mil euros. O património foi
recuperado para turismo e, em 2011, estas quatro unidades foram registadas como
empreendimentos turísticos. No total, os quatro empreendimentos explorados pela
Logradouro Lda. têm capacidade para 16 pessoas. Atualmente, a empresa é gerida
por Pedro Carreira e pela mãe, Ana Soares.
A participação de Catarina Martins nesta empresa consta nos
registos de interesses entregues ao Parlamento e também ao Tribunal
Constitucional. Ora, na sequência da polémica com o imóvel de Ricardo Robles,
fonte oficial do BE explica que não existe incoerência entre as propostas
defendidas pelo BE para o alojamento local e o facto de Catarina Martins ter
uma participação neste negócio.
Ao ECO, fonte oficial do BE referiu que “a gentrificação é
um fenómeno urbano de expulsão de moradores pobres” e que, “pelo contrário, o
turismo em espaço rural fixa habitantes e combate a desertificação em regiões
como a do Sabugal”. “As quatro casas reabilitadas para turismo em espaço rural
estavam há muito abandonadas, situação demasiado comum no interior do país”,
conclui.
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