terça-feira, 24 de julho de 2018

A seca no Norte da Europa ...

A Seca é bem vísivel no Hyde Park / Londres, nesta imagem de OVOODOCORVO


Verão quente na Escandinávia e chuva em Portugal. A causa são os anticiclones
Na Suécia, as autoridades pediram ajuda internacional para combater os incêndios florestais. No Japão, depois de um período de chuvas intensas, o calor já provocou 44 mortos. Os especialistas acreditam que este padrão vai continuar durante os próximos meses.

FILIPA ALMEIDA MENDES 23 de Julho de 2018, 22:49

Desde o início de Junho que as temperaturas típicas em vários países têm registado alterações significativas, com países como o Reino Unido, Noruega e Suécia a registarem temperaturas recordes. Em Portugal e Espanha, por outro lado, a chuva parece não nos deixar e, para quem tem na memória o Verão quente de 2017, o deste ano parece mais frio.

O hemisfério Norte está a ter um Verão muito quente e a causa é uma: os anticiclones. Na Suécia, os incêndios florestais levaram as autoridades a pedir ajuda internacional para combater os 60 fogos que se espalharam por todo o país nos últimos dias. Mas outros países conhecidos pelo frio e neve têm-se visto incapazes de lidar com estas ondas de calor intensas e prolongadas.

No Reino Unido (onde a temperatura normal em Junho não excede os 20 graus Celsius), o calor fez derreter o telhado do Centro de Ciências de Glasgow, avança o diário britânico The Guardian, e as temperaturas levaram os relvados a secarem – o que permitiu a descoberta de vestígios de locais históricos nas Ilhas Britânicas, de acordo com o diário The Telegraph. No Canadá, as temperaturas ultrapassaram os 30 graus em Toronto e, em Montreal, registou-se a temperatura mais alta em 147 anos em Julho, que provocou dezenas de mortos.

Na cidade de Uargla, na Argélia, os termómetros chegaram aos 51,3 graus, talvez a temperatura mais elevada alguma vez registada em África. Já no Japão, depois das chuvas intensas que já provocaram mais de 200 mortos, as temperaturas ultrapassaram os 40 graus e já causaram cerca de 44 mortos nos últimos dias, de acordo com a estação CNN, uma vez que o calor aliado a uma humidade relativa elevada acabou por ter um efeito potenciador.

Imagem sobre a circulação da atmosfera de Junho de 2018. As áreas a vermelho e laranja representam zonas de alta pressão e anticiclones associados. As áreas verdes e azuis correspondem a zonas de baixas pressões com temperaturas mais baixas ICLIMATEADVISER
Certo é que tanto as ondas de calor como o clima mais frio em Portugal estão a ser causados por anticiclones que acabam por ter efeitos contrários na Europa, o que não é normal principalmente na Escandinávia. “A atmosfera não gosta muito de desequilíbrios e tenta ajustá-los. De facto, existe é um padrão muito antagónico", começa por explicar ao PÚBLICO Mário Luís Marques, climatólogo e director-executivo da empresa IClimateAdviser. "Isto é, aquilo que agora estamos a ter em Portugal em termos de comportamentos atmosféricos é aquilo que normalmente o Reino Unido e a Escandinávia recebem durante o Verão: temperaturas entre os 20 e 25 graus, humidade, muita nebulosidade, trovoadas, precipitação um pouco fora da época", acrescenta. Na Escandinávia e no Reino Unido, um anticiclone, que não é o dos Açores, está a enviar ar quente do Mediterrâneo. "Portanto, estão a ter temperaturas no início de Junho muito acima da média, na ordem dos 28 ou 31 graus no caso de Estocolmo e Oslo, e 29 a 30 graus no Reino Unido”, explica Mário Marques.

“Essa onda de calor no Norte da Europa tem a ver com os centros de acção (anticiclones ou depressões) e com a sua localização. O Norte da Europa está com uma situação de anticiclone a que chamamos 'bloqueio' (que lá está há bastante tempo, há mais de um mês) e está a favorecer uma adjecção de ar quente para esses países”, explica Sandra Correia, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Este fenómeno está também relacionado com a corrente de jacto, um núcleo de ventos fortes que têm condicionado o clima. “A corrente de jacto neste momento está muito fraca e está-se a desviar muito para norte, para o Árctico ou para sul, inclusivamente até Marrocos”, acrescenta Mário Marques. Enquanto o anticiclone dos Açores é dinâmico ao nível da localização espacial, o anticiclone do Norte da Europa é estático - “isto é, pode aumentar ou diminuir de intensidade mas a sua presença não varia a nível espacial”, o que está a provocar a situação na Escandinávia, explica o climatólogo.

Anticiclone dos Açores
Em Portugal e Espanha, verifica-se um Verão de temperaturas relativamente baixas para os padrões dos últimos anos, com chuvas e ventos, que chegaram a provocar inundações em Barcelona, segundo o jornal espanhol La Vanguardia. Isto está relacionado com o anticiclone dos Açores, que está mais deslocado para oeste em relação ao normal para esta época do ano, o que levou ao Julho mais fresco dos últimos 30 anos. “Digamos que o padrão de tempo que nos está a afectar a nós poderá, de certo modo, também influenciar o tempo em Espanha”, refere ao Sandra Correia. A Península Ibérica está a ser afectada pela formação de uma depressão térmica que, numa acção conjunta com o anticiclone dos Açores, provoca o actual fenómeno. “Estando o anticiclone dos Açores um pouco mais longe das nossas latitudes do que é normal, ele permite que outras depressões se aproximem e que, associado a isso, tenhamos alguma precipitação e que haja uma persistência de mais dias com nebulosidade baixa e chuviscos. Portanto, o que tem sido atípico é a persistência desses dias”, explica a meteorologista.

No território português, as previsões apontam para uma “continuação deste tempo mais fresco e destas temperaturas abaixo da média para o mês de Julho” pelo menos até Agosto, diz Sandra Correia. Mário Marques concorda que, tanto para Portugal como para a Escandinávia, “o padrão climático vai manter-se, tendo em conta que este padrão está a ter um comportamento muito assertivo”. Em Portugal, a segunda metade de Agosto poderá ter temperaturas amenas e este “será um Verão sem ondas de calor”, assegura Mário Marques. Já Setembro terá um clima mais tropical com um comportamento mais instável.

As opiniões dividem-se entre os especialistas quanto ao impacto das alterações climáticas nestes fenómenos. Para dizermos que é uma consequência das alterações climáticas, precisamos de ter dados dos últimos 30 anos, pelo que o que se observa faz parte, para já, da variabilidade climática de Portugal. “O que não quer dizer que as alterações climáticas não existam”, afirma Sandra Correia, pois a temperatura média do planeta está a aumentar. Mas Mário Marques já atribui o que se passa às alterações climáticas, dizendo que a variável de distinção aqui é a duração das temperaturas elevadas registadas. Os países do Norte “sofrem muito mais porque não estão preparados para isso ao nível de condições", diz Mário Marques. "Penso que as alterações climáticas vão estar mais presentes daqui para a frente, é quase uma realidade adquirida.”


ENTREVISTA FILIPE DUARTE SANTOS
Ou controlamos as alterações ao clima ou "estas catástrofes vão ser frequentes"
Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas, explica ao PÚBLICO porque é que está a aumentar o risco de incêndios nos países do Mediterrâneo.

MARIANA OLIVEIRA 24 de Julho de 2018, 21:36

O físico Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, explica ao PÚBLICO porque receia um mundo mais inóspito no futuro.

Este ano os incêndios na Grécia já mataram dezenas de pessoas, o ano passado em Portugal morreram mais de 100 pessoas. O clima está a tornar mais comum os comportamentos extremos do fogo?


O que se está a observar é uma maior frequência de ondas de calor em todo o mundo. Nos países do Sul da Europa, da região do Mediterrâneo, também observamos um clima mais seco. A combinação dessa secura com temperaturas mais elevadas é que conduz a um maior risco de incêndios florestais. O que podemos esperar para o futuro é um agravamento dessas tendências, porque as alterações climáticas estão a progredir.

Como explica o Verão atípico que se está a viver na Europa com países como o Reino Unido e a Suécia com temperaturas recorde e Portugal e Espanha com temperaturas amenas e chuva?

Isso tem a ver com a variabilidade climática. O planeta não tem a mesma temperatura por todo o lado.

Dá ideia de que hoje já não reconhecemos as quatro estações do ano como antigamente.

Casas sem licença e falta de planeamento urbano por trás do “desastre à espera de acontecer”
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As quatro estações eram caracterizadas principalmente pela questão da temperatura e da precipitação. E a temperatura está a aumentar. As alterações climáticas também aumentam a tal variabilidade do clima num determinado sítio. Antigamente a temperatura não variava tanto, agora temos maiores variações. Em relação à precipitação é o mesmo. Agora temos mais secas e temos variações da precipitação muito grandes.

Daí a importância do Acordo de Paris.

O Acordo de Paris tem por objectivo não aumentar a temperatura média global do planeta em mais de dois graus Celcius relativamente ao período pré-industrial [cerca de 1850]. Neste momento, já se aumentou essa temperatura em um grau Celcius. Portanto, só temos mais um grau Celcius. Só com o aumento de um grau temos estas ondas de calor cada vez mais frequentes com consequências gravosas para as pessoas e para os bens.

O Japão recentemente teve cheias que provocaram mais de 200 mortos e depois temperaturas acima dos 40.ºC. Em Montreal, no Canadá, registaram-se este mês as temperaturas mais altas em 147 anos. Isto está tudo ligado?

Está. Faz tudo parte do facto de termos um planeta com uma atmosfera para onde estamos a lançar grandes quantidades de gases com efeito de estufa, em particular o dióxido de carbono, que resulta em grande medida da combustão dos combustíveis fósseis. É um gás que é natural na atmosfera, mas ao aumentar a sua concentração na atmosfera intensifica-se o efeito de estufa, ou seja, a atmosfera aquece. Isso sabe-se desde meados do século XIX. Se não cumprirmos o Acordo de Paris e formos para além dos dois graus Celsius então teremos um mundo muito mais inóspito. As pessoas sobrevivem, mas sobrevivem em condições de muito menor bem-estar e de qualidade de vida.

O mundo está a fazer o suficiente para responder às alterações climáticas?

Alguns países estão, outros não. A União Europeia está. É necessário fazermos uma transição energética para as renováveis e dependermos menos dos combustíveis fósseis. Portugal tem feito um bom trabalho nesse sentido, mas há países que não. A China está a fazer um grande esforço para desenvolver a energia eólica e a solar.

Os Estados Unidos abandonaram o Acordo de Paris.

Incêndios obrigam Suécia a pedir ajuda internacional
Incêndios obrigam Suécia a pedir ajuda internacional
Exactamente. Embora haja estados como a Califórnia, que continuam a tomar medidas de redução das emissões. No global do mundo a situação é muito difícil. Começa a ser provável que a humanidade não vá cumprir o Acordo de Paris. Que se ultrapasse os tais dois graus Celcius. É preciso investimento. É preciso haver melhor solidariedade entre os países, que os mais ricos ajudem os menos ricos, como a Índia ou o Brasil, a fazer a transição para as renováveis.

Há alguma forma de nos prepararmos ou evitarmos estas catástrofes?

Se não controlarmos as alterações climáticas estas catástrofes vão acontecer com mais frequência. No caso de Portugal podemos adaptarmo-nos a um clima mais quente e mais seco. E reagir à subida do nível médio do mar. Já subiu cerca de 20 centímetros desde o tal período pré-industrial e, provavelmente, vai subir até um metro até ao fim do século. Podemos preparar as nossas zonas costeiras e os recursos hídricos, tentar adaptar a agricultura e as florestas. Mas isso exige uma grande determinação e também investimento.

Portugal tem feito esse percurso?

Portugal tem uma estratégia de adaptação às alterações climáticas. Também tem um plano de transição para as energias renováveis. Foi anunciado em 2016 um roteiro para uma economia de baixo carbono até 2050. Isso é muito positivo. Portugal é dos poucos países no mundo que tem essa ambição. Agora falta concretizá-la.

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