“A Operação Tutti Frutti é um daqueles casos
que poderá abalar o regime”
A operação Tutti Frutti
é um daqueles casos que poderá abalar o regime, porque parece ter o potencial
de revelar sistemas de corrupção sistémica de desvio de dinheiros públicos para
financiamento ilegal de partidos políticos.
15.07.2018 08:00 por António José Vilela
O presidente da associação Transparência e Integridade, João
Paulo Batalha, acha que Portugal é um país corroído pela corrupção. E que os
partidos políticos já não se conseguem limpar sozinhos.
A escolha de quem sucederá a Joana Marques Vidal é
fundamental para se perceber o que acontecerá às investigações ao crime
económico-financeiro. O presidente da Transparência e Integridade, João Paulo
Batalha, 40 anos, não quer outro Pinto Monteiro como procurador-geral da
República. Na entrevista à SÁBADO, o responsável não tem meias-palavras para
classificar a responsabilidade dos políticos e dos partidos portugueses na
questão da corrupção e dos crimes económico-financeiros.
A pergunta já é habitual, mas cá vai: o fenómeno da
corrupção e dos crimes de colarinho branco é preocupante em Portugal?
Não somos um País de corruptos no sentido em que a esmagadora
maioria dos cidadãos portugueses não é corrupta. Mas somos um País corrompido
no sentido em que as instituições públicas estão em muitas matérias essenciais
capturadas por interesses particulares que têm um acesso desproporcionado aos
decisores. Portanto, é um País corrompido no sentido em que o parlamento, que é
eleito para legislar em defesa do interesse comum, em muitas matérias
essenciais e com grande relevância económica, legisla em defesa de interesses
particulares. E o Governo não protege o interesse comum, mas os interesses
particulares em muitas matérias. Resumindo: não é um País de alma corrompida,
mas o corpo está corroído pela corrupção.
Mas a imagem da corrupção não é a mesma de outro tipo de
crimes socialmente mais penalizadores.
Há máfias de traficantes de droga e há máfias de corrupção.
As primeiras dão mau aspecto porque são bandidos, mas as segundas máfias são de
cavalheiros. E com as duas temos ainda hoje atitudes diferentes em termos de
cultura de poder: atacamos as primeiras e protegemos as segundas. É por isso
que temos um Estado corrompido. Veja-se o que aconteceu com as sucessivas
comissões de inquérito do parlamento. Muitas vezes até se faz um esforço
meritório, mas depois esquece-se de ser consentâneo e não se legisla, não se
actua. O que aconteceu em 2013 com as parcerias público-privadas é apenas um
exemplo. O relatório da comissão de inquérito foi demolidor porque veio dizer
que não se defendeu o interesse público, que as rendas são excessivas, os
contratos são leoninos, que há conflitos de interesse entre quem negociou e
depois se passou para os privados e que os contribuintes estão a ser roubados.
Depois, o que é que foi feito? Nada. Que políticas públicas foram alteradas,
que nova legislação foi feita para proteger o Estado? Só se travaram novas
desgraças devido à troika e porque deixou de haver dinheiro.
Judiciária fez buscas na casa de deputado do PSD Judiciária
fez buscas na casa de deputado do PSD É curioso que tenha falado no parlamento,
porque até em questões tão simples como o controlo das moradas dos deputados
para pagamentos de subsídios foi o próprio parlamento – assente num parecer
jurídico – que veio dizer que não tem de controlar as declarações dos deputados.
O parecer jurídico é típico de quem não se quer entalar. São
gastas 20 e tal páginas a discutir os conceitos de morada e de residência e
depois conclui-se que é como os deputados quiserem. Não pode ser um auditor
jurídico da Assembleia da República a determinar as regras para interpretar
estas normas, têm de ser os próprios deputados. Mas eles não querem fazer isso.
Querem continuar a beneficiar de rendas que são na prática segundos ordenados.
Os pagamentos aos políticos são um tema tabu, tal como
sucede com os conflitos de interesses.
Nós temos uma cobardia política estrutural. Os deputados
acham que ganham mal, mas têm receio de aumentar os seus próprios ordenados
devido a questões populistas, mas depois não têm vergonha nenhuma em legislar
segundos e terceiros ordenados e acumulações de funções que colocam em cima da
mesa conflitos gigantescos de falta de transparência. Os pagamentos de
deslocações deviam ser feitos consoante o trabalho político, mas as agendas
deviam ser públicas para todos sabermos onde esteve e com quem esteve o
deputado. De outra maneira é tudo promíscuo, cobardezinho e para sacar umas
vantagens que, às vezes, nem são tão grandes assim.
E isso também contribui para a má imagem dos políticos?
Sim, provoca uma quebra da dignidade das funções públicas e
do exercício dos mandatos. Quem mais contribui para a degradação da imagem dos
políticos são os próprios políticos, porque têm muito medo de regras claras e
pouca vergonha para criarem atalhos. E assim todos pagam – mesmo os que têm
comportamentos exemplares – e vivem todos no mesmo lamaçal.
Atalhos é uma palavra interessante porque parece
caracterizar o funcionamento interno dos partidos políticos. Ainda não sabemos
a maior parte dos pormenores da operação Tutti Frutti, mas já foram noticiados
alegados cruzamentos entre avenças, cargos, adjudicações atribuídas a empresas
de militantes políticos e sacos azuis para tratar de questões internas de
partidos. Tudo pago com dinheiros públicos.
A operação Tutti Frutti é um daqueles casos que poderá
abalar o regime, porque parece ter o potencial de revelar sistemas de corrupção
sistémica de desvio de dinheiros públicos para financiamento ilegal de partidos
políticos. O que me interessa nesta operação de buscas simultâneas em várias
câmaras do País e em sedes partidárias é perceber qual será o ângulo da
investigação: ficará por uns contratos com empresas amigas? Ou chegará a redes
de contactos subterrâneas que cruzam negócios com militantes dos dois
principais partidos, PSD e PS, para o enriquecimento ilícito desses agentes
partidários e ao mesmo tempo tratarem de campanhas internas para a liderança
dos partidos e pagamentos massivos de quotas de militantes? Sempre se ouviu
falar destas promiscuidades, mas nunca tivemos investigações criminais que
chegassem ao fim nessa área.
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