Sem-abrigo de Lisboa terão centros
diurnos para os ajudar a encontrarem um emprego
POR O CORVO • 15 SETEMBRO, 2017 •
http://ocorvo.pt/sem-abrigo-de-lisboa-terao-centros-diurnos-para-os-ajudar-a-encontrarem-um-emprego/
A câmara municipal prepara-se para criar unidades de apoio
para os que vivem na rua e procuram emprego. A iniciativa parece agradar a
algumas instituições sociais, mas há quem defenda que o passo mais importante
para a completa integração dos sem-abrigo será uma maior abertura da sociedade
à sua inclusão no mercado de trabalho. Esta semana entrou ainda em
funcionamento um Núcleo de Apoio Local na freguesia de São Vicente. O objectivo
a longo prazo deste género de equipamentos será acabar com a distribuição
alimentar nas ruas.
Texto: Sofia
Cristino Fotografia:
Tiago Figueiredo
A Câmara Municipal de
Lisboa (CML) acaba de lançar um concurso para a criação de Centros Ocupacionais
de Inserção Diurna (COID) para Pessoas em Situação de Sem-Abrigo que estejam
activamente à procura de emprego. O vereador dos Direitos Sociais da CML, João
Afonso, explica ao O Corvo que estes espaços surgem já na fase final do
processo de reintegração dos sem-abrigo, destinando-se a “pessoas que já estão
com capacidade para responder a uma oferta de trabalho ou a respostas
ocupacionais, mesmo que sejam temporárias”. Esta é uma iniciativa no âmbito do
Programa Municipal para a Pessoa Sem Abrigo 2016-2018 (PMPSA).
“Os centros diurnos
funcionam como centros de integração local. Já existem centros de integração
local, mas não é suficiente. Tem de existir uma lógica de progressividade e
este concurso surge numa fase mais avançada do nosso programa, como complemento
ao alojamento”, esclarece. “Em todo este processo de reintegração não há um
contínuo, a pessoa vai passando por várias fases e por vezes há um retrocesso,
volta à sua vida, aos seus laços sociais e familiares. Estes centros são para
pessoas que já estão em processo de reinserção, que já não estão a dormir na
rua”, acrescenta.
Os novos centros, cuja localização não está ainda definida,
terão uma capacidade mínima para albergar 25 pessoas. Cada utente deverá
cumprir um Plano de Inserção Individual (PII), de preferência num prazo não
superior a três meses, recebendo um acompanhamento individual diário contínuo.
A câmara aceita candidaturas de projectos para a criação dos Centros Diurnos
por parte de instituições particulares de solidariedade social e as que lhe são
legalmente equiparadas, associações, fundações e outras pessoas colectivas
privadas de âmbito social sem fins lucrativos. Cada um dos dois projectos
vencedores receberá trinta e dois mil e quinhentos euros.
Mas João Afonso diz
que os COID “não são uma prioridade” da CML, indicando antes as Equipas
Técnicas de Rua (ETR’s), o alargamento das respostas de alojamento e a criação
dos Núcleo de Apoio Local (NAL) como medidas a que a autarquia dará primazia.
“Os COID resultam de um trabalho com os nossos parceiros, que já têm
experiência nesta área. O nosso papel aqui é só financiar os programas que eles
próprios têm capacidade de montar já em articulação com o Centro de Emprego e
com as Escolas de Formação Profissional. Nós não conseguimos fazer tudo, não
temos recursos humanos para tudo”, acrescenta.
Para Henrique Joaquim,
presidente da Comunidade Vida e Paz, os centros diurnos representam “uma
resposta importante, que virá contribuir para que se reforce e consolide o
sucesso que se tem vindo a alcançar nesta área”. “As pessoas em situação de
sem-abrigo, ainda que estejam todas na mesma condição – sem–abrigo -, têm
processos pessoais e diferenciados que é crucial compreender o mais
aprofundadamente possível. Ter espaços de acolhimento e acompanhamento durante
o dia é essencial para poder ter uma intervenção de proximidade”, afirma.
O presidente do
Centro de Apoio aos Sem-abrigo (CASA), Rogério Figueira, acredita que a criação
dos COID permitirá “criar uma base de trabalho mais consistente na cidade de
Lisboa”. “Têm de ser criadas estruturas que apoiem as várias vertentes que
permitem a completa integração social: alimentação, higiene, saúde (física e
mental), habitação, formação profissional e inserção no mercado de trabalho. O
enfoque em apenas uma destas vertentes resulta sempre num trabalho incompleto,
que não se traduz numa real reintegração”, defende.
Em declarações a O Corvo, o vereador dos Direitos Sociais
anunciou ainda que acabou de entrar em funcionamento um novo Núcleo de Apoio
Local (NAL) na freguesia de São Vicente, na zona de Santa Apolónia. O qual, à
semelhança do NAL de Arroios, consistirá num espaço para distribuir alimentos
em melhores condições de higiene e em condições que favoreçam a sociabilização.
“É uma localização onde há muitas pessoas sem-abrigo e muita distribuição
alimentar. Estas pessoas passam a ter um espaço onde podem comer
confortavelmente, todos os dias e a determinadas horas, com melhores condições
de higiene alimentar e segurança, melhorando as próprias condições do momento
da refeição, ao poderem lavar as mãos antes de comerem e fazendo-o sentadas”,
explica.
O NAL de São Vicente
terá capacidade para cinquenta pessoas, um balneário, serviço de lavandaria e
distribuição de roupa, tendo sido assinado um protocolo de delegação de
competências com a Junta de Freguesia de São Vicente para a abertura do espaço.
A CML já tinha
anunciado que pretendia implementar estas estruturas em mais três zonas da
cidade de Lisboa (Cais do Sodré, Restauradores e Parque das Nações). João
Afonso não revela para quando a inauguração do próximo NAL, mas garante que são
necessários mais e que estes espaços “deverão progressivamente substituir a
distribuição de alimentos em rua”. “As pessoas alimentam-se em condições pouco
dignas, sentadas nos passeios e encostadas a caixotes do lixo e, por isso, é
que os NAL são tão importantes”.
O NAL de Arroios,
reaberto o ano passado sob a direcção do CASA, foi o primeiro NAL a surgir no
âmbito do PMPSA. Tentaram abrir outro, mas não correu como o expectável. “Já
tínhamos aberto um NAL na freguesia de Santo António, mas não correu bem porque
os NAL têm um problema. Não é fácil arranjar um espaço NAL integrado na malha
urbana, na vida de um bairro, porque são espaços sociais de porta aberta e há
uma comunidade que também vive nas nossas ruas e, por vezes, o convívio não é
simples”, admite o vereador.
João Afonso
considera, por isso, que “é necessário um processo de sociabilização, que é um
trabalho feito pelas equipas técnicas de rua”. “Acabam por fazer esta mediação
social entre quem vive na rua e quem não vive na rua”, explica. Nesse sentido,
os NAL deverão, ainda, “incentivar o convívio com outras pessoas, sejam pessoas
em situação de sem-abrigo ou outras e servirem de meio para explicarmos quais
são as respostas que existem, estabelecendo uma ponte de comunicação que leva,
muitas vezes – e já levou no NAL de Arroios -, a que muitas pessoas integrem
outras respostas de integração”, adianta o autarca.
Segundo dados
disponibilizados pela CML, a partir de um diagnóstico feito pelas equipas da
autarquia no terreno, estarão em situação de sem-abrigo cerca de 400 pessoas,
havendo um número similar que já está inserido em respostas de emergência ou de
inclusão. João Afonso acredita que é possível erradicar este fenómeno, mas
alerta que se trata de um processo lento, “de avanços e recuos”.
“A situação dos
sem-abrigo é uma situação transitória. Qualquer pessoa que esteja em situação
de sem-abrigo pode sair dela. Pode acontecer que estas pessoas passem por uma
fase de negação, claro, mas não há pessoas que querem viver na rua. A situação
de viver na rua é uma situação de risco”, afirma.
Sobre a diminuição do número de sem-abrigo da capital,
Rogério Figueira, presidente do Centro de Apoio aos Sem-abrigo (CASA), defende
que há “necessidade de criar novas respostas, mas também de ajustar e consolidar
algumas já existentes”. “O primeiro passo passa por uma efectiva coordenação do
trabalho das várias instituições e grupos, algo que está a dar os primeiros
passos”, afirma, apontando ainda a importância da sensibilização da sociedade
civil para ser mais interventiva, nomeadamente, estando aberta para a inclusão
no mercado de trabalho das pessoas que conseguem sair da rua. “Conhecemos
alguns casos de particulares que aceitam receber pessoas e algumas experiências
têm corrido bastante bem”, diz.
Sem comentários:
Enviar um comentário