Novo Jardim do Caracol da Penha
poderá vir a ter uma área de lazer “livre de cães”
POR O CORVO • 8 SETEMBRO, 2017 •
O futuro Jardim do Caracol da Penha, projecto que foi o
grande vencedor do Orçamento Participativo (OP) de Lisboa 2016-17, poderá ter
uma área de lazer arrelvada à qual será vedado o acesso a cães. A separação
através de barreiras físicas a implantar permitirá aos utentes do parque
poderem desfrutar do espaço sem terem de se preocupar com os dejectos caninos
ou com a possibilidade de serem importunados pelos animais. A solução, a
revelar durante a apresentação pública da versão preliminar projecto de arquitectura
paisagista do novo parque público, a decorrer no Espaço Roundabout.LX, na Rua
Cidade de Cardiff, nesta sexta-feira (8 de setembro) pelas 21h, nasce da
análise das sugestões feitas pela população, numa consulta realizada em março e
abril deste ano. O assunto terá sido abordado por cerca de um quarto dos que
deram a sua contribuição no processo consultivo sobre o jardim, o qual
privilegiará a manutenção do maior número de árvores, plantando-se outras, e
ainda o reduzido número de equipamentos, optando-se antes pela polivalência dos
mesmos.
“Um dos aspectos mais
inesperados deste processo foi o número significativo de contributos
relacionados com cães, até porque esta questão nunca tinha sido abordada em
momentos de comunicação anteriores”, lê-se no documento que faz a análise das
sugestões dos cidadãos, a que O Corvo teve acesso. Nele se acrescenta que
muitas dessas dicas são sustentadas “em queixas relacionadas com a falta de
civismo de alguns donos de cães e com a deficiente limpeza das ruas circundantes
e dos jardins mais próximos, tornando impraticável a utilização de alguns
espaços para determinados fins (‘estender uma toalha na relva’, ‘fazer um
picnic sem ser importunado’)”. Algo que terá sido tomado em consideração pela
equipa de projectistas da Câmara Municipal de Lisboa (CML). “As sugestões
recebidas propõem a diferenciação de zonas, nomeadamente a “criação de zona de
estar (como um relvado) sem cães, através da colocação de barreiras físicas”,
lê-se no referido relatório, que aponta ainda para a colocação de “wc para
cães” e bebedouros.
A nem sempre pacífica
convivialidade entre, por um lado, canídeos e seus donos e, por outro, os
demais utilizadores do espaço público volta, assim, a ser tema de debate num
momento em que se antecipa a criação de um novo e muito desejado jardim no
coração da capital. O assunto já havia sido alvo de polémica quando, em maio de
2015, a poucas semanas da inauguração do Jardim da Cerca da Graça, um grupo de
mães fez circular uma petição em que se pedia a construção de uma área
confinada para aqueles animais ou, em alternativa, que os mesmos fossem banidos
de todo recinto. “O problema não são os animais. Os dejectos até poderiam ser
de humanos ou de extraterrestres. São sempre dejectos! Esta poderia ser uma boa
oportunidade para a CML criar um jardim diferente, onde as crianças pudessem
brincar livremente e os donos passear com os seus cães de uma forma
responsável”, disse, na altura, uma das peticionárias a O Corvo. No Jardim da
Cerca da Graça, porém, os animais continuam a circular sem restrições.
O Jardim da Cerca da
Graça serviu, aliás, como termo de comparação noutros aspectos, com muitos dos
munícipes que participaram no processo de auscultação – foram recebidas
contribuições de mais 300 pessoas – a salientarem o que qualificam “como um mau
exemplo de espaço verde urbano, considerado um ‘jardim desinteressante’, ‘local
de experimentações paisagísticas’, um ‘jardim recente composto por elementos
arquitectónicos datados, como as colunas da pérgola, os candeeiros clássicos ou
um quiosque que parecem ter saído do final do século XIX’”, lê-se no relatório
de análise ao processo consultivo junto da população. Muita gente expressou o
desejo de “manter ou reforçar algum do carácter ‘selvagem’ do jardim”, acrescentando
que o mesmo deveria ser “um espaço para se poder contactar a natureza no centro
da cidade” e “para se pôr os pés e as mãos na terra”, valorizando-se assim que
a futura área tenha o menor número possível de “infra-estruturas que tornam os
espaços verdes demasiado artificiais”.
Tudo isto será
discutido na sessão que se seguirá à apresentação do projecto. “Trata-se de um
momento importante, porque resulta de um processo aberto, em que, pela primeira
vez, foi ouvida a população no desenho de um jardim. O projecto foi o que teve
o maior número de votos de sempre do OP, teve um apoio claro da população de
Lisboa. Mas nós quisemos dar mais um paço, auscultando as pessoas na hora de
desenhar o espaço”, explica a O Corvo Miguel Pinto, um dos responsáveis pelo
Movimento Jardim do Caracol da Penha, responsável pelo processo de mobilização
cívica que, a partir do início do verão de 2016, conseguiu reverter o que
parecia ser a mais que certa construção de um parque de estacionamento da EMEL
naquela encosta, situada entre as freguesias da Penha de França e de Arroios.
“A Câmara de Lisboa, felizmente, teve a abertura para aceitar esta nova fase de
consulta da pessoas, quando tal nem era obrigatório”, comenta o activista,
admitindo a dificuldade em harmonizar tantas e tão distintas opiniões sobre
como deverá ser o tão aguardado espaço verde.
Após a sessão desta
sexta-feira, na qual se espera a validação e leitura crítica do projecto que
será apresentado, existirá um período adicional de duas semanas durante o qual as
pessoas poderão dar sugestões. Nesse tempo, toda a informação e materiais
relativos ao projecto podem ser consultados no sítio do movimento, através do
qual serão canalizadas as opiniões sobre aspectos que poderão vir a ser
melhorados. “Mas a câmara será sempre soberana”, avisa Miguel Pinto, lembrando
ainda a complexidade técnica associada à execução da obras, uma vez que existe
a necessidade de, antes de tudo, se realizarem trabalhos de contenção da
colina, que estabelece a ligação entre duas áreas separadas por uma elevada
diferença de quotas. Para já, diz o responsável pelo movimento de cidadãos, a
única certeza é de que, naquele terreno de 10 mil metros quadrados, “não apenas
se manterá o maior número possível de árvores, como haverá um aumento do seu
número, com a plantação de novos exemplares”.
Texto: Samuel Alemão
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