Costa impôs licenciatura,
ex-comandante pediu equivalências
Lei que obriga comandantes a terem
licenciatura é do ano em que Rui Esteves começou o curso e foi feita por
Ascenso Simões, secretário de Estado de António Costa no Governo de Sócrates.
Maior parte das cadeiras foram creditadas pelo coordenador do curso.
Liliana Valente
LILIANA VALENTE 15 de setembro de 2017, 6:40
Rui Esteves, que se demitiu nesta quinta-feira do cargo de
comandante nacional da Protecção Civil (Conac), acabou a licenciatura em
Protecção Civil pela Escola Superior Agrária de Castelo Branco em 2009 com a
nota final de 13 valores. O percurso académico do agora ex-comandante nacional
não é linear e está cheio de particularidades. Uma delas é o facto de só ter
começado a licenciatura - que obteve quase na sua totalidade por equivalências
- depois de uma lei do Governo de José Sócrates obrigar os comandantes a terem
diploma.
A questão da licenciatura nos comandantes da Protecção Civil
não é de somenos, uma vez que uma alteração à lei fez com que os membros do
comando operacional passassem a ser obrigados a ter curso e tempo de serviço, o
que à data provocou alguns problemas, uma vez que muitos dos comandantes
operacionais da protecção civil eram sobretudo nomeados pela sua experiência
enquanto bombeiros. Aliás, este decreto-lei, elaborado pelo então secretário de
Estado da Administração Interna, Ascenso Simões – que tinha como ministro
António Costa –, visava reforçar a estrutura de comando do então Serviço
Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, que viria a dar lugar à Autoridade
Nacional de Protecção Civil (ANPC) nesse mesmo ano, confirmou ao PÚBLICO o
então secretário de Estado.
Ora, à data, Rui Esteves era comandante operacional
distrital de Castelo Branco, cargo que ocupava desde 2005, e era por isso
abrangido por esta mudança na lei. O decreto-lei criava, no entanto, um regime
transitório de dez anos, para que os comandantes em serviço regularizassem a
situação. A exigência levou mesmo a que dois comandantes com vasta experiência
tivessem sido exonerados do cargo, um deles Joaquim Chambel, tido como um dos
mais experientes.
Estes dois comandantes não respeitaram o prazo para actualização
das habilitações académicas e foram, por isso, substituídos no processo de
mudança de metade do comando operacional que aconteceu no início do ano e que
levou Joaquim Leitão a presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil, e
Rui Esteves a Conac.
Rui Esteves acabaria por se demitir nesta quinta-feira do
cargo. Não apresentou qualquer justificação, mas a sua demissão aconteceu no
mesmo dia em que o PÚBLICO noticiou que o Conac tinha feito a licenciatura
quase na sua totalidade por equivalências (32 em 36 unidades curriculares).
Depois da notícia do PÚBLICO, o actual presidente do
Instituto Politécnico de Castelo Branco, Carlos Maia, enviou o caso à Inspecção
Geral da Educação e Ciência. Carlos Maia diz querer preservar a imagem do
instituto a que preside, apesar de os factos serem anteriores à sua entrada no
cargo. “Fiquei surpreendido e, tendo em conta a suspeita, em termos nacionais,
faria sentido ser uma estrutura nacional e independente a fazer a auditoria”,
disse ao PÚBLICO. Por isso pediu à Inspecção Geral em Educação e Ciência a
abertura do processo, que teve o apoio do ministro Manuel Heitor. “Limitei-me a
reforçar o pedido para a inspecção averiguar todos os casos”, disse ontem o
ministro citado pela Lusa.
Mudança de regras
Tal como o PÚBLICO revelou nesta quinta-feira, Rui Esteves
licenciou-se com cerca de 90% das cadeiras feitas por equivalência, e não por
avaliação. E grande parte desse processo de creditação contou com o parecer
favorável do então coordenador do curso e actual director da escola, Celestino
Almeida.
Durante os quatro anos em que esteve matriculado, Rui
Esteves foi entregando vários pedidos de equivalência, apresentando para isso
certificados de cursos de formação que foi fazendo ao longo da vida. Na
documentação consultada pelo PÚBLICO, antes de 2008, vários foram os pareceres
desfavoráveis de professores a algumas equivalências pedidas pelo aluno. A
justiticação dos professores que negaram equivalências tinha sobretudo a ver
com o facto de os cursos de formação apresentados pelo aluno não coincidirem
com as matérias que leccionavam.
Mas em 2008 tudo mudou. Ou pelo menos mudou a legislação que
substituiu as chamadas “equivalências” pelas “creditações”, e não foi apenas
uma mudança de palavra. Na prática, significou que, para se ter uma creditação,
a formação e experiência profissional já não precisavam de ser coincidentes com
os temas a que iriam equivaler. O processo de atribuição de equivalências
também mudou: os professores deixaram de ser chamados a dar opinião e o parecer
e passou a ser do coordenador do curso, que depois tinha de ser validado pelo
conselho científico.
De volta ao processo de Rui Esteves, é possível verificar
que a partir daí houve várias creditações por atacado. Pelo menos 19 das 32
cadeiras a que obteve creditação (ou equivalência) foram através deste
processo. O professor Celestino Almeida assina estes pareceres, que depois são
aprovados pelo conselho científico, à data presidido por José Carlos Gonçalves.
O processo curricular de Rui Esteves não é uma linha recta.
Além dos constantes pedidos de equivalência ou creditação, o certificado final
da licenciatura teria um alegado erro: o primeiro certificado é de 2009 e dizia
que tinham sido apenas duas as cadeiras obtidas sem ser por creditação, que foi
corrigido por outro em 2011, a pedido do aluno, que diz que foram quatro as
cadeiras feitas de forma curricular.
Contudo, pode haver nova incongruência. Pelo que o PÚBLICO
pôde apurar, podem ter sido afinal três e não quatro as unidades curriculares
(UC) que Rui Esteves fez via curricular: a UC de Sociologia e Psicologia Social
(18 valores); e as duas cadeiras de projecto de Protecção Civil (14 e 18
valores). No certificado de habilitações, aparece ainda por via curricular a
cadeira em Protecção Civil (17 valores), contudo esta cadeira aparece também no
processo de creditação, com parecer favorável do professor, com a mesma data e
com a mesma nota.
Contactado pelo PÚBLICO, o directos da ESACB diz que não
comenta o processo e diz que concordou com a decisão do presidente do Instituto
de pedir uma inspecção "com o intuito de que seja tudo esclarecido sobre a
legalidade/conformidade do mesmo". "De facto somos os principais
interessados em ver tudo esclarecido", escreve.
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