Medina fez dois bons negócios com casas em Lisboa
Autarca vendeu apartamento com ganho de 36% em dez anos. E
comprou um duplex de luxo por menos 23% do que a vendedora tinha pago, também
há dez anos. Medina diz que vendeu pelo preço que pediu e que comprou pelo
preço que lhe pediram.
José António Cerejo JOSÉ
ANTÓNIO CEREJO 13 de setembro de 2017, 6:40
Medina diz que
ignorava ter comprado duplex por um valor inferior ao que tinha sido pago por
ele em 2006
O ano passado foi um ano em cheio para o cidadão Fernando
Medina: conseguiu vender por 490 mil euros um apartamento T3 que comprara por
360 mil e adquiriu por 645 mil um duplex T4, cuja proprietária havia pago por
ele 843 mil. Os dois apartamentos situam-se numa das zonas mais caras de
Lisboa, as Avenidas Novas, mas enquanto o de Medina se valorizou 130 mil euros,
aquele que ele comprou desvalorizou-se 198 mil euros, praticamente no mesmo
período, entre 2006 e 2016.
O economista que ocupa o lugar de presidente da Câmara de
Lisboa é daqueles que não se podem queixar do apetite voraz que a capital
portuguesa está a despertar junto de muitos estrangeiros endinheirados. Há
menos de um ano, em Novembro de 2016, vendeu a um casal francês o T3, sem
garagem, que possuía na Rua Viriato, averbando um ganho de 36% em dez anos. O
apartamento, com 123 m2 de área bruta privativa (três quartos, uma sala e duas
casas de banho) situa-se num prédio com cem anos, projectado pelo arquitecto
Ernesto Korrady, que recebeu o prémio Valmor em 1917 e foi remodelado em 2003.
Mas se o autarca tem razões para estar satisfeito com o boom
imobiliário e turístico da cidade, não tem menos motivos para se sentir
agradado com as oscilações, por vezes dificilmente compreensíveis, do mercado
imobiliário. Isto porque o duplex que comprou, em Setembro de 2016, com 181,9
m2 de área bruta privativa (quatro quartos, um dos quais é um suite, duas salas
e três casas de banho), além de 46,1 m2 de área bruta dependente (dois lugares
de estacionamento em cave), lhe custou menos 23% do que havia custado, no Verão
de 2006, à vendedora e sua primeira proprietária. O apartamento em questão
ocupa os últimos pisos (sexto e sétimo) de um edifício então acabado de
construir no gaveto da Av. Luís Bívar com a Rua António Enes, no local onde
existia um prédio de rés-do-chão e primeiro andar da autoria do arquitecto
Ventura Terra — erguido no início do século passado e inscrito no Inventário
Municipal do Património —, do qual apenas foi conservada a fachada principal
(ver outro texto).
Bons negócios
Analisando os documentos que o PÚBLICO reuniu nas últimas
semanas, junto de diferentes serviços públicos, e atendendo àquilo que se
retira da consulta de diversos sites de compra e venda de casas, Fernando
Medina e a mulher — Stephanie Silva (filha de Jaime Silva, antigo ministro de
José Sócrates, adjunta de Medina quando este era secretário de Estado no mesmo
Governo e advogada associada sénior na sociedade PLMJ) — fizeram dois grandes
negócios no ano passado.
Não só o apartamento que venderam foi muito bem vendido,
como aquele que compraram custou bastante menos do que parecem ser, agora e há
um ano, os valores de mercado da habitação de luxo nas Avenidas Novas. Basta
passar os olhos por aqueles sites para verificar que não há nada do género por
menos de um milhão de euros.
Fernando Medina, porém, garante que o preço que pagou,
citando dados da publicação Confidencial Imobiliário compilados a seu pedido,
está, pelo contrário, muito acima dos preços de mercado. “O valor pedido [nos
anúncios de venda] por apartamentos usados nas Avenidas Novas no 2.º trimestre
de 2016 (data do contrato de promessa) situou-se em 3296 euros/m2. A minha
aquisição foi realizada por um valor de 3544 euros/m2, superior em 7,5% à média
dos anúncios.”
Nas respostas enviadas ao PÚBLICO afirma mesmo que, se se
tiverem em conta os valores efectivos das escrituras realizadas naquele
período, a diferença é ainda maior. “O valor médio das transacções foi de 2397
euros/m2 e o da minha aquisição 3544/m2, isto é, 47,8% acima do registado no
período.” No entanto, as comparações realizadas por Fernando Medina têm por
base preços médios e, no que respeita ao imóvel que comprou, a área bruta
privativa inscrita na caderneta predial — parâmetro que não tem em conta
factores como o estado de conservação dos fogos, vistas e a existência de
garagens e varandas.
Em todo o caso, Medina salienta que a vendedora, Isabel
Maria Teixeira Duarte, pôs o duplex à venda, através da agência Homelovers, por
635 mil euros, acabando ele por oferecer mais 10 mil porque havia outros interessados,
garantindo que não houve “qualquer negociação directa com a proprietária”.
Preços por explicar
Quanto ao facto de esta, que é uma das herdeiras directas do
grupo Teixeira Duarte, ter pago 843 mil euros pelo apartamento em 2006, quando
o comprou ao fundo imobiliário TDF, detido pela sua família, Fernando Medina
diz que ignorava tal facto e que “desconhece o que esteve na sua origem”. Na
verdade, o preço então pago pelos compradores que adquiriram outras fracções do
mesmo prédio entre 2006 e 2011 é bastante mais baixo do que aquilo que pagou
Isabel Teixeira Duarte, apesar da sua ligação ao grupo de que também é
acionista.
Tomando por base a chamada área bruta inscrita no processo
de licenciamento da construção do prédio, conceito que não coincide com o de
área bruta privativa, o ex-ministro Ricardo Bayão Horta (CDS) pagou 3456 euros
/m2 (em 2006), a ex-ministra Celeste Cardona (CDS) pagou 3655 euros/m2 (2007) e
Jaime Silva, sogro de Medina, pagou 3350 euros/m2, em 2010, em plena crise. No
caso de Isabel Teixeira Duarte, esse valor foi de 4112 euros/m2, enquanto o
pago por Medina, com base no mesmo parâmetro (205 m2 de área bruta), se ficou
agora, já depois de ultrapassada a crise do sector, por 3146 euros/m2.
Para sustentar a tese de que o preço que pagou no ano
passado é um preço normal, o presidente da Câmara de Lisboa diz também que a
última venda (em segunda mão) realizada no prédio em que habita foi efectuada
em Abril de 2015 pelo valor de 3333 euro/m2. O apartamento a que se refere foi
vendido pela jornalista Judite de Sousa, sendo o preço, se calculado com base
na área bruta, de 2987 euros/m2.
Seja como for, considerando as áreas brutas privativas,
Medina vendeu o imóvel da Rua Viriato, sem estacionamento, por 3983 euros/m2 e
comprou o da Luís Bívar, com dois lugares na garagem, por 3544 euros/m2.
No que respeita ao bom negócio que fez na Rua Viriato,
Medina diz apenas que colocou um anúncio na Internet e que lhe apareceu o casal
francês, representado por uma agente imobiliária, que aceitou de imediato o
preço pedido.
Medina defende ajuste directo
Dez meses depois de o seu presidente ter comprado o duplex
da Luís Bívar nas condições descritas, a Câmara de Lisboa celebrou um contrato
com a sociedade Teixeira Duarte – Engenharia e Construções SA, em Julho deste
ano, fazendo um ajuste directo a esta empresa por 5,2 milhões de euros, para a
empreitada de estabilização do miradouro de São Pedro de Alcântara. A obra, que
já teve início no fim de Maio, está ainda em curso e destina-se a consolidar os
terrenos em que assenta o miradouro e cujo escorregamento estava a ser
controlado e monitorizado pela câmara desde 2010.
A necessidade de ali intervir levou a autarquia a encomendar
estudos e projectos com vista ao lançamento de um concurso público para a
realização dos trabalhos. Num parecer emitido há alguns meses, o Laboratório
Nacional de Engenharia Civil (LNEC) propôs diversas alterações à solução
técnica avançada por uma empresa de projecto externa ao município, mas não
subscreveu a urgência extrema que esta recomendou.
Face a estas duas posições, os serviços dependentes do
vereador Manuel Salgado seguiram a dos projectistas externos, propondo o
lançamento imediato da empreitada através de um ajuste directo. Com fundamento
na alegada “urgência imperiosa” da intervenção, a câmara aprovou depois a
proposta de ajuste directo com a Teixeira Duarte, apenas com o voto contra do
vereador do CDS.
Ainda que não seja conhecido nenhum dado objectivo que
permita relacionar as condições em que Fernando Medina comprou o duplex da Luís
Bívar com esta adjudicação, o PÚBLICO perguntou ao autarca se ponderara o risco
de surgirem alegações de favorecimento da Teixeira Duarte por via daquele seu
negócio. Em resposta, Medina insistiu em que o valor pago pelo apartamento
“está totalmente em linha com o mercado” e reagiu com indignação: “Nunca
imaginei que fosse possível qualquer associação desta natureza, por ser para
mim irrealizável por imperativo ético, e até absurda nos termos insinuados.”
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