segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Barcelona: quando os turistas estudam o turismo também vêem uma “cidade em conflito”


Barcelona: quando os turistas estudam o turismo também vêem uma “cidade em conflito”
Turistas a crescer como cogumelos, habitantes a lidarem mal com isso. A estudar em Espanha, João P. Santos juntou-se a mais dois fotógrafos e três antropólogos e mergulhou em três bairros barceloneses para perceber o fenómeno da turistificação. O que lá se passa, prevê, não demorará a acontecer em Portugal

Texto de Mariana Correia Pinto • 01/09/2017 - 14:59

No prédio de cinco pisos onde vivia em Barcelona, não havia um único espanhol. João P. Santos estava na cidade a fazer um mestrado em Fotografia Documental quando começou a aperceber-se do fenómeno. Quanto mais se aventurava pelas ruas e pela vida da cidade, mais forte se tornava o sentimento de já ter visto aquele filme: Barcelona, como outros destinos turísticos, “tinha criado um espectáculo pago”. Por outras palavras: a cidade estava desenhada para os turistas. E os moradores, muitas vezes saturados, já não disfarçavam a embirração.
Um dia, ao passar em frente a um hotel com Agostino Loffredi, um colega de curso italiano, puseram-se a imaginar que tipo de gente se alojaria ali, como é que tinham escolhido aquele ponto do mapa como destino, como veriam elas a urbe. A “marca Barcelona” vendeu a cidade como paraíso e conseguiu o que queria. Mas, questionavam-se, o que acontece quando os espaços urbanos são reformulados e consumidos sobretudo por visitantes? E de que forma é afectada a vida de quem sempre morou por ali e vê agora as rotinas alteradas? Da reflexão improvisada à ideia de a transformar num projecto — que seria mais tarde a tese de mestrado de João P. Santos — foi um instante. Aos dois fotógrafos juntou-se um terceiro, Andrés Quintana, espanhol mas também residente temporário em Barcelona.
Os números comprovam a pertinência da investigação dos três turistas. Segundo dados por eles recolhidos, em 1990 o número de habitantes e turistas na cidade punha uma balança num equilíbrio quase perfeito (1.707.286 habitantes e 1.732.902 turistas por ano). Em 2016, a discrepância era gigante (1.608.746 face a 9.861.671) — e não vale a pena dizer para que lado oscilava a balança.
Os três fotógrafos elegeram um trio de bairros — Poblenou, Barceloneta e Raval — e mergulharam no dia-a-dia deles. Mas rapidamente perceberam que era preciso mais do que imagem para perceber o que se passava na capital da Catalunha — assim, a equipa foi ampliada, com um designer e três antropólogos (um para cada bairro). João P. Santos, 23 anos, ocupou-se do bairro Barceloneta, “talvez um dos mais famosos de Barcelona, junto à praia”, contou ao P3 numa entrevista telefónica. “Aquele é um caso praticamente perdido na zona junto à praia. Há Airbnb por todo o lado.”
Lisboa, uma futura Barcelona?
A equipa mergulhou em jornais — onde “o assunto é quase diário” —, fez a revisão histórica do tema, recolheu depoimentos de moradores e turistas. O objectivo, explica o português natural do Alentejo, “não é apelar à mudança”. Nem tão pouco “fazer uma crítica do turismo”. “Até porque nós próprios somos turistas.” A ideia é mostrar uma realidade a partir de dois pontos de vista: o dos habitantes e o dos turistas. Há, de facto, uma “cidade em conflito”, admite, mas “é possível haver uma convivência saudável”.
Para isso são precisas mudanças. Porque a tensão entre turistas e habitantes é já "demasiado óbvia", percebeu João P. Santos. Como estudante, morador temporário, sentiu-o durante o ano que viveu em Barcelona. “Há sempre discriminação com os de fora. Os estudantes não sentem tanto como os turistas. Mas mesmo assim senti-a. As pessoas mais velhas, por exemplo, falavam comigo em catalão sabendo que não percebia. Tinha de lhes pedir para falar castelhano. As rendas eram mais caras...”

O que fazer? Limitar o número de entradas de turistas na cidade, propõe o português. Só assim se poderá evitar situações mais extremas, como as manifestações com alguma violência ocorridas neste mês de Agosto. Em Espanha, diz, viu aquilo que mais dia, menos dia se passará por cá. “Penso que em três anos Lisboa terá problemas semelhantes.” E João P. Santos tentará estar no terreno para o testemunhar: o fotógrafo, que já morou quatro anos na capital portuguesa, procura financiamento para fazer por cá um projecto semelhante ao concluído em Espanha.

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