Lisboa, capital europeia da demolição
2007-2017
Se nada acontecer em contrário, o
balanço em 2027 será avassalador. Porventura já nada existirá da Lisboa
Entre-Séculos.
Paulo Ferrero
11 de setembro de 2017, 6:26
As coisas são como
são e as instituições são as pessoas que lá estão, pelo que, no que toca ao
urbanismo da cidade de Lisboa nos últimos dez anos, seu planeamento e sua
execução, podem ter tido muitos técnicos e chefias, uns mais intermédios,
poderosos, inofensivos ou letais do que outros, mas todos tiveram um
responsável máximo: o vereador Manuel Salgado, e disso não há como fugir.
É certo que nos dez, 20 anos anteriores a 2007 o urbanismo
na Câmara Municipal de Lisboa (CML) foi tão mau a nível dos seus resultados
práticos (acumulando escândalos e atentados à cidade, e impreparados/as, cada
um “melhor” que o outro), com tudo a ser feito com tal grau de aleatoriedade,
discricionariedade e, sobretudo, ignorância (lembremo-nos, por instantes, do
abate compulsivo de património industrial na Boavista e em Alcântara, do
escandaloso loteamento da Quinta do Mineiro, das demolições da casa de Garrett
e do Colégio dos Inglesinhos, dos edifícios que encimavam a R. Barata
Salgueiro/R. Rodrigo da Fonseca, das construções promovidas pela própria CML em
Entrecampos, etc.) que, quando em 2005 se perspectivou a entrada (falhada) de
Manuel Salgado na CML, e em 2007 a dita se concretizou, muitos pensaram que
Lisboa não podia ficar pior do que tinha estado até então. Mas ficou.
Melhor dito, a cidade não ganhou absolutamente nada com o
que lhe fizeram desde então, porque ganhar há sempre quem ganha, obviamente,
que o digam os hoteleiros, os donos de cafés e restaurantes, os projectistas de
referência e, claro, os especuladores imobiliários que viram recompensados os
seus “esforços” de anos de espera.
Verdade seja dita que Lisboa precisava de ser “cerzida” em termos
de planeamento, mas não da forma que o foi, com um sem-número de planos de
pormenor e planos de urbanização que foram sendo elaborados ao sabor da pena
(curioso como deixaram de fora o apetecível Paço do Lumiar, por ex.) e outras
tantas alterações a vários outros já existentes (e isso foi péssimo nos casos
do bairros históricos de Alfama, Mouraria, Castelo, Bica e Bairro Alto), desde
logo e acima de todos com o próprio novo Plano Director Municipal de 2012, não
só porque o de 1994 estava encalhado numa espécie de limbo por falta de coragem
em o actualizarem como se impunha, mas porque, imagine-se o coitado, era visto
como extremamente proteccionista em termos do edificado (o estado de
conservação da Baixa serviu inclusive de arma de arremesso na discussão que se
produziu entre 2006-2012).
Só que essa farta produção de regulamentação (regra geral
munida de textos imaculados sobre o que proteger, permitir e incentivar) foi
sendo ultrapassada pela verdade dos factos: o promotor português, e não só,
visa o lucro fácil e está-se borrifando para detalhes como os interiores dos
imóveis, os elementos decorativos, os logradouros, etc., pelo que se ninguém o
quiser ou conseguir travar ficamos com o destino da cidade ao sabor do bom
gosto deste e/ou do bom senso daquele. Pelo que tudo o mais para lá dos
regulamentos passou a letra morta: a reabilitação urbana a fake, à fachada para
“inglês ver” e estatística contabilizar e revista internacional propagandear.
E, com isso, a cidade não ficou menos assimétrica ou “desdentada”, mais bonita
ou apetecível de viver.
A essa inconsequência prática juntaram-se vários factores e
confusões circunstanciais na própria CML (a reforma administrativa da cidade, a
introdução de áreas de reabilitação urbana, unidades territoriais, várias “vias
verdes” a nível do licenciamento — licenciamento zero, protocolo CML/Igespar,
projectos de “interesse excepcional”, projectos PIN —, mais a brutal
secundarização do inventário municipal do património e do respectivo corpo
técnico à vontade do pelouro do urbanismo, a inexistência de oposição e de
crítica interna pelos parceiros de coligação, a irrelevância nunca vista da
Assembleia Municipal de Lisboa, etc.), a factores externos (a famigerada nova
lei do arrendamento, a regulamentação que privilegia o investimento turístico,
queimando etapas a nível administrativo, etc.) e à vontade indómita do
vereador, expressa publicamente por diversas vezes, honra lhe seja feita, em
querer fazer da “reabilitação urbana” do Chiado (em que quase tudo o que foi feito
até 2007 era construção nova com manutenção de fachada) um modelo a replicar na
Baixa e um pouco por toda a cidade, associando-lhe o elemento rapidez e uma boa
dose de propaganda (como mandam as regras). Nunca o licenciamento de hotéis foi
tão célere, demolidor, ad-hoc mesmo. E o balanço é terrível.
Que só importará a quem se preocupe com a salvaguarda da
cidade de Lisboa enquanto cidade heterogénea, rica em património, porque
diverso e sui generis, habitável por todos sem excepção. Grosso modo, Lisboa
terá perdido, entre 2007 e 2017, cerca de 400 edifícios. Edifícios de todas as
épocas (a arquitectura dita de transição está à cabeça da lista), do mais
humilde ao mais requintado, do pátio operário alfacinha ao palacete burguês com
motivos Arte Nova, da antiga instalação industrial da arquitectura do ferro à
casa apalaçada setecentista. Edifícios que foram demolidos totalmente e depois
substituídos por edifícios novos, na maior parte dos casos com “assinatura de
autor”. E edifícios que viram ser demolidos os seus interiores espaçosos e bem
decorados, para neles se verter betão, acoplarem novos pisos e abrirem
estacionamento subterrâneo nos respectivos logradouros.
Foi assim um pouco por toda a Lisboa, mais uma vez nos
anteriormente martirizados (pontualmente) bairros Barata Salgueiro e Camões e
nas Avenidas Novas, mas também em bairros onde o flagelo assume foros de
escandaloso, porque em quarteirões intactos e zonas até aí consolidadas, onde,
portanto, não se esperava que tal acontecesse: Campo de Ourique, Lapa,
Estefânia.
Se nada acontecer em contrário, o balanço em 2027 será
avassalador. Porventura já nada existirá da Lisboa Entre-Séculos salvo os
escassos edifícios classificados de interesse municipal ou público. Nessa
altura estaremos já a contabilizar o desbravar do camartelo e da especulação
imobiliária em terrenos considerados hoje inatacáveis, desde logo pelos que
agora projectam sobre os escombros de prédios desenhados por colegas do
passado: o legado modernista e pós-modernista.
Ao leitor mais interessado, segue uma lista com mais de 200
edifícios demolidos integralmente, ou cuja reabilitação é 90% de fachada (fotos
aqui). Demolições ocorridas não por força de qualquer bombardeamento ou
cataclismo imprevisto, mas em resultado de projectos voluntariamente aprovados
ou licenciados pela CML entre 2007 e 2017, i.e., porque a CML assim o quis
(nota: as demolições resultantes de aprovações/licenciamentos anteriores a 2007
— ex. prédios de Ventura Terra na Av. República/Av. Elias Garcia — não são para
aqui chamadas).
Boa leitura!
LISTA:
Alameda das Linhas de Torres, 232
Avenida 5 de Outubro, 108
Avenida Almirante Reis, 35 / Regueirão dos Anjos
Avenida Almirante Reis, 43
Avenida António Augusto de Aguiar, 140
Avenida António Augusto de Aguiar, 2
Avenida António Augusto de Aguiar, 22
Avenida Casal Ribeiro, 1
Avenida Cinco de Outubro, 2
Avenida Cinco de Outubro, 273-277
Avenida Cinco de Outubro, 279-281
Avenida Cinco de Outubro,149
Avenida Conde de Valbom, 25-27
Avenida da Índia, 184 (antiga residência do Governador do
Forte do Bom Sucesso)
Avenida da Liberdade, 12 (antigo Centro Comercial Guérin)
Avenida da Liberdade, 159
Avenida da Liberdade, 187 (travessa entre Hotel Tivoli e
Hotel Veneza)
Avenida da Liberdade, 203-221/ Rua Rosa Araújo
Avenida da Liberdade, 238/ R. Rodrigues Sampaio, 91
Avenida da Liberdade, 247
Avenida da República, 25
Avenida da República, 63
Avenida de Berna, 3
Avenida de Berna, 5
Avenida de Berna, R. Dom Luís de Noronha, 5
Avenida Defensores de Chaves, 5
Avenida Defensores de Chaves, 7
Avenida Defensores de Chaves, 9
Avenida Defensores de Chaves, 97
Avenida Duque d'Ávila, 193
Avenida Duque d'Ávila, 49
Avenida Duque d'Ávila, 65
Avenida Duque de Loulé, 10
Avenida Duque de Loulé, 35
Avenida Duque de Loulé, 6
Avenida Fontes Pereira de Melo, 12
Avenida Fontes Pereira de Melo, 39
Avenida Fontes Pereira de Melo, 41
Avenida Fontes Pereira de Melo, 43
Avenida Infante Dom Henrique, 36 (Chalet Vhils)
Avenida João Crisóstomo, 40
Avenida João Crisóstomo, 42
Avenida João XXI, 59
Avenida Joaquim António de Aguiar, 13-17
Avenida Joaquim António de Aguiar, 5-7
Avenida Joaquim António de Aguiar, 9-11
Avenida Luís Bivar, 21-29
Avenida Miguel Bombarda 105 / Av. Marquês de Tomar
Avenida Miguel Bombarda, 149
Avenida Óscar Monteiro Torres, 49
Avenida Praia da Vitória, 16/ Av. Avenida Defensores de
Chaves, 18
Avenida Praia da Vitória, 30/ Av. Avenida Defensores de
Chaves, 17
Avenida Sacadura Cabral, 10
Avenida Sacadura Cabral, 6
Avenida Santa Joana Princesa, 10
Avenida Visconde de Valmor, 40
Avenida Visconde de Valmor, 53
Avenida Visconde de Valmor, 55
Avenida Visconde de Valmor, 57
Calçada da Ajuda, 223
Calçada da Ajuda, 33-37
Calçada da Estrela, 129
Calçada da Estrela, 145
Calçada da Estrela, 24/ R. Correia Garção
Calçada da Pampulha, 23
Calçada da Patriarcal, 24
Calçada de São Francisco, 23-37
Calçada do Livramento, 19
Calçada do Monte, 70-72
Calçada do Poço dos Mouros, 16
Calçada Marquês de Abrantes, 9
Calçada Salvador Corrêa de Sá, 27
Campo das Cebolas, 3 (Garagem Ribeira Velha)
Campo Mártires da Pátria, 60 (solar oitocentista, casa de
Maria Amália Vaz de Carvalho)
Edifício da Escola de Medicina Veterinária
Escadinhas da Porta do Carro, 17
Escadinhas de São Crispim, 3 / Calçada do Conde de Penafiel
Largo Barão de Quintela, 1
Largo das Olarias, 35-42
Largo do Andaluz, 6-11
Largo do Chiado, 4 (Barbearia Campos)
Largo do Contador-Mor, 3-4 (Palácio do Contador-Mor)
Largo Dr. António de Sousa Macedo, 2
Largo São João Baptista, 1
Moradia do director da Central Tejo
Pátio do Tijolo, 21 (Litografia Portugal — o que dela
restava)
Praça da Alegria, 5-11 (Palácio São Miguel)
Praça da Figueira, 14-16
Praça das Flores, 10-14
Praça do Príncipe Real, 32
Praça Duque de Saldanha, 21
Praça Duque de Saldanha, 7
Praça Duque de Saldanha, 9
Praça Luís de Camões, 40-43 (Ourivesaria Silva)
Rodrigo da Fonseca, 15
Rua 4 de Infantaria, 44-48
Rua 4 de Infantaria, 50-60
Rua Alexandre Herculano, 40
Rua Alexandre Herculano, 41/ Rua Rodrigo da Fonseca
Rua Aliança Operária, 61-65
Rua Almeida Sousa, 5
Rua Almeida Sousa, 7
Rua Almirante Barroso, 60
Rua Almirante Barroso, 62
Rua Andrade Corvo, 16
Rua Andrade Corvo, 18-22
Rua Andrade, 17-21
Rua Andrade, 23-29
Rua Antero de Quental, 43
Rua António Cândido, 34-36/ Rua Pascoal de Melo (quarteirão
da Portugália)
Rua António Maria Cardoso, 9-13
Rua Aquiles Monteverde, 16
Rua Augusta, 147-155/ Rua da Vitória
Rua Azedo Gneco, 21
Rua Bernardo Passos, 6
Rua Borges Carneiro, 1-9
Rua Cais de Santarém, 52 (Palácio dos Condes de Coculim — o
que dele restava)
Rua Capelo, 14-18
Rua Capitão Renato Baptista, 73
Rua Castilho, 15/ Rua Rosa Araújo
Rua Chaby Pinheiro, 20
Rua Cidade da Horta, 23
Rua Conde de Antas, 55
Rua Conde de Antas, 67-69
Rua Conde de Antas, 77
Rua Correia Teles, 4-16/ Rua 4 de Infantaria
Rua Correia Teles, 45-47
Rua da Alegria, 38-48
Rua da Alegria, 59
Rua da Conceição à Glória, 20-24
Rua da Emenda, 1-7/Rua Ataíde
Rua da Estrela, 51
Rua da Junqueira, 33
Rua da Lapa, 69
Rua da Mãe d'Água, 18
Rua da Palmeira, 8
Rua da Páscoa, 2
Rua da Prata, 227
Rua das Amoreiras, 56
Rua das Canastras, 27
Rua das Damas, 2
Rua das Janelas Verdes, 40-58
Rua das Pedras Negras, 35-37
Rua das Portas de Santo Antão, 114-134 (Palácio da
Anunciada)
Rua das Portas Santo Antão, 137-145
Rua das Taipas, 38
Rua das Taipas,18
Rua das Trinas, 135-141
Rua das Trinas, 45
Rua de Campolide, 316
Rua de Dona Estefânia, 102
Rua de O Século, 102-114 (Palácio do "Bichinho de
Conta")
Rua de Pedrouços, 97-99 (Vila Garcia)
Rua de Santa Marta, 22-24
Rua de São João da Praça, 19-25
Rua de São João da Praça, 29-59
Rua de São Marçal, 9
Rua Diário de Notícias 142/ R. S. Pedro de Alcântara
(Palácio dos Lumiares — o que restava)
Rua do Açúcar, 82
Rua do Conde, 31
Rua do Conde, 31
Rua do Ouro, 135
Rua do Ouro, 145
Rua do Salitre, 122
Rua do Salitre, 143
Rua do Salitre, 151
Rua do Salitre, 31
Rua do Salitre, 91-101
Rua do Salitre, 92,94
Rua do Sol à Graça, 46-48
Rua do Tojo, 22-30
Rua dos Bacalhoeiros 12 (ao lado da Casa dos Bicos)
Rua dos Cegos, 2-6
Rua dos Correeiros, 204
Rua dos Douradores, 96-104 / Rua da Vitória
Rua dos Lagares, 72
Rua dos Lagares, 74
Rua Doutor António Cândido, 16
Rua Fernandes Tomás, 61
Rua Fernandes Tomás, 64
Rua Ferreira Borges, 19-25
Rua Filipe da Mata, 52
Rua Filipe Folque, 22
Rua Filipe Folque, 39
Rua Gomes Freire, 140-142
Rua Ivens, 1
Rua Ivens, 14 / R. Capelo (Rádio Renascença)
Rua Ivens, 21 (prédio que era da Fidelidade)
Rua Ivens, 71
Rua Luciano Cordeiro, 119-121
Rua Luciano Cordeiro, 92
Rua Marques da Silva, 67
Rua Nova de São Mamede, 64
Rua Pascoal de Melo 70-72/ Rua Rebelo da Silva 1-7
Rua Pedro Calmon, 32
Rua Pedro Nunes, 49
Rua Pinheiro Chagas, 74
Rua Pinheiro Chagas, 76
Rua Remédios à Lapa, 13-17
Rua Rodrigues Sampaio, 100
Rua Rodrigues Sampaio, 87
Rua Rosa Araújo, 10
Rua Rosa Araújo, 16
Rua Rosa Araújo, 25-27
Rua Rosa Araújo, 29-31
Rua Rosa Araújo, 32
Rua Rosa Araújo, 49 (era prédio de Nicola Bigaglia)
Rua Rosa Araújo, 55
Rua Rosa Araújo, 6
Rua São Francisco de Borja, 27-29
Rua Silva Carvalho, 142-144
Rua Silva Carvalho, 146-148
Rua Sousa Martins, 20
Rua Sousa Martins, 20
Rua Sousa Martins, 31
Rua Tomás da Anunciação, 22
Rua Tomás Ribeiro, 109
Rua Vale do Pereiro, 7-9
Rua Viriato, 16
Rua Vitor Cordon, 41-45 (Hotel Braganza/Universidade Livre)
Travessa da Glória, 22
Travessa da Pena, 4 (engomadoria da Ramiro Leão)
Travessa de André Valente, 23-25 (casa onde morreu Bocage)
Travessa de Santa Quitéria, 8
Travessa Henrique Cardoso, 45-47
Travessa Henrique Cardoso, 81-87
Travessa Oliveira à Estrela, 21
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