Queixas de moradores impõem fecho à meia-noite na “doca
seca” de Telheiras
POR O CORVO •
Apesar de regressada de férias há pouco tempo, Arminda
Almeida não encontra muitas razões para estar tranquila. As preocupações que
levou consigo mantêm-se e não se adivinham que se venham a dissipar, muito pelo
contrário. “Nota-se uma quebra mesmo muito grande na facturação, desde que
começámos a fechar mais cedo. E julgo que não fomos só nós, toda a zona se está
a ressentir imenso com o novo horário”, desabafa a gente do Dream’s Café,
situado na Rua Professor João Barreira, conhecida como a zona das esplanadas de
Telheiras.
Local popular, mas
tranquilo, durante o dia, transborda de gente à noite. Tanto que há mesmo quem
a apelide das “docas secas”, tal a fama que foi ganhando entre noctívagos. Um
estatuto que, temem os donos dos estabelecimentos de restauração e cafés, se
poderá estar a perder, com a recente imposição pela Câmara de Municipal de
Lisboa (CML) do fecho à meia-noite. As queixas sobre o ruído e o mau ambiente
motivaram a decisão dos serviços da autarquia, tomada a pedido Junta de
Freguesia do Lumiar e de um grupo de moradores.
No edital em que se
dá conta da alteração, explica-se que ela surge “na sequência de diversas
queixas de moradores da referida artéria sobre o ruído produzido pelo
funcionamento dos estabelecimentos comerciais de restauração e de bebidas (…)
e, consequentemente, da violação do seu direito à tranquilidade e ao descanso”.
O mesmo documento elenca múltiplas denúncias desde, pelo menos, 2012, razão
pela qual o conjunto de comércios foi alvo de uma medida restritiva de horário
por seis meses, durante o ano passado. Nessa altura, foi fixado pela CML o limite
de funcionamento até às 24horas, entre domingo e quinta-feira e até às 2h, às
sextas, sábados e vésperas de feriados.
Mas esse “cartão
amarelo” mostrado pela autarquia não terá sortido os desejados efeitos. Tanto
que, em janeiro deste ano, surgia a reclamação de que o local se tornara “o
centro da movida do Lumiar”, com o relato de ajuntamentos de centenas de
jovens, “que fumam, jogam, bebem, drogam-se, grafitam, zaragateiam, discutem
ruidosamente (…) até às quatro, cinco da manhã”.
A descrição estará
longe de ser consensual entre os empregados e os gerentes dos cafés e dos
restaurantes daqueles dois quarteirões, bem como entre os residentes. Mas colhe
muitos subscitores. “O problema é que vêm para aqui pessoas de outros bairros
causar confusão, muitas delas não se sabem comportar. Os residentes desta zona
são tranquilos, mas a animação destas esplanadas atrai muita gente que não
presta”, afirma Evandro, um dos responsáveis pelo Tailors, um café-bar
especializado em bebidas e, por isso, cuja actividade ocorre sobretudo durante
a noite.
O período entre as
23h3o e as 1h é descrito como “crucial” na facturação da casa, pelo que o
responsável vê com muita preocupação a imposição de encerramento à meia-noite,
que qualifica como “bastante prejudicial”. “Acho isto um absurdo, porque já
está a fazer uma grande diferença na facturação. Ainda por cima, as rendas aqui
não são baratas”, queixa-se.
O sentimento é
partilhado por Sueli Brasileiro, apenas há cinco meses a explorar o restaurante
Nosso Sítio, quem tem na tapioca uma das especialidades gastronómicas, mas não
deixa de confiar na venda de bebidas como forma de assegurar receita. O
estabelecimento abria as portas até às 2h, às sextas e aos sábados, mas isso
deixou agora de ser possível. “É uma diferença muito grande. Estamos a ter
muito menos movimento e isso sente-se ao final do mês. Além disso, com esta
restrição nesta área, as pessoas acabam por ir para outro sítio”, diz Sueli,
ainda a considerar se vale a pena continuar ali.
A empresária diz que
o problema maior “é o da malta que, já depois de todos os espaços fecharem,
continuam na rua a conversar, a beber e a fazer barulho”. E aí é que surgirão
os problemas, considera. Um diagnóstico partilhado, aliás, pela quase
totalidade dos comerciantes ouvidos por O Corvo. Como é o caso de Patrícia
Oliveira, há 14 anos a explorar o café Kaffa, para quem a raiz do problema são
as pessoas que “chegam de outros sítios, consomem álcool, que muitas vez já
trazem, e ficam ali sentados nos muros”.
A empresária admite a
existência de um certo mau-ambiente, mas imputa-o a ajuntamentos que ocorrem
depois do fecho dos estabelecimentos. “Não conseguimos controlar isto, está
fora do nosso alcance”, admite. E apesar de não se sentir prejudicada pela
imposição horária agora aplicada, porque sempre trabalhou só até às 24h, admite
os efeitos nocivos para toda aquela área. Uma eventual solução para o problema,
sugere, passaria por um policiamento mais activo.
O mesmo defende
Arminda Almeida, a gerente do Dream’s, para quem o papel da polícia, seja a
municipal ou PSP, deveria ser muito mais interventivo junto dos que “causam
problemas” e não dos donos dos cafés. A muito sentida quebra nas vendas, diz,
resulta dessa atitude, que resultará do que considera ser a “embirração” de
alguns queixosos. “A polícia municipal estava cá constantemente, sempre a
cair-nos em cima. Mas a verdade é que fechávamos o café e as pessoas
continuavam na rua, a conversar e a beber. Muitas trazem as bebidas da bomba de
gasolina e, na manhã do dia seguinte, sou eu quem tem de apanhar o lixo que aí
fica”, lamenta-se.
Arminda, que está,
desde fevereiro do ano passado, à frente dos destinos de uma das mais populares
casas da “doca seca de Telheiras” – “antes desta medida, isto estava sempre
cheio”, diz –, contesta as alusões ao seu estabelecimento como uma das fontes
de problemas. É, aliás, o que mais vezes aparece referido como alvo de denúncias
à câmara, no edital justificativo do fecho obrigatório à meia-noite. A
empresária nega, como é escrito edital, que alguma vez ali se tenham verificado
cenas de “clientes em cima dos carros ou a grafitar”. Admite, porém, que haja
quem traga sistemas sonoros com um volume elevado. “Mas esses não vêm para
aqui, que não permitimos”, diz.
Outro dos cafés-bar
alvo de queixas será o Manga Pimenta, numa das extremidades do quarteirão. Mas
um dos funcionários disse a O Corvo desconhecer a intimação municipal, embora
esteja ciente da existência de queixas por parte de alguns residentes. “Nunca
tivemos uma notificação individual. Tudo isto me parece um exagero, uma
estupidez. Não faz sentido nenhum”, avalia.
Texto: Samuel Alemão
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