terça-feira, 19 de setembro de 2017

Caros Pedro e Daniel: vocês não aprenderam nada?


(…) “Há pelo menos cinco razões para o caso Medina ser notícia: 1) o presidente da câmara comprou uma casa de 645.000 euros; 2) o presidente da câmara comprou essa casa a uma herdeira do grupo Teixeira Duarte; 3) essa casa foi vendida por menos 200.000 euros do que a herdeira do grupo Teixeira Duarte a comprou; 4) essa casa está num prédio que foi remodelado pelo grupo Teixeira Duarte; 5) o grupo Teixeira Duarte foi contemplado com obras de adjudicação directa pela Câmara de Lisboa.”
João Miguel Tavares
Caros Pedro e Daniel: vocês não aprenderam nada?
Pelos vistos, nenhum deles parou cinco minutos a reler aquilo que escreveu sobre José Sócrates ao longo dos anos.

João Miguel Tavares
19 de setembro de 2017, 6:36

No último Expresso, Pedro Adão e Silva e Daniel Oliveira escreveram duas colunas gémeas sobre o caso Medina, insurgindo-se contra o seu tratamento por parte da comunicação social. Louvo-lhes a coerência. Lastimo que sejam incapazes de aprender com os erros. Pelos vistos, nenhum deles parou cinco minutos a reler aquilo que escreveu sobre José Sócrates ao longo dos anos, regressando agora com a argumentação patética da terrível comunicação social e do malvado Ministério Público a propósito de Fernando Medina e das notícias do seu apartamento. É um déjà-vu que causa arrepios na espinha.
Ponto prévio para quem adora tresler-me: eu não estou a comparar Fernando Medina com José Sócrates. Já disse – e repito – que o caso da casa não parece ter especial gravidade. Aquilo que estou, de facto, a comparar é a argumentação dos dois colunistas do Expresso com a argumentação de inúmeros colunistas ao longo dos anos socráticos, de cada vez que aparecia a notícia de uma suspeita. Também ali havia invasões da “esfera íntima”, impróprias de uma “sociedade decente”; também ali havia “insinuação transformada em notícia” e um “processo de ‘correiodamanhização’ da comunicação social”. Claro que Sócrates, que é tudo menos estúpido, aproveitou logo para lançar mais um vídeo no YouTube, a exibir a sua solidariedade para com Medina. Ao contrário de Pedro Adão e Silva e Daniel Oliveira, ele percebeu que a mecânica que estava a ser criticada encaixava na perfeição na sua “narrativa”: confundir o mais básico trabalho de escrutínio com ofensas à honra e à dignidade de quem é alvo de notícia. Sócrates fez carreira à custa desta tese e é inacreditável que ainda haja colunistas que a continuem a alimentar.
Há pelo menos cinco razões para o caso Medina ser notícia: 1) o presidente da câmara comprou uma casa de 645.000 euros; 2) o presidente da câmara comprou essa casa a uma herdeira do grupo Teixeira Duarte; 3) essa casa foi vendida por menos 200.000 euros do que a herdeira do grupo Teixeira Duarte a comprou; 4) essa casa está num prédio que foi remodelado pelo grupo Teixeira Duarte; 5) o grupo Teixeira Duarte foi contemplado com obras de adjudicação directa pela Câmara de Lisboa. Isto, caros leitores, seria notícia em qualquer parte do mundo. Significa que há aqui um crime? Não, não significa. Mas desde quando está o jornalismo limitado a noticiar crimes? Espantosamente, as mesmas pessoas que criticam a má influência do Ministério Público sobre os jornais propagam uma visão policial do jornalismo: eles acham que todas as notícias têm de ser crimes devidamente comprovados antes de chegarem às bancas. Tudo o resto é “irresponsabilidade”.

Explica Daniel Oliveira: “É investigar e provar. Provas diferentes das criminais, mas, ainda assim, provas.” Senão, estamos no “domínio do boato”. Não, não estamos – estamos no domínio dos factos. Lá por não haver uma relação criminosa entre eles, não quer dizer que esses factos não sejam relevantes e que não devam ser noticiados. O artigo do PÚBLICO foi assinado por José António Cerejo, que já fazia investigação jornalística no tempo em que Daniel Oliveira andava de calções. E a sua publicação exigiu explicações detalhadas a Fernando Medina, como é próprio numa sociedade democrática. O que é que falhou aqui? Não falhou nada. Foram jornalistas a fazer o seu trabalho, para grande tristeza de alguns colunistas que ainda não perceberam o papel lastimável que desempenharam entre 2005 e 2011.

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