Os vizinhos de Fernando Medina
Acho notável como certos construtores
conseguem transformar prédios inteiros em pequenas representações da Assembleia
da República.
João Miguel Tavares
14 de setembro de 2017, 6:35
Os períodos eleitorais são sempre férteis em casos – é
quando as denúncias anónimas chegam ao Ministério Público e as fontes
interessadas telefonam para as redacções dos jornais. Se o denunciado é alguém
do PS, a esquerda diz que se trata de uma tentativa reles de influenciar o
resultado eleitoral; se o denunciado é alguém do PSD, a direita assegura que se
trata de uma reles tentativa de influenciar o resultado eleitoral. Fora isso,
ninguém precisa de se preocupar demasiado. Ainda que as notícias tenham
fundamento e mereçam ser investigadas, a verdade é que não costumam influenciar
grande coisa. De Isaltino Morais a Fátima Felgueiras, passando por José
Sócrates, o que não falta são exemplos de políticos alegremente eleitos no meio
das mais terríveis suspeitas.
A fava desta semana saiu a Fernando Medina, devido à compra
de um luxuoso duplex nas Avenidas Novas, no ano passado. Do que li até agora, o
caso não parece grave, tal como não foi grave a notícia de 2015 de que António
Costa tinha alugado por 1100 euros mensais um luxuoso duplex na Avenida da Liberdade,
novinho em folha, num prédio que nem sequer se encontrava em propriedade
horizontal (era detido pela Holding Violas Ferreira). Sim, há um curioso
fascínio dos edis de Lisboa por apartamentos de dois pisos nos últimos andares
de imóveis reconstruídos em boas avenidas. Sim, o valor pago por António Costa
era uma pechincha, tal como o preço que Fernando Medina pagou pelo novo
apartamento parece um bom negócio. Como bem resumiu José António Cerejo no seu
artigo de ontem, Medina “conseguiu vender por 490 mil euros um apartamento T3
que comprara por 360 mil [em 2006, com 120 m2, sem garagem] e adquiriu por 645
mil um duplex T4 [180 m2, com dois lugares de garagem], cuja proprietária havia
pago por ele 843 mil”, também em 2006.
Uma proprietária perder 200 mil euros num apartamento de
luxo em Lisboa que foi comprado em 2006 e revendido em 2016 faz dela uma das
piores negociantes do país. Quando a proprietária se chama Isabel Teixeira
Duarte e é herdeira de uma das maiores construtoras de Portugal, com obras de
milhões contratualizadas pela câmara em ajuste directo, é natural que alguns
torçam o nariz. Mas não será por causa de 200 mil euros que Medina vai perder
as eleições, até porque a compra de 2006 de Isabel Teixeira Duarte parece
sobrevalorizada.
Aliás, aquilo que mais me chamou a atenção no artigo de José
António Cerejo foi menos o preço do apartamento e mais a descrição dos vizinhos
de Fernando Medina: além do seu sogro, Jaime Silva (antigo ministro de José
Sócrates), consta que também moram no prédio nomes como Ricardo Bayão Horta
(ministro da Indústria do CDS em 1981) ou Celeste Cardona (ministra da Justiça
do CDS no governo de Durão Barroso). Acho notável como certos construtores
conseguem transformar prédios inteiros em pequenas representações da Assembleia
da República. Já na polémica Aldeia da Coelha, Cavaco Silva tinha como vizinhos
Fernando Fantasia, Oliveira e Costa (ambos SLN/BPN), e, mais tarde, Eduardo
Catroga. E no famoso edifício Heron Castilho, José Sócrates partilhava o
elevador com Paulo Lalanda e Castro (Octapharma), Luís Cunha Ribeiro
(ex-presidente do INEM), o inesquecível Vale e Azevedo, além da sua própria mãe
e da mãe de Herman José. Como é que se junta tanta gente conhecida num só
edifício? Se alguém conseguir explicar, agradeço muito, até porque eu também
gostava de ter mais amigos no meu prédio
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