Envelhecimento e rendas altas roubam jovens adultos a Lisboa
A capital foi o concelho onde o número de jovens adultos
mais diminuiu. Dificuldades em encontrar casa contribuíram para a quebra. Mas o
envelhecimento da população é a raiz do problema.
RITA MARQUES COSTA 17 de setembro de 2017, 8:28
Sair de Lisboa era a única forma que João Vargas tinha de
morar sozinho. Aos 25 anos, era impossível suportar uma renda na capital sem
partilhar casa – algo que fazia desde que, aos 18, começou a residir em Lisboa.
Então, iniciou a sua busca. Procurou primeiro em Loures, Oeiras e Odivelas, mas
“as casas não eram tão boas e continuavam a ser caras”. Então, decidiu-se por
Almada, na margem sul do Tejo.
Hoje, passado ano e meio, vive sozinho num T2 novo, em
Almada, por 550 euros por mês e trabalha em Lisboa, onde é gestor de operações
numa empresa multinacional.
Voltar a habitar na capital não estará para breve nos planos
de João que, ao avaliar os prós e contras, diz que Almada ganha a Lisboa. A
qualidade de vida na cidade do lado de lá do Tejo “é bastante boa e em termos
de serviços tem tudo o que Lisboa tem, mas com menos confusão”. Depois, se por
um lado Lisboa é melhor para sair à noite, em Almada está mais perto da praia.
“Nunca pensei gostar da Margem Sul. Aliás, eu era daqueles que gozava com a
malta de lá. E agora gosto mesmo de morar em Almada”, conta.
Contudo, por vezes a curiosidade surge e procura casas em
Lisboa, semelhantes àquela onde agora vive. Estaria disposto a pagar 650 euros
– valor extra que representa as despesas que tem com combustível – e
“simplesmente não existe”.
É difícil saber quais os valores das rendas reais que são
praticados actualmente, uma vez que os dados mais recentes do Instituto
Nacional de Estatística (INE) são de 2011 e as estimativas mais actualizadas,
mas ainda assim incompletas, são apresentadas por consultoras imobiliárias.
No início desta década, em plena crise, as rendas no
concelho de Lisboa rondavam os 268 euros, segundo o INE. Em 2016, a consultora
imobiliária CBRE dizia que a média eram 830 euros e apontava para o Parque das
Nações (1080 euros) e para as Avenidas Novas (998 euros) como as zonas mais
caras da cidade.
Apesar do efeito das rendas elevadas na saída dos jovens
adultos de Lisboa, os investigadores que estudam a demografia da cidade
ressalvam que o envelhecimento e a quebra da natalidade entre as décadas de
1980 e 1990 foram os grandes responsáveis pela diminuição do número de
habitantes entre os 20 e os 34 anos.
Mas não faltam exemplos de jovens sobrecarregados com as
rendas. Tiago Silva estudou e viveu em Lisboa, onde trabalhou depois de se
licenciar e ainda morou na Dinamarca durante um ano. Quando regressou, voltar a
viver na cidade estava fora de questão, por isso, foi morar com os pais, no
concelho de Mafra.
Aos 27 anos, vive com a namorada num T1 em Mafra (a 40
quilómetros da capital) pelo qual pagam 250 euros de renda. “De vez em quando,
procuro casas [em Lisboa], mas é difícil”, desabafa. Além de as rendas serem
mais elevadas, agora trabalha a tempo inteiro em Mafra, num restaurante de uma
cadeia de fast-food, o que torna a mudança ainda mais improvável. Ainda assim,
a tomar a decisão de sair deste concelho, diz que optaria por zonas “mais
baratas, como Sintra ou Mem Martins”.
João e Tiago não são os únicos. Nos fóruns online, há longas
conversas sobre a experiência de quem saiu da capital para zonas mais
periféricas e pedidos de conselhos de quem quer fazer o mesmo. Um utilizador
diz no Reddit que está a ponderar ir viver para Fernão Ferro, no Seixal (a 20
quilómetros de Lisboa), com a namorada, porque não tem orçamento para arrendar
casa em Lisboa. Outro diz que se mudou para a Margem Sul e que esta foi “a
melhor decisão” que tomou. Também há quem defenda a permanência na cidade, mas
muitos são apologistas de assentar arraiais fora.
Menos 29% de jovens adultos
As estimativas provisórias da população, avançadas pelo INE,
indicam que o número de jovens entre os 20 e os 34 anos que habitam em Lisboa
passou de 95.830, em 2011, para 67.916, em 2016, o que corresponde a uma
redução de 29% durante este período. De todos os municípios do país, foi na
capital que o número de residentes nesta faixa etária mais diminuiu. O fenómeno
de redução do número de jovens adultos repete-se em toda a Área Metropolitana
de Lisboa, mas é na capital que é mais intenso.
O INE explica que estes números “são calculados com base nos
valores observados de nados-vivos e de óbitos e valores estimados dos fluxos
migratórios”. Estas estimativas intercensitárias são provisórias e revistas
após a realização dos censos à população, detalha o instituto.
Em algumas capitais europeias a tendência é semelhante.
Dados do Eurostat e dos institutos de estatística nacionais, indicam que Riga,
Madrid, Paris, Dublin e Londres também perderam jovens adultos nos últimos
anos. Já em Oslo, Copenhaga, Roma, Helsínquia, Estocolmo e Berlim, o número de
pessoas entre os 20 e os 34 anos aumentou.
Mas é preciso alguma cautela ao olhar para os números
referentes a Portugal, ressalvam dois investigadores do Centro de Estudos
Geográficos, da Universidade de Lisboa. Há o risco de estas estimativas
reflectirem tendências que não coincidem com a realidade actual do concelho.
Contudo, ambos reconhecem que há um decréscimo da população que vive em Lisboa
e se insere nesta faixa etária. O envelhecimento da população e a diminuição da
natalidade serão as principais causas.
De facto, em 1991, Lisboa tinha 138 idosos para cada 100
jovens (dos os 0 aos 14 anos). Em 2016, o indíce de envelhecimento subiu para
182. É o concelho mais envelhecido da sua área metropolitana.
Eduarda Marques da Costa, do Centro de Estudos Geográficos,
explica que à medida que a população envelhece e o número de residentes diminui
naturalmente, a estrutura demográfica da cidade altera-se e “o peso dos jovens
vai diminuindo progressivamente”. Apesar disso, “na última década, já foram
dados sinais de retoma da atracção de jovens activos com qualificações e
salários médios altos para residirem em Lisboa”. Em freguesias como Benfica,
Carnide ou Lumiar até “houve gente jovem que comprou casa em segunda ou
terceira mão e ficou pela cidade”. Contudo, “este último fenómeno não compensa
a tendência pesada de envelhecimento e perda natural”.
Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos, é céptico
quanto aos valores para que apontam as estimativas. Apesar de tudo, reconhece
que “ainda há uma pequena percentagem de saídas [de jovens] que não podem viver
na cidade porque não conseguem pagar”.
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