Dono de prédios a substituir por mesquita acusado por
“ameaças anónimas” a Costa
POR O CORVO • 22 SETEMBRO, 2017 •
O dono de dois imóveis na Rua do Benformoso que deverão ser
demolidos, para no seu lugar ser erguida a nova mesquita da comunidade
bangladeshi e a futura Praça da Mouraria, foi constituído arguido por alegadas
injúrias e ameaças de morte ao primeiro-ministro, António Costa. Mas o
proprietário diz-se surpreso com a acusação, negando os actos que lhe são
imputados. António Barroso, que mantém uma batalha legal com a Câmara Municipal
de Lisboa (CML) contra a expropriação dos prédios, por reclamar uma indemnização
muito superior à que lhe foi proposta, diz não perceber como se vê envolvido
num caso iniciado por uma carta anónima.
“Fico sem aquilo que
é meu, perco dinheiro e, agora, ainda me acusam de algo que não fiz. No meio
disto, depois do que já passei, eu é que sou constituído arguido”, queixa-se,
enquanto aguarda os resultados de uma nova avaliação independente ao valor dos
edifícios, dos quais deixou de ser o titular dos direitos legais em 23 de maio
de 2016, quando a autarquia tomou posse administrativa dos mesmos, alegando
inalienável interesse público.
“Isto é surreal, que
culpa tenho de que alguém se tenha lembrado de fazer tal coisa?”, questiona o
pequeno empresário, que foi chamado, no início do verão, ao Departamento de
Investigação e Acção Penal (DIAP) do Ministério Público e confrontado com a
existência de uma carta anónima manuscrita. Nela, o actual chefe do Governo era
verberado pela sua gestão, enquanto presidente da CML, do dossiê relativo à
construção do novo templo muçulmano no coração de Lisboa. Era ainda acusado de
ser “corrupto”, tal como os seus ministros, e alvo de ameaças de morte.
Teor do qual António
Barroso só terá tomado conhecimento quando, naquele instante, os investigadores
do DIAP lhe pediram para copiar o texto da carta em causa pela sua própria mão.
O que terá sido suficiente para o considerarem suspeito da autoria das ameaças.
Algo que nega com veemência. “Não tenho nada a ver com isso”, insiste. Tânia
Mendes, a sua advogada, confirmou a O Corvo a existência do processo, do qual
já requereu a consulta, mas escusa-se a fazer comentários – embora admita
surpresa com o mesmo.
Trata-se de mais uma
frente na litigância aberta, a partir de 2015, entre António Barroso e os
poderes públicos, e relacionada com a defesa do que aquele considera serem os
seus legítimos direitos enquanto proprietário. Neste momento, está a decorrer
um novo processo de avaliação dos prédios em causa, feito por uma comissão de
cinco peritos independentes a pedido do tribunal. O relatório com o seu parecer
deverá ser apresentado no final de outubro ou início de novembro.
A nova estimativa
sobre o real valor dos imóveis foi requerida pelo Tribunal Judicial da Comarca
de Lisboa na sequência do recurso apresentado, em março passado, pelo expropriado.
Nessa altura, aquela instância judicial havia comunicado ao dono dos prédios o
direito da autarquia em prosseguir com a expropriação do mais valioso dos
edifícios, com o argumento de que “o processo está devidamente instruído, não
contendo questões prévias ou nulidades que obstem ao deferimento da pretensão”.
E recordava que os valores compensatórios estabelecidos por arbitragem, em
julho de 2016, se encontravam depositados à sua disposição.
A verba em causa,
613.700 euros, resulta da soma da avaliação de 484.200 euros feita para um
edifício com a de 128.900 euros realizada para outro. E constitui uma subida
face aos 531.850 euros que a Câmara de Lisboa estava disposta a pagar a António
Barroso desde o início. Algo que contrasta com os 1,9 milhões de euros por ele
pedidos – ao valor do mercado, o proprietário acrescentava perdas relacionadas
com a cessação dos arrendamentos, com os quais amortiza o investimento feito na
reabilitação dos prédios comprados em 2009.
A falta de acordo
entre as partes levou a autarquia a avançar, em maio de 2016, para uma
expropriação com justa causa, invocando então a inequívoca utilidade pública do
projecto da Praça da Mouraria – sobre a qual será edificado o novo templo
islâmico. Argumentos que foram depois confirmados, a 14 de julho do ano
passado, pelo tribunal administrativo, recusando dessa forma a providência
cautelar interposta pelo senhorio.
Mesmo depois de ficar
a conhecer tal decisão judicial, a Câmara de Lisboa ainda terá feito uma
derradeira proposta de compensação financeira. A mesmo aproximar-se-ia um pouco
mais dos montantes pretendidos pelo proprietário expropriado: 953.800 euros, dos
quais haveria ainda que deduzir 90.700 euros de indemnizações para os
inquilinos. O valor foi, todavia, recusado pelo empresário, por o considerar
ainda escasso, face ao seu investimento e ao que diz ser o valor de mercado.
Numa recente
avaliação pedida por António Barroso a uma das maiores multinacionais do ramo
imobiliário, o par de edifícios em causa foi avaliado em 1,3 milhões de euros.
Texto: Samuel Alemão
Sem comentários:
Enviar um comentário