Merkel
e o desafio da década
A
entrada de quase meio milhão de refugiados no estado da Baviera
desde o início do ano radicalizou Horst Seehofer. O líder da CSU
(União Social-Cristã), que começara por prometer ser um “gato a
ronronar” como parceiro de coligação, chegou agora ao ponto de
ameaçar romper com uma união partidária de 70 anos ao admitir a
retirada dos quatro ministros que tem no Governo de Berlim.
Nuno Escobar de Lima
| 07/11/2015/ SOL online
A crise dos
migrantes está a deixar o Governo germânico em convulsão. A
chanceler, que está sob fogo cruzado de social-democratas e
democratas-cristãos, teme que o problema degenere num conflito
militar na Europa.
Para o evitar,
Seehofer exigia a Merkel, até ao final de outubro, um pacote de
medidas que tornasse o país menos atrativo para os migrantes: a
cooperação com o Governo austríaco, para que este encaminhe os
refugiados para os postos fronteiriços com controlo; a criação de
“zonas de trânsito” nas terras de ninguém junto à fronteira e
qualquer tipo de ação que pudesse acalmar um eleitorado bávaro
chocado com o que diz ser uma “política de portas abertas” da
chanceler.
Merkel sentiu o
puxão para a direita, até porque ele não vinha só de Seehofer.
Depois de ter visto uma candidata a autarca, da sua CDU, ser
esfaqueada por defender uma política de acolhimento, Merkel sente a
tensão crescente na sociedade alemã. Só no último fim de semana,
quatro sírios foram assistidos em hospitais depois de serem
brutalmente agredidos por grupos de 20 ou 30 membros da
extrema-direita. Desde o início de 2015, a Alemanha já registou 576
crimes contra centros de refugiados.
O clima de
insatisfação faz-se sentir também nas sondagens, embora ainda de
forma tímida. A chanceler continua a ser a figura mais admirada da
política alemã, mas a taxa de aprovação de 54% registada em
outubro representa uma queda de 9% em relação ao mês anterior. A
tendência é acompanhada pelo seu partido, vencedor das últimas
três eleições nacionais que viu o seu nível de apoio cair de 43%
para 36% das intenções de voto.
Pragmática, Merkel
cumpriu o prazo do ultimato do parceiro e no sábado juntou a troika
da governação que, além do bávaro, conta ainda com o
social-democrata Sigmar Gabriel. Ao fim de duas horas, o líder do
SPD deixou a sala com cara de poucos amigos, enquanto Merkel e o
aliado regional permanecerem por mais oito horas.
Separar o trigo do
joio
Do encontro saiu um
plano com seis pontos, que inclui algumas das reivindicações de
Seehofer sem mudar radicalmente a posição da chanceler. Merkel
aderiu à ideia das zonas de trânsito junto à fronteira, uma medida
que impede que parte dos migrantes seja já registada em solo alemão
– o que altera o quadro legal da situação. À semelhança do que
acontece nos aeroportos (aí em muito menor escala), os chamados
‘migrantes económicos’ – os que não chegam de zonas de
conflito ou não correm risco de vida no país de origem – são
deportados com muito menos burocracia (e maior celeridade) do que
aqueles que são identificados já juridicamente em solo alemão.
A ideia passa por
separar os que têm necessidade dos que têm vontade de viver na
Alemanha. Já no verão, o Governo de Berlim adotara uma série de
medidas para dificultar a autorização de visto a migrantes chegados
de países considerados seguros, como são considerados os estados
dos Balcãs, por exemplo. Nas outras medidas anunciadas, Merkel
promete maior coordenação com Áustria e Turquia – país onde se
inicia a principal rota de refugiados que termina na Alemanha – e
suspende até 2017 uma lei de agosto que permitia aos refugiados
requisitarem a ida de familiares para solo germânico.
Perigo de guerra
A chanceler
conseguiu assim fazer com que Seehofer saísse “satisfeito” do
encontro sem ceder naquilo que considera prioritário: o plano não
estabelece um limite de entradas anuais no país – o país estima
que em 2015 deve receber entre 800 mil a um milhão de pessoas –,
assim como não pormenoriza como será controlada toda a fronteira
além dos postos de controlo existentes.
Pressionada pelos
críticos à direita para seguir o exemplo húngaro e erguer
barreiras ao longo da linha que separa o país da Áustria, Merkel
resiste até ao fim: “Essa medida seria um retrocesso”, defendeu
perante os deputados do seu partido. Lembrando que a Croácia e a
Eslovénia já ponderam uma medida idêntica ao arame farpado erguido
pela Hungria, Merkel diz que essa solução pode “aumentar a
tensão” e criar uma situação que torne “necessário um novo
conflito militar”.
Discussão idiota
O plano voltou a ser
debatido ontem, em novo encontro da troika germânica. Em menos de
uma semana, Merkel deixava de estar pressionada à direita para ter
agora de responder às críticas de Gabriel sobre o que chama de
“centros de detenção”. O líder social-democrata e
vice-chanceler defende que “em vez de enormes zonas de detenção
junto às fronteiras”, o país devia apostar na criação de
“muitos centros de registo e imigração dentro da Alemanha”. Mas
com a sua ‘linha vermelha’ colocada no eventual encerramento das
fronteiras, Gabriel dá a entender que não vetará a medida ao
considerar a discussão “idiota”, pois “só afetará uma
pequena parte” dos que tentam chegar ao país.
Se conseguir
convencer os social-democratas a aceitarem as medidas que acalmaram
Seehofer, Merkel pode celebrar a sua década de poder com a sensação
de dever cumprido: mantém praticamente intacta a sua posição face
à crise migratória, assim como a sua coligação governamental. Com
uma diferença – se há uma semana as críticas bávaras encostavam
as suas políticas à esquerda, agora os ‘gritos’ de Gabriel
voltam a colocar a chanceler como pilar do centro-direita.
nuno.e.lima@sol.pt
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