Polémicas,
pressões e ‘sacos de gatos’. A palavra aos novos ministros
24/11/2015,
OBSERVADOR
Ligações
ao Face Oculta, guerras com jornalistas, críticas à NATO, ao PCP e
ao BE, que "não têm corninhos". Os novos ministros ainda
não tomaram posse e já têm algumas polémicas no currículo.
Alguns já estiveram
em S. Bento, ora como ministros, ora como secretários de Estado.
Outros vestem pela primeira vez o fato de ministros. Mas aqui quase
ninguém é estreante quando o assunto é uma boa polémica: ou
porque foram duros com os adversários políticos, ou porque tiveram
declarações controversas, ou, ainda, porque se viram envolvidos em
processos delicados. As polémicas passadas dos futuros ministros.
Caldeira Cabral. O
Euro “é um fardo”?
Num artigo de
opinião publicado no Jornal de Negócios sobre a Grécia, o
economista e novo ministro da Economia de António Costa olhava para
os casos grego e português para refletir sobre as promessas que não
foram cumpridas durante o processo de integração europeia.
Manuel Caldeira
Cabral escrevia, então, que “uma das promessas do euro, em
particular para os países mais fracos, era a de dar maiores
garantias e reforçar a confiança, promovendo maior estabilidade e
prosperidade”. Além disso, continuava, a moeda comum tinha sido
pensada para “reforçar a confiança” da Zona Euro. Ora, os anos
de integração europeia vieram a provar o “contrário”:
“Hoje, demasiados
países do euro estão confrontados com o contrário. Isto é, com
serem obrigados a fazerem um esforço maior para conseguirem
financiar-se e manter a confiança, exatamente por estarem no euro.
Uma moeda comum limita a margem de manobra. Mas uma moeda comum devia
reforçar a confiança, sendo especialmente benéfica para os países
mais fracos. A gestão que as instituições europeias fizeram da
crise, enterrou essa promessa”, argumentava.
Nesse sentido, a
“pertença ao euro deixou de ser um valor, para passar a ser um
fardo, que contribuiu para afundar de forma mais forte os países
mais vulneráveis. A pertença ao euro deixou de ser uma vantagem,
para ser apenas algo que devemos manter porque os custos de saída
seriam muito elevados“, concluía Caldeira Cabral.
O economista,
professor da Universidade do Minho, fez parte do grupo que Costa
chamou para preparar o cenário macroeconómico. Foi cabeça de lista
por Braga.
Augusto Santos
Silva. Do acordo blindado à esquerda à defesa de Sócrates
No início de
outubro, quando a aliança entre PS, Bloco, PCP e Verdes estava ainda
por desenhar, Augusto Santos Silva enumerava várias condições
imprescindíveis para levar para a frente essa solução. Primeiro,
bloquistas e comunistas deveriam formalizar “esse apoio por escrito
e tendo em conta a próxima legislatura – quer dizer, tornarem
claro que não se trata apenas de viabilizar a entrada em funções
desse governo, mas sim o essencial da sua governação, no que diz
respeito, designadamente, à política orçamental”.
Em segundo lugar,
esses dois partidos teriam de comprometer-se com a “continuidade da
política externa e de defesa, a satisfação dos compromissos
europeus, designadamente quanto a défice inferior a 3% e início do
processo de redução da dívida pública, a política económica
dirigida pelo princípio da economia social de mercado e o retorno a
políticas sociais progressivas”.
Sem isso, insistia o
agora ministro dos Negócios Estrangeiros, “o PS deve recusar
formar governo, e explicar que recusa porque não embarca em manobras
puramente táticas e negativas”, avisava na altura.
AGS
Ainda antes da
detenção de José Sócrates, em novembro de 2014, o país político
discutia se Cavaco Silva devia ou não agraciar o antigo
primeiro-ministro com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo –
Sócrates é o único ex-primeiro-ministro que não foi condecorado
depois de abandonar funções.
Com várias figuras
do PS a exigirem a Cavaco Silva que homenageasse o antigo
primeiro-ministro, seria Augusto Santos Silva, ex-ministro dos
Assuntos Parlamentares de Sócrates, a definir o tom. Num texto
publicado no Facebook, o agora titular da pasta dos Negócios
Estrangeiros era especialmente duro com o Presidente da República:
Senhor Presidente,
(…) não se deixe pressionar. Não condecore Sócrates. É que ele
não merece tamanha nódoa no seu currículo. Haverá certamente,
dentro em breve, um Presidente merecedor da honra de condecorá-lo“.
O início da
Operação Marquês acabaria por deixar em suspenso a discussão
sobre a condecoração ou não de José Sócrates.
Augusto Santos Silva
fez parte do núcleo duro de José Sócrates no Executivo e era um
dos homens que lhe dava peso político. Terá um papel semelhante na
equipa de António Costa. Dada a experiência governativa, Santos
Silva terá papel central nas negociações com os parceiros
europeus.
Azeredo Lopes. O
ministro que não acredita(va) na união da esquerda. “É um saco
de gatos”
“A maior e mais
notável lição que se retirará destas eleições é que pela
última vez será intelectualmente legítimo falar na votação “da”
esquerda. A esquerda não existe (se calhar, nunca existiu) como
conceito unitário em Portugal, essa esquerda morreu de morte morrida
matada”. Quem o disse? Azeredo Lopes, precisamente o novo ministro
do Governo socialista apoiado por Bloco e PCP.
O antigo presidente
da ERC e, até agora, chefe de gabinete de Rui Moreira,
pronunciava-se assim, em plena campanha, sobre as sondagens que davam
a coligação PSD/CDS a fugir em direção à vitória nas eleições
ao mesmo ritmo que o PS perdia gás e a PCP e Bloco endureciam o
discurso. O homem que chamou “naughty boy” a Cavaco Silva
concluía então que a esquerda não era mais do que “um notável,
fascinante, incongruente saco de gatos“.
Mais tarde, já
depois das eleições e numa altura que PS, Bloco e PCP discutiam
abertamente uma possível aliança à esquerda para derrubar Passos e
governar, Azeredo Lopes não tinha dúvidas: “Se houver Governo de
esquerda, perceber-se-á que PC e BE não têm corninhos e que a
treta dos bolcheviques é chão que deu uvas. Essa é a verdadeira
revolução: BE e PC poderem ser partidos de poder e isso não ser
assustador (mesmo que não se goste ‘deles’)“.
Ana Paula Vitorino.
O processo Face Oculta, a despromoção e o corte de relações com
António Costa
Em 2010, a
ex-secretária de Estado dos Transportes de José Sócrates via o seu
nome envolvido na complexa teia da Face Oculta. Não como
prevaricadora, mas sim como alegada vítima. Em causa estava o
diferendo entre a Refer e Manuel Godinho, o principal arguido no
processo – o sucateiro foi, numa primeira fase, condenado a 17 anos
e meio de prisão, mas o Tribunal da Relação mandou repetir o
julgamento.
A nova ministra do
Mar de António Costa terá sido alegadamente pressionada por Mário
Lino (ministro das Obras Públicas e dos Transportes de Sócrates)
para afastar Luís Pardal, presidente da Refer. Manuel Godinho terá
feito fazer valer a sua influência junto de Lino para pressionar Ana
Paulo Vitorino e, assim, afastar Pardal.
Além de Mário
Lino, Ana Paula Vitorino terá sido pressionada por várias figuras
do PS para deixar cair Luís Pardal – ou isso, ou cairia também. A
socialista terá ameaçado demitir-se se o presidente da Refer fosse
destituído do cargo. Com a condenação da O2, em 2008, o assunto
ficou na gaveta.
A segunda polémica
chegaria em 2009, mas ainda sob chapéu do Face Oculta. A secretária
de Estado queria afastar Cardoso Reis da presidência da CP, mas terá
sido alegadamente pressionada por Armando Vara para não o fazer. No
segundo mandato de José Sócrates, Ana Paulo Vitorino deixaria a
secretaria de Estado para voltar ao Parlamento, quando muitos a
apontavam como potencial sucessora de Mário Lino. Alguns socialistas
viram na altura o dedo de Armando Vara na sua despromoção.
Na altura, a má
relação com António Costa também não terá ajudado, como recorda
o mesmo jornal. Os dois eram muito próximos, mas, quando o agora
líder socialista se mudou para a Câmara de Lisboa, a gestão do
Metro de Lisboa, da Carris ou da Administração do Porto de Lisboa
(APL) terá criado profundas divergências entre os dois.
Foi nessa altura,
nas legislativas de 2009, que, segundo o Sol, António Costa recusou
fazer campanha em Lisboa se Ana Paula Vitorino fosse incluída na
lista da capital. A socialista acabaria por concorrer a essas
eleições pelo círculo eleitoral do Porto. O tempo ajudou os dois a
ultrapassarem as divergências.
João Soares. BE e
PCP na reforma da NATO e a relação com Angola
A presença de
Portugal na NATO é uma questão sensível para bloquistas e
comunistas e o PS terá de servir de âncora para assegurar que os
compromissos internacionais do país em matéria de Defesa não serão
desrespeitados. Foi, pelo menos, essa a garantia de António Costa a
Cavaco Silva.
Ainda assim, há,
entre socialistas, quem defenda outro rumo e outra visão para a
NATO. É o caso de João Soares, novo ministro da Cultura de António
Costa. Em entrevista ao jornal Oje, o socialista disse acreditar que
o Bloco e o PCP podem “ajudar a dar um contributo para uma reforma
que a NATO precisa de ter”, tendo em conta que a organização que
nasceu para suster uma ameaça, o nazismo, hoje já não existe.
Na mesma resposta,
João Soares fazia questão de lembrar o papel da Alemanha na
Segunda Grande Guerra para argumentar: por tudo o que causou, o
Estado alemão não pode colocar em causa o projeto europeu.
A Alemanha de hoje,
por mais críticas que se tenham para fazer, não tem nada a ver com
a Alemanha que desapareceu em 1945. Deve continuar a pagar as dívidas
que deixou na Europa e no mundo por essa deriva totalitária
inacreditável que se verificou entre 1933 e 1945 e que arrastou a
Europa e o mundo para uma guerra devastadora que deixou a Europa
completamente em ruínas. Foi daí que nasceu o projeto europeu,
portanto, a Alemanha não tem autoridade histórica, nem moral, nem
financeira para por em causa o projeto europeu como tem posto“,
argumenta João Soares.
O regime angolano e
a política externa portuguesa também mereceram duras críticas de
João Soares. A posição de “Isabel dos Santos, [do] Sobrinho e
[daquela] tropa fandanga que anda à volta daquele poder, que não é
democrático e que aliás está à beira de deixar morrer em greve de
fome um jovem que se bate pela liberdade em Angola, que é o Luaty
Beirão, e os seus companheiros” tinha de merecer uma reclamação
formal por parte do Governo português, defendia na altura João
Soares.
Mas Passos Coelho e
Cavaco Silva não agiram como deviam e Rui Machete é uma “vergonha”
e uma “personagem inenarrável” com “relações de familiares
com o poder cleptocrático angolano“.
João Soares não
poupava, aliás, críticas aos “empregados portugueses” que, por
cá, protegem os interesses angolanos. Incluindo mesmo antigos
governantes socialistas. “Ter o Luís Amado, que foi ministro de um
governo socialista, como presidente pró-forma de um banco como o
Banif, para mim é uma coisa que me repugna como socialista. E há
outros, os Manuel Pinho, os Pina Moura e outros, que nunca souberam
fazer a separação, que é absolutamente imprescindível, fazer
entre negócios e vida política. As pessoas não podem estar ao
mesmo tempo nos dois sítios”, sublinha.
E o secretário de
Estado que é advogado de José Sócrates – Miguel Prata Roque
O novo secretário
de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Miguel Prata
Roque, é professor auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade
Lisboa e especialista em Direito Administrativo. Entre 2005 e 2007,
integrou o Governo de José Sócrates como adjunto do ministro dos
Assuntos Parlamentares.
Mas as ligações ao
ex-primeiro-ministro não se ficam por aqui: o jurista é o advogado
de José Sócrates na providência cautelar interposta contra o CM e
a CMTV em relação à publicação de notícias sobre a Operação
Marquês. E participou num colóquio sobre o PROTAL organizado por
causa das suspeitas sobre Vale do Lobo.
Por outro lado,
Prata Roque tem-se destacado como uma das vozes mais críticas em
relação ao processo de privatização da TAP. Em junho, o até
agora coordenador do Observatório Permanente da Administração
Pública, dizia, em declarações ao jornal Público, que a venda da
TAP envolvia uma situação de “controlo simulado”, alegando que
era David Neeleman, dono da companhia aérea Azul, e não Humberto
Pedrosa, o verdadeiro dono da empresa.
Miguel Prata Roque
não poupava o Governo de Passos. “O que me choca é que se
ludibrie o Direito vigente para obter o sucesso de uma operação de
privatização de uma empresa estratégica para o país. Quem fez o
contacto com o Governo português, quem têm o know how, quem tem o
dinheiro, quem fala sobre o assunto é o senhor David Neeleman”,
argumentava.
Mas Passos não foi
o único alvo de Prata Roque. No mesmo mês, a 11 de junho, no
programa Conselho Consultivo da Económico TV, o jurista acusava o
Presidente da República de conviver “mal com a democracia“. Em
causa estava o discurso de Cavaco Silva nas comemorações do 10 de
junho, onde o Chefe de Estado.
Em véspera de
eleições, o Presidente da República deixou um caderno de encargos
para o futuro Governo, mas fez questão de criticar os profetas da
desgraça e de sublinhar que o país estava melhor. Ora, Miguel Prata
Roque não gostou do discurso do “Aníbal no país das maravilhas”
e acusou o Presidente da República de se “imiscuir no diálogo
político“, ao criticar aqueles que fazem oposição ao Governo
PSD/CDS.
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