Morte
aos traidores! Uma palavra de ordem levada muito a sério
28 Novembro de 2015
/ Observador
Helena Matos
Em
1975 o MRPP levava a sério o mote de "Morte aos traidores!",
pois prendeu e torturou Marcelino da Mata, o mesmo fazendo com
militantes da "linha negra". Há mais histórias entre os
grupos maoistas.
Quartel do RALIS em
Lisboa, madrugada de 18 de maio de 1975.
Quartel do RALIS em
Lisboa, anoitecer do dia 18 de Maio de 1975.
Quartel do RALIS em
Lisboa, madrugada de 19 de Maio de 1975
Forte de Caxias, 28
de Maio de 1975
Noite de passagem de
ano de 1975 para 1976
Salvo pelo 25 de
Abril
Durante a última
campanha eleitoral a expressão “Morte aos traidores” presente
nos cartazes do MRPP chocou alguns ouvidos. Inquirida, a Comissão
Nacional de Eleições tranquilizou o país: tratava-se de uma
metáfora. Já Garcia Pereira, dirigente do MRPP que esta semana
anunciou a demissão do partido, explicava, ao mesmo tempo que
anunciava a suspensão da frase “morte aos traidores” do material
de campanha, que isso não isentava os traidores da morte certa.
Mas a história do
MRPP ensina que este movimento fez mais que pedir metaforicamente a
morte daqueles que considerava traidores. Em 1975 e 1976 o MRPP
sequestrou, agrediu e torturou alguns daqueles a quem chamou
traidores…
O primeiro candidato
por Lisboa do PCTP/MRPP, Garcia Pereira, conversa com camarada de
partido numa ação de propaganda junto dos operários das OGMA
(Alverca), 30 de setembro de 2015 em Alverca. TIAGO PETINGA/LUSA
Garcia Pereira na
última campanha eleitoral. O fundador do MRPP, Arnaldo Matos, não
lhe perdoou o que considerou ser um mau resultado e regressou, agora
para consumo interno no jornal Luta Popular, a velha palavra de
ordem: “Morte aos traidores!”
Quartel do RALIS em
Lisboa, madrugada de 18 de maio de 1975.
Marcelino da Mata
cai. Tem várias costelas partidas. Sangra. Foi espancado.
Chicoteado. Bateram-lhe com uma cadeira de ferro. Os choques
elétricos vão começar daí a pouco. Marcelino da Mata não é um
preso qualquer. Ele é o militar mais medalhado das Forças Armadas
Portuguesas. Recebeu a Torre e Espada, três Cruzes de Guerra de 1ª
classe, uma de 2ª e outra de 3ª, esteve presente em 2414 operações
no mato que lhe valeram meia centena de louvores por actos de bravura
em combate.
Agora está a ser
torturado. Na véspera estava em Queluz com a família. A dado
momento percebe o seu nome nas notícias que passam na rádio:
diziam-no preso. Ao ouvir isto Marcelino da Mata comete um erro que
quase lhe iria a custar vida: resolve apresentar-se na sua unidade, o
Regimento de Comandos nº 1. Afinal um comando é sempre um comando e
os comandos não deixam os seus para trás. Assim fora no inferno da
Guiné – quantas histórias não tinha ele para contar! –, assim
havia de ser em Lisboa.
1. Regimentos de
Comandos, 1975. Fabião e Otelo prestam honras aos comandos na
Amadora. Marcelino da Mata é o porta-estandarte. Daí a dias
Marcelino era torturado no RALIS.
Quando chega ao
Regimento de Comandos nº 1, Marcelino da Mata constata que a Lisboa
de 1975 era um terreno muito mais movediço que as matas e os rios da
Guiné: não vai ficar na Amadora. É levado para o Regimento de
Artilharia Ligeira de Lisboa (RALIS).
Os
dados que levaram Marcelino da Mata à armadilha do RALIS tinham
começado a rolar dias antes, quando militantes do MRPP e militares
do RALIS sequestraram, na Baixa de Lisboa, o ex-fuzileiro José Jaime
Coelho da Silva.
Marcelino da Mata
chega ao quartel símbolo do PREC durante a tarde do dia 17 de Maio.
Começam por lhe dar um papel para que escrevesse tudo o que sabia
sobre o Exército de Libertação de Portugal (ELP), uma organização
terrorista criada em Espanha pelos afectos ao general Spínola.
Entretanto cai a noite desse dia 17 de Maio. Pouco depois da
meia-noite Marcelino da Mata começa a ser torturado. Nas sete horas
seguintes vive um inferno.
Os dados que levaram
Marcelino da Mata à armadilha do RALIS tinham começado a rolar dias
antes, a 15, quando militantes do MRPP e militares do RALIS
sequestraram, na Baixa de Lisboa, o ex-fuzileiro José Jaime Coelho
da Silva.
De
15 a 17 de Maio de 1975, o MRPP manteve José Jaime Coelho da Silva
em cárcere privado, numa casa do Restelo e noutra em Sintra.
Torturaram-no. Mas não só a ele. Ao Hotel Duas Nações, onde o
ex-fuzileiro estava alojado, vão também buscar a sua mulher,
Natércia Coelho da Silva. Levam-na para a mesma casa do Restelo onde
se encontrava o marido.
De 15 a 17 de Maio
de 1975, o MRPP manteve José Jaime Coelho da Silva em cárcere
privado, numa casa do Restelo e noutra em Sintra. Torturaram-no. Mas
não só a ele. Foram também buscar a sua mulher, Natércia Coelho
da Silva. Levam-na para a mesma casa onde se encontrava o marido.
José Jaime Coelho
da Silva fica 24 horas nesta casa do Restelo. Em seguida é levado
para outra, esta em Sintra. Em ambas é torturado: “foi atado de
pés e mãos”, “agredido por várias formas até ao ponto de
desmaiar”, “sofreu tortura psíquica por saber que a sua mulher
também estava presa, ouvir os seus gritos e assistir a actos
indecorosos contra ela”, “fizeram-lhe suportar nos olhos a
incidência de raios infra-vermelhos”, “enfiaram-lhe um balde na
cabeça e bateram-lhe com redobrada violência”, “ameaçaram-no
de morte, torturam-no em posição de estátua”.
De
uma das vezes que vê o marido este “está deitado sobre uma mesa,
sem dar acordo de si, com os olhos negros e a espumar, pela boca, um
líquido negro”
Estas expressões
são retiradas do Relatório das Sevícias Apresentado pela Comissão
de Averiguação de Violências sobre Presos Sujeitos às Autoridades
Militares. Sobre o sucedido a Maria Natércia Coelho da Silva esta
comissão apurou que após ter sido sequestrada por seis ou sete
indivíduos de camuflado foi levada para a casa do Restelo. Daí em
diante sucedem-se os períodos em que ora é agredida e vexada ora
lhe dão substâncias para dormir. De uma das vezes que vê o marido
este “está deitado sobre uma mesa, sem dar acordo de si, com os
olhos negros e a espumar, pela boca, um líquido negro”.
São vários os
militantes do MRPP que interrogam e agridem José Jaime e Natércia
Coelho da Silva. Entre eles contam-se pelo menos três mulheres.
Entre os homens há civis e militares.
Mas a 17 de Maio o
cenário da tortura muda: José Jaime e Natércia Coelho da Silva são
levados pelo MRPP para o RALIS. Quase ao mesmo tempo que o MRPP
entrega o ex-fuzileiro e a mulher aos militares, Saldanha Sanches e
Carlos Santos, do Comité Central do MRPP, dão uma conferência de
imprensa. Informam que José Jaime Coelho da Silva ou, melhor dizendo
“o agente fascista”, foi entregue à assembleia de soldados do
RAL1.
4. Saldanha Sanches
e Carlos Santos são os dirigentes do MRPP que a 17 de Maio anunciam
a detenção de Jaime Coelho da Silva e de Marcelino da Mata.
O sequestro do
ex-fuzileiro sobre o qual até esse momento não houvera qualquer
notícia é apresentado por Saldanha Sanches e Carlos Santos como o
resultado da acção das massas. Segundo informam os dirigentes do
MRPP, um grupo de populares, à uma da tarde do dia 15 de Maio de
1975, reconhece e detém o ex-fuzileiro que acusam de ser membro do
ELP. Em seguida entregam-no ao MRPP.
Que populares seriam
esses que por acaso coincidiam no Rossio à uma tarde do dia 15 de
Maio e não só reconheciam José Jaime Coelho da Silva como para
mais sabiam da sua ligação ao ELP? E porque teriam esses populares
resolvido entregá-lo ao MRPP e não directamente aos militares,
fossem eles do RALIS ou do COPCON que na época era literalmente
chamado para resolver todos os assuntos? E porquê ao MRPP e não a
outro partido?…
O
11 de Março acontecera há dois meses. O PREC acelerava. O que
causaria perplexidade tornava-se banal. Foi então que o MRPP manteve
detido José Jaime Coelho da Silva durante dois dias, sujeitando-o a
um "longo interrogatório" findo o qual ele "foi
obrigado a revelar" a rede chefiada pelo "testa de ferro da
CIA em Portugal, Alpoim Galvão".
Todas estas e muitas
outras dúvidas não se colocam aos autores das notícias que no dia
17 e 18 de Maio dão conta da detenção de José Jaime Coelho da
Silva, agora reduzido à condição de “contra-revolucionário” e
“agente fascista”. O golpe do 11 de Março acontecera há dois
meses. O processo revolucionário acelerava. Tudo acontecia muito
rapidamente. O que meses antes causaria perplexidade tornava-se
banal. Esse enquadramento frenético e ribombante em que então se
vivia explicará que nem sequer se cuidasse muito de tornar
verosímeis os detalhes da suposta detenção por populares de José
Jaime Coelho da Silva. Também sem qualquer eufemismo é referido não
só que o MRPP mantivera detido José Jaime Coelho da Silva durante
dois dias como também que o sujeitara a um “longo interrogatório”
findo o qual o ex-fuzileiro “foi obrigado a revelar” a teia da
rede de conspiradores chefiada pelo “testa de ferro da CIA em
Portugal, Alpoim Galvão”.
Os
jornalistas aludem à cassete com declarações feitas por Coelho da
Silva durante os interrogatórios, cassete essa que teria sido
entregue pelo MRPP no RALIS
O que se entendia
por “foi obrigado a revelar”? Não se diz e na verdade essas e
outras perguntas não fazem sentido quando vistas duma perspectiva
revolucionária como bem se percebe ao ler o comunicado emitido pela
5ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA)
sobre este assunto: “No dia 17 de Maio de 1975, foi voluntariamente
entregue no RALIS (ex RAL1), por elementos do MRPP, José Jaime
Coelho da Silva, ex-fuzileiro e membro de uma organização
terrorista. Convocados em plenário para informação e discussão,
foi unanimemente entendido que fosse imediatamente nomeada (por
eleição) uma comissão de militares autorizada pelo delegado do
Copcon, para proceder à exploração de informações e documentos
na posse do elemento detido”.
O MRPP detalha com
maior rigor quer a natureza de algumas das informações – os
jornalistas aludem à cassete com declarações feitas por Coelho da
Silva durante os interrogatórios, cassete essa que teria sido
entregue pelo MRPP no RALIS – quer a constituição desta comissão
de militares que iria “proceder à exploração de informações e
documentos na posse do elemento detido”. Chamando-lhe “comissão
revolucionária”, informa o MRPP que este movimento tinha aí um
representante e que “cerca de 50 fascistas estão neste momento
presos”.
Entre os “fascistas
já presos” na sequência das declarações de Jaime Coelho da
Silva, os dirigentes do MRPP identificam Marcelino da Mata. O que
aconteceu a seguir já se sabe: o teor da conferência de imprensa de
Saldanha Sanches e Carlos Santos a par dos comunicados do MRPP e da
5ª Divisão, são logo transformados em notícias. Os vespertinos,
como o Diário de Lisboa, e as rádios dão a notícia nessa mesma
tarde. E foi precisamente ao ouvir na rádio na tarde desse dia 17 de
Maio de 1975 que se encontrava preso que Marcelino da Mata resolveu
apresentar-se na sua unidade donde foi levado para o RALIS.
Quartel do RALIS em
Lisboa, anoitecer do dia 18 de Maio de 1975.
O
que acontece com Marcelino da Mata entre 17 e 19 de Maio de 1975 é
um dos episódios mais perturbantes do PREC. Não apenas porque se
recorre à tortura – está longe de ser caso raro nesse período –
mas também e sobretudo por aquilo que o seu caso (e o dos outros
elementos detidos no âmbito desta operação desencadeada pelo MRPP)
revela sobre o que acontecia dentro dos quartéis. E como as Forças
Armadas tinham entrado num processo quase suicida.
O que acontece com
Marcelino da Mata entre 17 e 19 de Maio de 1975 é um dos episódios
mais perturbantes do PREC. Não apenas porque se recorre à tortura.
A detenção de
Jaime Coelho da Silva e da sua mulher mostra não só que alguns
agrupamentos políticos recorrem a cárceres privados e praticam
tortura, como mostra também que militares que participam nessas
operações efectuadas pelos partidos. Na verdade, e ao contrário do
que declararam Saldanha Sanches e Carlos Santos, a detenção de
Jaime Coelho da Silva não foi feita por populares mas tão só por
vários militares do RALIS acompanhados por um civil. Foram também
militares do RALIS que prenderam a sua mulher. E se no caso de Jaime
Coelho da Silva ainda há o cuidado de o transportar num automóvel
particular quando o levam para a casa que o MRPP tem do Restelo, em
relação a Natércia o transporte é feito num jipe militar, o que
dá bem conta do sentimento de impunidade de que sentiam investidos
os protagonistas destes actos.
Mas
é quando Marcelino da Mata começa a ser interrogado no RALIS que
tudo se adensa. A tortura arrasta-se durante mais de sete horas ao
longo das quais os interrogadores-torturadores vão mudando. Por
vezes chamam-se entre si o que permite a Marcelino da Mata dar nomes
aos civis e militares que o interrogam.
Mas é quando
Marcelino da Mata, a que se juntam outros detidos, começa a ser
interrogados no RALIS que tudo se adensa. A tortura arrasta-se
durante mais de sete horas ao longo das quais os
interrogadores-torturadores vão mudando. Por vezes chamam-se entre
si o que permite a Marcelino da Mata dar nomes aos civis e militares
que o interrogam: um furriel chamado Duarte, o capitão Quinhones e
dois militantes do MRPP, um tratado por Ribeiro e outro por Jorge. É
aliás a este último que Marcelino da Mata diz que o capitão
Quinhones ordenou “que pegasse num fio eléctrico e me torturasse,
tendo-me este dado choques nos ouvidos, sexo e no nariz.”
8. Leal de Almeida
na Guiné onde fica a conhecer Marcelino da Mata. Fotos Luís Graça
& Camaradas
2 fotos
A estes nomes há
ainda que juntar o de Leal de Almeida. Marcelino da Mata conhecia
Leal de Almeida da Guiné. Ora em 1975, o tenente-coronel Leal de
Almeida estava em Lisboa mais precisamente no RALIS. O que fazia
nesse quartel o antigo instrutor de comandos na Guiné? Era
comandante.
Marcelino da Mata
tem repetido não só que Leal de Almeida esteve presente enquanto
foi torturado, como que o então comandante do RALIS desempenhou um
papel activo nessas sessões de tortura. No depoimento que Alpoim
Galvão transcreve em De Conakry ao MDLP, Marcelino da Mata afirma
que nessa madrugada de 18 de Maio de 1975 Leal de Almeida “disse
que os pretos só falavam quando levavam porrada e eram torturados, e
que não tinha outra solução senão ordenar que me fizessem isso.”
Marcelino
da Mata tem repetido não só que Leal de Almeida esteve presente
enquanto foi torturado como que o então comandante do RALIS
desempenhou um papel activo nessas sessões de tortura.
Leal de Almeida, tal
como Quinhones, negam ter participado na tortura a Marcelino da Mata,
Jaime Coelho da Silva e aos outros detidos no âmbito desta operação
entre os quais se contavam também o juiz conselheiro do Supremo
Tribunal Administrativo Francisco José de Abreu Fonseca Velos e o
seu filho, o aspirante José António Veloso. Já a Comissão de
Averiguação de Violências sobre Presos Sujeitos às Autoridades
Militares confirmará a existência de tortura no RALIS tal como o
papel nela desempenhado por militares do RALIS que diz “não
identificados”. Quanto aos militantes do MRPP, é também
confirmada a sua presença e o papel que desempenharam nos
acontecimentos dessa madrugada no RALIS. Mas não só.
Quartel do RALIS em
Lisboa, madrugada de 19 de Maio de 1975
No quartel do RALIS
o dia 18 de Maio está a acabar. Um observador privilegiado, Dinis de
Almeida, 2º Comandante do RALIS, que além da sua notória fotogenia
e de um evidente gosto por se deslocar de chaimite tinha a acrescida
vantagem de ser muito mais eloquente a falar e a escrever do que os
seus colegas de armas, descreve nestes termos, em Ascensão, Apogeu e
Queda do MFA, o que nesse fim de dia acontecia dentro e fora do
quartel:
“Formava-se uma
multidão de MRPP’s junto ao portão, aclamando os soldados do
RALIS, lisonjeando-os por uma captura na qual, no fundo – com
exclusão de 3 ou 4 casos pontuais e sem autorização superior –
nem sequer haviam tomado parte (…) dá-se simultaneamente uma
penetração inicialmente imperceptível, no interior do RALIS, de
soldados (ou civis) afectos ao MRPP, trajando uniforme que, sem
causar alarde de início, cedo lançariam em terreno fértil a ideia
de que «os presos não poderiam sair dali; ali seriam interrogados e
julgados…» (…) Ignorando o perigo interno que se avolumava,
prosseguiam os interrogatórios. Contudo, a falta de condições de
alojamento, a clarificação da forma como haviam sido capturados os
detidos, e muito especialmente o princípio da percepção do logro
em que se estava a cair, cedo generalizariam a nível de Comando a
opinião de que o prosseguimento das investigações deveria ser em
Caxias.”
As informações
obtidas durante os interrogatórios capitaneados pelo MRPP estavam a
revelar-se uma arma de dois gumes ou, para usar as palavras de Dinis
de Almeida, são elas a razão do “logro em que se estava a cair”.
Que logro era esse de que fala Dinis de Almeida? A tomarem-se como
certas as declarações obtidas nos interrogatórios, as prisões iam
continuar, só que agora entre destacadas figuras militares pois os
nomes de Salgueiro Maia e Jaime Neves tinham sido apontados por
alguns dos interrogados como fazendo parte da rede conspirativa
reaccionária. Aliás muitas das perguntas feitas quer a Marcelino da
Mata, quer ao juiz Francisco José de Abreu Fonseca Veloso e também
ao seu filho, o aspirante José António Veloso, incidiam
precisamente sobre as ligações que o comandante do Regimento de
Comandos nº 1, Jaime Neves, teria ao ELP.
Da
posse destes dois nomes, Jaime Neves e Salgueiro Maia, o MRPP não só
os divulgou em comunicados e jornais de parede como convocou
manifestações para a porta das unidades destes dois militares: o
Regimento de Comandos na Amadora e a Escola Prática de Cavalaria, em
Santarém.
Da posse destes dois
nomes, Jaime Neves e Salgueiro Maia, o MRPP não só os divulgou em
comunicados e jornais de parede como convocou manifestações para a
porta das unidades destes dois militares: o Regimento de Comandos na
Amadora e a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém. Também se
manifestam junto da Embaixada dos EUA onde declaram haver um agente
da CIA encarregado de “estabelecer as ligações com a organização
terrorista-fascista” (na verdade devia ser mais que um!) Apela
ainda o MRPP às massas populares para que estas desçam “à rua,
impeçam que o COPCON continue a sabotar a prisão do coronel Jaime
Neves, queira transferir os fascistas para Caxias, a fim de os
defender da justiça popular”.
A proximidade do
major Aventino ao MRPP e particularmente a Arnaldo de Matos era
pública e notória. No RALIS, Aventino terá contactado os
militantes do MRPP que, mesmo quando militares de baixa patente, o
tratam por “camarada Aventino”.
A manifestação à
porta do Regimento de Comandos na Amadora não teve grande
ressonância e junto à Escola Prática de Cavalaria (EPC), em
Santarém, não compareceu praticamente ninguém. Mas o mesmo não se
pode dizer da concentração junto ao RALIS que visava impedir a
transferência dos presos para Caxias: a tensão sobe, os militares
disparam as metralhadoras para o ar e usam granadas de gás
lacrimogéneo. Os manifestantes chegam a recorrer a uma escavadora
para tentar obstruir a porta do quartel. Lá dentro, Otelo Saraiva de
Carvalho, que chefiava o COPCON, Carlos Fabião, Chefe do
Estado-Maior do Exército, e Leal de Almeida, comandante da unidade,
confrontam-se com uma situação cujo controlo lhes começa a
escapar. Terá sido então que, segundo Dinis de Almeida, “com o
consentimento, senão a pedido, do próprio Cor. Leal de Almeida,
Comandante do RALIS, Aventino Teixeira fora entretanto mandado chamar
ao Regimento.”
A
proximidade do major Aventino ao MRPP e particularmente a Arnaldo de
Matos era pública e notória. No RALIS, Aventino terá contactado os
militantes do MRPP que, mesmo quando militares de baixa patente, o
tratam por “camarada Aventino”. Um deles ter-lhe-á mesmo dito:
“Camarada Aventino, já contactei o nosso camarada Arnaldo Matos
que está no Algarve. Ele manda dizer para aguardar pois vem já para
cima…”
A
luta entre a linha negra chefiada por Saldanha Sanches e a linha
vermelha liderada por Arnaldo Matos estava a ocorrer: dentro de meses
Saldanha Sanches sairá do MRPP (para o qual se torna “o renegado
Sanches”) e escreve um livro demolidor, com capa vermelha como não
podia deixar de ser, intitulado O MRPP instrumento da
contra-revolução.
Dinis de Almeida, a
quem neste dia coube a responsabilidade pela atribulada operação de
transporte dos presos para Caxias e que nestes acontecimentos do
RALIS vê uma manobra do MRPP para criar uma cisão no MFA através
de um conflito armado entre o RALIS, a EPC e o regimento de Comandos,
recorda a estupefacção de Carlos Fabião, Chefe do Estado-Maior do
Exército, ao ouvir o major Aventino explicar-lhe que “tudo aquilo
seria resultante de um contencioso ideológico entre uma pseudo
“linha negra” chefiada por Saldanha Sanches – e uma “linha
vermelha” – liderada por Arnaldo Matos.
Seja qual for a
teoria que se adopte para enquadrar estes acontecimentos é inegável
que a luta entre a “linha negra” de Saldanha Sanches e a “linha
vermelha” de Arnaldo Matos estava a ocorrer: dentro de meses
Saldanha Sanches sairá do MRPP (para o qual se torna “o renegado
Sanches”) e escreve um livro demolidor, com capa vermelha como não
podia deixar de ser, intitulado O MRPP instrumento da
contra-revolução. Nele Saldanha Sanches alude ao sucedido a 18 de
Maio no RALIS precisamente para criticar Arnaldo Matos que acusa de,
após os acontecimentos do 11 de Março, ter tomado uma posição de
“colaboração aberta e expressa com os fascistas” e
provavelmente recear que essa colaboração ficassa exposta pelas
declarações obtidas nos interrogatórios do RALIS a 18 de Maio:
“O que sucedeu é
que o o secretário-geral do MRPP se recusou a voltar do Algarve (…)
Dever-se-ia isto ao facto dos interrogatórios do RALIS, a fascistas
presos, estarem a trazer à luz do dia, factos de grande importância
sobre as actividades dos fascistas e do imperialismo americanos em
Lisboa?”
10. Saldanha Sanches
descreve Arnaldo Matos como um pequeno Bonaparte, que se sente bem
entre palhaços que rivalizam entre si no elogio fácil e barato ao
chefe
Mas para já, nessa
noite de 18 para 19 de Maio de 1975, a “linha vermelha” e a
“linha negra” ainda não ajustam contas entre si pois outros
ajustes e outras contas se impõem. Os presos, à excepção de
Natércia Coelho da Silva, que entretanto fora colocada em liberdade
e deixada pelos militares do RALIS na gare de Santa Apolónia,
acabariam por ser levados para Caxias, sendo que no caso de José
Jaime Coelho da Silva o seu estado de saúde degradara-se a tal ponto
que ainda é levado ao Hospital de Santa Maria, onde entra com um
nome falso e com a indicação de que sofrera um acidente de viação.
Como o médico que o observa o quisesse internar, os militares
levam-no para o Hospital Militar Principal e daí para Caxias. Entra
a 19 de Maio. Tal como acontece com os outros transferidos do RALIS é
colocado em rigoroso regime de incomunicabilidade durante meses.
Mas mesmo no isolamento não lhes terá sido impossível perceber no
fim de Maio que outras levas de presos estavam a chegar àquela
prisão.
Forte de Caxias, 28
de Maio de 1975
Em poucas horas
entram em grande alarido no Forte de Caxias mais de quatrocentos
presos. São militantes do MRPP. Horas antes fora dado a conhecer um
comunicado do COPCON que equiparava aquele movimento a uma seita
religiosa. As sedes do MRPP foram assaltadas pelos militares, o
material de propaganda apreendido e presos centenas dos seus
militantes. O líder, Arnaldo Matos, é um deles. Os mesmos jornais
que dez dias antes relatavam sem quaisquer dúvidas a rocambolesca
detenção de Jaime Coelho da Silva e o posterior interrogatório a
Marcelino da Mata, transcrevem agora as razões apontadas pelo COPCON
para esta decisão:
“Perante o povo
português, o COPCON, braço armado das Forças Armadas para a defesa
da Revolução, acusa o M. R. P. P. dos seguintes factos: em 15 de
Maio, sequestro do ex-fuzileiro Coelho da Silva, que posteriormente
foi espancado por militantes desse movimento; em 18 de Maio,
espancamento do alferes comando Marcelino da Mata, e de mais dois
indivíduos; em 18 de Maio, em Coimbra, sequestro, espancamento e
outras sevícias ao primeiro-cabo comando reformado e mutilado de
guerra Maximino dos Santos.”
14. A prisão de
Arnaldo Matos a 28 de Maio de 1975 torna-se o pretexto para o
exacerbar do culto da personalidade em torno do secretário-geral
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Deixando de lado as
imprecisões quanto ao número de pessoas torturadas e à natureza
das torturas praticadas pelo MRPP, há neste comunicado uma
mistificação incontornável: num primeiro momento as chefias
militares quer do RALIS quer do COPCON não só não fizeram nada
para impedir a actuação do MRPP, como colaboraram com esse
movimento. Como bem se lia no já citado comunicado da 5ª Divisão
do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) sobre a entrega
de José Jaime Coelho da Silva no RALIS: “foi uanimemente entendido
que fosse imediatamente nomeada, (por eleição) uma comissão de
militares autorizada pelo delegado do Copcon, para proceder à
exploração de informações e documentos na posse do elemento
detido”.
Nas
detenções foram usados os célebres mandatos de captura em branco
assinados por Otelo.
Mas não só. Nas
detenções foram usados os célebres mandatos de captura em branco
assinados por Otelo. Enquanto comandante do COPCON, Otelo deixava
vários mandatos assinados, bastando depois à força militar que
fosse efectuar as prisões escrever o nome de quem pretendia prender.
Assim sucedeu nestas detenções sendo que no caso de José António
Veloso quem posteriormente preencheu o mandato indicava chamar-se
Evaristo a pessoa prender.
E por fim militares
do COPCON participam em várias das detenções dos ditos
reaccionários denunciados por Jaime Coelho da Silva, reaccionários
esses que uma vez no RALIS foram entregues ao grupo de
interrogadores-torturadores do qual o MRPP fazia parte.
Do
domínio das especulações (e das teorias da conspiração!) são as
razões que levaram o COPCON e as autoridades militares a tomar a
decisão de prender centenas de militantes do MRPP, chegando os
jornais a publicar que estava ser equacionada a possibilidade de os
internar num campo de trabalho na Berlenga Grande.
Do domínio das
especulações (e das teorias da conspiração) são as razões que
levaram o COPCON e as autoridades militares a tomar a decisão de
prender centenas de militantes do MRPP, chegando os jornais a
publicar que estava ser equacionada a possibilidade de os internar
num campo de trabalho na Berlenga Grande.
Do domínio das
certezas é que civis e militares afectos do MRPP recorreram ao
cárcere privado e à tortura em Maio de 1975. Mas não foram os
únicos. Igualmente certo é que o destino (ou seria a dinâmica da
luta de classes?) levou os militantes do MRPP não só a passar
algumas semanas de Junho de 1975 nesse mesmo Forte de Caxias em que
Marcelino da Mata, Jaime Coelho da Silva e outros que tinham
torturado eram mantidos incomunicáveis, mas também a partilharem,
na qualidade de vítimas, as páginas do relatório elaborado pela
Comissão de Averiguação de Violências sobre Presos Sujeitos às
Autoridades Militares. Aí lê-se sobre a vaga de prisões que caiu
sobre o MRPP a 28 de Maio de 1975 que “durante a operação foram
cometidas violências injustificáveis e outras que não foi possível
evitar em virtude da actuação dos militantes do MRPP”.
Noite de passagem de
ano de 1975 para 1976
Parecem ter passado
anos sobre os acontecimentos do RALIS e a investida do COPCON sobre o
MRPP. A “linha negra” e a “linha vermelha” tinham-se
enfrentado e o inevitável acontecera: Saldanha Sanches, agora o
“renegado Sanches”, deixara o MRPP. O país mudara após o 25 de
Novembro e o MRPP ficara do lado dos vencedores. Daí a meses fará
mesmo parte da lista de partidos que apoiam a candidatura
presidencial do general Ramalho Eanes.
Fosse por tudo isto
ou por quaisquer outras razões, vários dirigentes do MRPP celebram
a entrada no Novo Ano. Não consideram estar num reveillon, ceia ou
Noite do Galo. Como convém ao imaginário daquele movimento, essa
confraternização decorre sob o lema “Viva a Cultura Democrática
e Popular”. Canta-se de punho erguido. Tocam-se ferrinhos e outros
instrumentos populares. Arnaldo Matos corta a primeira fatia de um
bolo. Um dos presentes é precisamente Aventino Teixeira, o mesmo
major que há sete meses explicara a Carlos Fabião, então general
Chefe do Estado-Maior do Exército e agora coronel, que os incidentes
do RALIS eram consequência da luta entre a “linha negra” e a
“linha vermelha”.
18. A cultura tinha
de ser patriótica, científica, de massas, operária, democrática e
popular. Quase manifestação cultural alguma cumprai esses
requisitos
Quase cinco meses
depois desta celebração, a 28 de Abril de 1976, o Diário de Lisboa
divulga três fotos desse momento. Aliás dá-lhe mesmo honras de
primeira página. “O «Reveillon» do MRPP em exclusivo DL”,
lê-se na capa deste vespertino próximo do PCP. Na página 12, um
texto mordaz acompanha as fotos:
“Informaram-nos
(mas não conseguimos obter qualquer confirmação) de que estas
fotografias foram fornecidas à CIA pelos serviços de segurança
chineses. Sem perda de tempo a agência norte-americana ofereceu-os
ao KGB por intermédio de um agente duplo português, mas haveria que
pagar muito dinheiro: tratava-se uma reportagem verdadeiramente
histórica. O KGB dispôs-se a pagar por elas até ao limite de um
milhão de rublos…”
O texto prossegue um
pouco mais, sempre neste tom sarcástico que aponta directamente para
a megalomania do movimento liderado por Arnaldo Matos que em tudo via
conspirações da “camarilha social-fascista” do partido de
“Barreirinhas Cunhal” e manobras do “imperialismo e seus
lacaios”.
A 17 de Maio, menos
de um mês depois de o Diário de Lisboa ter divulgado aquelas fotos,
chegava a resposta do MRPP ao que vê como um atentado: um grupo de
cinco militantes do MRPP dirige-se a casa de António Ferreira de
Sousa, um militante que deixara aquele movimento na sequência da
ruptura protagonizada por Saldanha Sanches.
Ao
fim de uma hora cheia de muitas perguntas, alguns murros e exibição
de um revólver por parte dos atacantes, estes decidem levar consigo
António Ferreira de Sousa e a mulher.
António Ferreira de
Sousa não estava. A mulher, também ela ex-militante do MRPP, diz
que o marido chegará mais tarde. O grupo espera. À 1h 30 já do dia
18, aparece finalmente António Ferreira de Sousa. Segundo relata o
Diário de Lisboa do dia 19 de Maio, o “comando do MRPP” força a
entrada, começam de imediato a agredir António Ferreira de Sousa,
acusam-no de fazer “parte de de um complot social-fascista que
teria cedido ao Diário de Lisboa as fotos do reveillon do MRPP.”
Ao fim de uma hora
cheia de muitas perguntas, alguns murros e exibição de um revólver
por parte dos atacantes, estes decidem levar consigo António
Ferreira de Sousa e a mulher. O destino era o bairro burguês da Lapa
onde vivia um irmão de António. Aí a cena repete-se: a entrada na
casa é forçada, António Ferreira de Sousa e o irmão são levados
para uma sala para serem interrogados e a mulher de António, tal
como a sua cunhada, são fechadas num quarto.
20. A 28 de Abril de
1976 o Diário de Lisboa, jornal próximo do PCP, divulga fotos do
que descreve como o reveillon do MRPP
O interrogatório do
qual se ia lavrando um auto decorria entre murros e perguntas. A
fazer fé no depoimento dos irmãos Ferreira de Sousa ao Diário de
Lisboa, as perguntas oscilavam entre “o António [Ferreira de
Sousa] faz ou não parte de um comploto social-fascista dentro do
MRPP?” ou “o Grupo dos Nove está ou não metido nisto?”
O interrogatório
arrasta-se por algumas horas. A tensão aumenta quando o revólver é
engatilhado, um som que não é apenas ouvido pelos irmãos Ferreira
de Sousa mas também pelas mulheres que tentam libertar-se.
Às
cinco e meia o grupo resolve partir. Levam agendas e deixam um aviso:
"Desta vez foi à porrada. Da próxima vez será a tiro." A
próxima vez acontece 24 horas depois.
Às cinco e meia o
grupo resolve partir. Levam agendas e deixam um aviso: “Desta vez
foi à porrada. Da próxima vez será a tiro.” A próxima vez
acontece 24 horas depois. Não na casa da Lapa dos irmãos Ferreira
de Sousa, mas sim na Amadora onde vivia Eduardo Miranda, também ele
ex-militante do MRPP. Mas não só. Eduardo Miranda tinha
desempenhado as funções de repórter fotográfico no Luta Popular.
Para lá de interrogar Eduardo Miranda, o grupo, agora reduzido a
dois elementos, pretende levar o arquivo de fotos que Eduardo Miranda
tem em casa.
Fosse porque o grupo
era mais pequeno, fosse porque a relação entre vizinhos era na
Amadora muito mais próxima, do que na Lapa, a verdade é que mal
começam as agressões acorrem várias pessoas, entre elas os pais de
Eduardo Miranda, e os dois militantes do MRPP põem-se em fuga. Para
trás ficou a pistola. Para sempre ou pelo menos até 2015 ficou a
palavra de ordem que mais arrebatava o MRPP: morte aos traidores.
No congresso que
realizam ainda nesse ano de 1976 os trabalhos encerram com um
discurso de Arnaldo Matos que termina lançado vivas à classe
operária, ao comunismo, ao marxismo-leninismo, ao MRPP, ao PCTP…
Algumas das palavras de ordem são repetidas.
No congresso que o
MRPP realiza ainda nesse ano de 1976 os trabalhos encerram com um
discurso de Arnaldo Matos que termina lançado vivas à classe
operária, ao comunismo, ao marxismo-leninismo, ao MRPP, ao PCTP…
Algumas das palavras de ordem são repetidas. Quais? As que pedem
morte. Três vezes. Como no teatro, ouve-se Arnaldo Matos gritar:
Morte aos traidores.
Morte aos renegados.
Morte aos traidores.
Morte aos renegados.
Morte aos traidores.
Morte aos renegados.
Finda a ditadura e
terminado o PREC a morte deixara de ser o desfecho que a justiça
popular justificava. Mas era um símbolo. E os símbolos, como o MRPP
bem sabia, contam. E os da morte ainda mais.
José
Queirós está preso há algumas semanas numa casa clandestina
pertencente a uma organização da extrema-esquerda maoista, a OCMLP.
Já é a segunda casa por que passa. O seu destino está nas mãos do
grupo que tomou conta da organização.
Salvo pelo 25 de
Abril
No dia 26 de Abril
de 1974 são libertados 85 presos presos políticos do Forte de
Caxias e 43 de Peniche. Contudo havia mais um preso político em
Portugal. Não foi libertado a 26 de Abril nem sequer nos dias
imediatos. Aliás só soube do golpe militar porque numa ida à casa
de banho viu um jornal que dava conta da queda do regime chefiado por
Marcello Caetano.
Este homem (em 1974
aos vinte e poucos anos era-se considerado um homem) está preso há
algumas semanas numa casa clandestina pertencente a uma organização
da extrema-esquerda maoista, a OCMLP. Já é a segunda casa por que
passa. O seu destino está nas mãos do grupo que tomou conta da
organização.
Chegara à direcção
da OCMLP no final de 1973, mas tomou posição contra a via da luta
armada e acabou preso pelo grupo que pretendia impor a linha
guerrilheira.
José Queirós,
nascido em 1951, no Porto, era dirigente da OCMLP. Ou melhor dizendo
tinha sido. A organização vivera no início de 1974 um processo de
tensão interna acerca da opção ou não pela luta armada contra o
regime. José Queirós que chegara à direcção da OCMLP no final de
1973, tomou posição contra a via da luta armada e acabou preso pelo
grupo que pretendia impor a linha guerrilheira.
O pretexto para o
encontro em que seria sequestrado é a necessidade de reforçar a
segurança da organização: um dirigente da OCMLP fora preso pela
PIDE o que colocava toda a organização numa situação
particularmente vulnerável pois não só havia o risco de, sob
tortura, os presos darem informações, como os documentos que lhes
eram apreendidos forneciam por vezes informações que permitiam à
PIDE efectuar novas detenções.
30. Janeiro de 1974.
O Grito do Povo apela a um frente comum dos 'povos oprimidos». Ao
mesmo tempo a organização vive uma dramática luta pelo poder no
seu interior.
2 fotos
No local da reunião,
uma casa na zona de Aveiro, José Queirós acaba sob ameaça de armas
a ser vendado e levado de carro para uma outra casa mais a Norte.
Garante que durante
o tempo em que esteve preso nunca foi maltratado. Também garante que
teve (talvez tenha mais hoje do que naquela época, que nestas coisas
a idade conta) a noção de que o desfecho daquela situação podia
ser-lhe fatal. Armas não faltavam e sobrava também o imaginário
sobre justiça revolucionária.
Pedro Bacelar de
Vasconcelos, hoje dirigente do PS e deputado, foi militante da OCMLP
e, após ter desertado do serviço militar em 1973, esteve
clandestino para a Covilhã. Até que é preso pela própria
organização, "julgado" de olhos vendados, e sentenciado a
uma pena leve – colocação fora do país.
Aliás um
julgamento, por assim dizer, embora com uma pena leve – colocação
fora do país – já fora realizado a um outro membro da
organização, Pedro Bacelar de Vasconcelos. Este militante da OCMLP,
após ter desertado do serviço militar em 1973, fora clandestino
para a Covilhã, onde cumpre o desígnio transversal a vários jovens
dos movimentos comunistas de partilharem a vida dos operários.
Para lá de José
Queirós ser o português com a resposta mais insólita à clássica
questão “Onde é que estavas no 25 de Abril?” ficou para sempre
a pergunta: E se não tivesse havido 25 de Abril, qual teria sido o
seu destino?
Esta experiência do
“ir para a fábrica” seria interrompida em Março de 1974 quando
é acusado de ter entregue uma parte da organização estudantil da
OCMLP em Coimbra ao MRPP. Em entrevista a Miguel Cardina para o livro
Margem de certa maneira. O maoismo em Portugal 1964-1974 Pedro
Bacelar de Vasconcelos recorda as condições em que decorreu esse
julgamento:
“Sou conduzido sob
detenção para a zona de Aveiro-Águeda onde sou julgado. Não há
tortura, estou preso num espaço extremamente exíguo, pouco maior do
que uma despensa (…) praticamente durante uma semana. Essa detenção
era interrompida por sessões de julgamento, de olhos vendados,
interrogado por pessoas que estão, presumo, atrás de mim”.
No fim a realidade
impôs-se: Pedro Bacelar de Vasconcelos voltou para Portugal. José
Queirós foi finalmente posto em liberdade pelos seus captores. Para
lá de José Queirós ser o português com a resposta mais insólita
à clássica questão “Onde é que estavas no 25 de Abril?” ficou
para sempre a pergunta: E se não tivesse havido 25 de Abril, qual
teria sido o seu destino?
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