Como
resistir ao unilateralismo
TERESA DE SOUSA
18/11/2015 - PÚBLICO
1.A
Europa acaba de receber um brutal murro num dos seus pontos mais
vulneráveis. A França está no coração da integração europeia.
A França continua à procura do seu lugar na Europa que emergiu da
reunificação alemã e europeia.
Ainda está a tentar
retomar a respiração. Não tem muito tempo para encaixar o ultraje
e começar a pensar globalmente a teia complexa de desafios vitais
que enfrenta no longo prazo. A dimensão dos acontecimentos de Paris
não é dada apenas pelo terror vivido na cidade-luz. Antes do 13 de
Novembro, as forças de segurança francesas tinham conseguido
impedir cinco atentados. No Reino Unido ou na Alemanha a média dos
atentados evitados é sensivelmente a mesma. Sabe-se hoje que os
terroristas prepararam a operação na Bélgica e na Alemanha. E já
se sabia desde os atentados de Londres em 2005 que a maioria dos
terroristas eram cidadãos europeus, da segunda ou terceira geração
de imigrantes muçulmanos. Também se sabia que as acções dos
“lobos solitários” rapidamente se poderiam transformar numa rede
melhor organizada e mais directamente dependente do autoproclamado
Estado Islâmico. Em Setembro, o editor de Segurança do Financial
Times escrevia um artigo a antecipar esta mudança. O Daesh “está
a dar forma a uma política para expandir a sua influência,
conquistar novos territórios, desestabilizar os seus vizinhos e
exportar terror para os seus inimigos mais distantes”. Paris
comprova esta nova estratégia e exige muito mais do que gigantescas
manifestações nas ruas da capital francesa ou o gesto solidário
que cobriu os mais emblemáticos monumentos europeus e
norte-americanos com as cores da bandeira francesa ou a redescoberta
da Marselhesa, que David Cameron prometeu cantar no encontro amigável
de futebol entre o Reino Unido e a França, perto de Londres, que se
realizou ontem, também com a presença de Angela Merkel
2.Para lá das
emoções que ainda estamos a viver, houve em Paris uma mudança de
página. Ficar tudo na mesma deixou de ser opção. A resposta não
pode ser apenas francesa, terá de ser europeia. Exige, de uma vez
por todas, aos europeus que definam uma estratégia comum para
sobreviver no mundo que os rodeia. Da economia à segurança. Cada
gesto e cada decisão política de Hollande terão de ser pensados
nesta perspectiva ou significarão muito pouco. Cada gesto ou cada
decisão dos seus principais parceiros tem de ter este objectivo em
vista. As feridas abertas pela crise do euro ainda não sararam. O
desafio que enfrenta é mil vezes mais exigente. Terá de perceber,
como diz Joscka Fischer, que ou se salva em conjunto ou ninguém,
pequeno ou grande, se salvará. No site do European Coucil on
Foreign Relations, Mark Leonard lembrava que a Europa deixou de
conseguir exportar a democracia para passar a importar o caos. Há
dois anos teve de enfrentar a crise ucraniana.
3.O brutal murro no
estômago aconteceu no exacto momento em que a Europa enfrentava uma
outra consequência dramática da instabilidade e da violência
instalada nas suas fronteiras. A vaga de refugiados que lhe entrou
pela porta dentro fugindo da mesma barbárie que agora atingiu o
coração da França era, em si mesma, um desafio aos valores
europeus, tocando no mais fundo da sua identidade política. Como
sabemos a resposta não foi animadora. Angela Merkel viu-se alvo de
um forte ataque interno (e de variadíssimas críticas externas),
apenas porque disse que não ia fechar as portas aos refugiados
porque não era essa a Europa que desejava. O regresso “temporário”
das fronteiras já era um sinal preocupante. Os atentados de Paris
vieram dar um novo contexto a esta crise, oferecem de bandeja aos
partidos xenófobos e antieuropeus matéria para reforçar a sua
ideologia do medo e do nacionalismo. Também neste capítulo a França
é um elo fraco, perante a Frente Nacional de Marine Le Pen, que será
o pesadelo das próximas eleições presidenciais. O pior é o efeito
corrosivo do medo nas democracias europeias. E o medo é o pior
inimigo da razão. Saber o que fazer não será fácil. Saber o que
não fazer remete-nos para as consequências do 11 de Setembro.
4. As primeiras
palavras do Presidente francês foram o eco de outras que já muita
gente tinha esquecido: aquelas que George W. Bush pronunciou depois
dos atentados de Nova Iorque e de Washington quando decretou a guerra
à guerra da Al-Qaeda. O que aconteceu depois foi uma alteração
radical e unilateral da política externa americana com consequências
profundamente negativas para o sistema internacional, que hoje já
quase toda a gente reconhece. Fraca e de mal consigo própria, a
França continua a ser um dos raros países europeus capazes de
projectar o seu poder militar. Hollande já o tinha comprovado no
Mali, na República Centro-Africana, quando liderou a guerra na Líbia
com os ingleses ou na sua disponibilidade imediata de apoiar Obama na
retaliação contra o regime sírio, quando Assad ultrapassou a linha
vermelha do recurso às armas químicas. A sua declaração de guerra
não é apenas retórica, destinada a tranquilizar os franceses. A
decisão de accionar o artigo do Tratado de Lisboa que define a
chamada “cláusula de solidariedade” em caso de ataque a um dos
membros da União, vai no mesmo sentido. A resposta foi unânime e
veio em primeiro lugar de Berlim. Percebe-se a urgência de Paris.
Mas nada disto chega para enfrentar os desafios estratégicos que a
Europa tem pela frente.
5. Merkel não
poupou um só gesto de solidariedade quando Paris sofreu os atentados
contra o Charlie Hebdo. Emendou os seus erros no Mali e na Líbia,
porque percebeu que havia um problema sério de segurança europeia.
Qualquer resposta francesa que seja séria tem de envolver Berlim. Ir
a Moscovo e a Washington para criar uma grande coligação
internacional contra o Estado islâmico talvez não fosse a sua
melhor opção. Bertrand Badie diz à AFP que, na verdade, a França
“não tem grande margem de manobra” para lançar uma resposta
imediata e forte. “As coisas jogam-se entre russos e americanos e
nós tentamos estar presentes ”. O risco óbvio é dar a Putin
aquilo que ele quer, ou seja, o reconhecimento da sua política
agressiva de alteração das fronteiras na Europa, esquecendo a
ameaça à segurança europeia que constitui a sua doutrina
revisionista. Ironicamente, a França era a potência ocidental mais
crítica de qualquer cedência a Putin no que diz respeito ao destino
de Assad. Qual é a prioridade? “Acabar com Assad ou esmagar o
Daesh”, pergunta o antigo primeiro-ministro francês Alain Juppé,
inclinando-se para a segunda opção. Infelizmente as coisas não são
assim tão simples. Hollande devia ir a Moscovo e a Washington com a
chanceler e com o beneplácito da própria União Europeia. Merkel,
que liderou a resposta a Putin na crise ucraniana, conquistou o
direito a estar presente quando se trata de segurança e defesa.
Putin pode ser essencial na resposta à guerra na Síria mas a Europa
e os EUA não lhe podem oferecer de mão beijada um regresso triunfal
ao estatuto de grande potência.
David Cameron seria
naturalmente outro dos actores principais do que poderá ser uma
estratégia europeia. Mas as mudanças e os cortes que está a fazer
na política externa e de defesa britânicas colocam muitas dúvidas
sobre o seu comportamento, ao ponto de parecer por em causa a
“relação especial” com os EUA que marcou a política britânica
desde o pós-guerra. Deu agora sinais de que está disponível para
ajudar a França, reforçando a sua participação simbólica nos
bombardeamentos no Iraque e na Síria mas tem estado estranhamento
ausente do palco europeu, incluindo nas questões de segurança.
A Europa enfrenta um
tremendo desafio que determinará provavelmente o seu futuro. O
problema é se ainda vai encontrar forças para sobreviver unida num
mundo do qual se esqueceu durante demasiado tempo.
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