Poeta
condenado à morte na Arábia Saudita
LUÍS MIGUEL QUEIRÓS
20/11/2015 - PÚBLICO
Preso
há quase dois anos, Ashraf Fayadh, um dos nomes centrais da nova
cena artística saudita, foi sentenciado à morte, acusado de
renunciar ao Islão.
O poeta, artista
plástico e curador palestiniano Ashraf Fayadh, radicado na Arábia
Saudita e considerado um dos nomes mais importantes da nova cena
artística do país, foi esta semana condenado à morte por ter
renunciado ao Islão.
Um tribunal saudita
ordenou na terça-feira a execução de Fayadh, que tem agora 30 dias
para recorrer da decisão. Mas activistas que vêm acompanhando o
processo contam que lhe está a ser vedado o acesso a representantes
legais e que as autoridades lhe proíbem todas as visitas.
Com 35 anos, Fayadh
é um dos responsáveis da associação cultural e artística Edge of
Arabia, e comissariou várias exposições na Europa, designadamente
na Bienal de Veneza, mas foi a sua poesia que o levou à prisão,
primeiro em Agosto de 2013, e novamente em Janeiro de 2014.
Em Maio do ano
passado, um tribunal de Abha, no sudoeste da Arábia Saudita,
condenou- o a quatro anos de prisão e 800 chicotadas. Mas Ashraf
Fayadh voltou a ser julgado no mês passado e um novo juiz condenou-o
agora à morte.
Mona Kareem, uma
activista que tem feito campanha pela libertação de Fayadh, disse
ao jornal inglês The Guardian que este não pôde contratar um
advogado porque os seus documentos de identificação foram
confiscados quando da sua última prisão. E garante ainda que o novo
juiz “nem sequer falou com ele, limitou-se a anunciar a sentença”.
“Fayadh foi
sentenciado à morte após ter estado preso durante mais de 22 meses
na cidade saudita de Abha sem quaisquer acusações claras, além de
‘insultar Deus’ e de ‘ter ideias que não se adequam à
sociedade saudita’”, denuncia o texto de uma petição da
Amnistia Internacional que apela à sua libertação. O mesmo
documento lembra que a sua prisão se baseou na interpretação que
um leitor fez do livro de poemas que Fayadh publicou em 2008, e cujo
título é traduzível por “Instruções no Interior”.
“Acusaram-me de
ateísmo e de propagar pensamentos destrutivos”, disse Fayadh ao
Guardian, acrescentando a sua própria visão do livro: “Era só
sobre a minha condição de refugiado palestiniano, sobre questões
culturais e filosóficas, mas os extremistas religiosos leram nele
ideias destrutivas contra Deus”.
Mas Mora Kareem e
outros apoiantes de Fayadh acreditam que a verdadeira razão que
levou a linha dura do regime de Salman bin Abdulaziz – que assumiu
em Janeiro o trono da monarquia islâmica wahabista, após a morte do
rei Abdullah, seu meio-irmão – a pressionar para que o artista
fosse executado não terá sido tanto a sua poesia, mas o facto de
este ter publicado um vídeo na Internet onde se vê a polícia
religiosa de Abha a chicotear um homem em público.
Em declarações ao
Guardian, Kareem afirma ainda acreditar que Fayadh também está a
ser perseguido por ser um refugiado palestiniano, embora tenha de
facto nascido na Arábia Saudita.
A primeira prisão
de Fayadh ocorreu no Verão de 2013, após este se ter envolvido com
outro criador numa discussão sobre arte contemporânea, num café de
Abha. No dia seguinte foi libertado sob fiança, mas voltou a ser
preso no dia 1 de Janeiro de 2014. Amigos de Fayadh dizem que a
dificuldade de provar que a sua poesia promovia o ateísmo levou a
polícia local a inventar outras acusações, como a de fumar e usar
o cabelo comprido.
Quando chegou a
julgamento, em Fevereiro de 2014, já era acusado de blasfemar em
público, promover o ateísmo entre os jovens, e manter relações
ilícitas com mulheres cujas fotos guardaria no seu telemóvel.
Fayadh negou as acusações de ateísmo, afirmando-se um muçulmano
fiel, e explicou que as imagens no telemóvel tinham sido captadas
durante uma semana de arte na cidade saudita de Jidá.
Este caso, diz David
Batty, que escreve no Guardian sobre artes visuais, mas é também um
especialista no Médio Oriente, “está a sublinhar as tensões
entre os conservadores religiosos da linha dura e o pequeno mas
crescente número de artistas e activistas que estão a tentar
empurrar as fronteiras da liberdade de expressão na Arábia
Saudita”, um país, lembra, onde o cinema é proibido e não há
escolas artísticas.
Ahmed Mater,
co-fundador do grupo Edge of Arabia e possivelmente o artista saudita
mais conhecido internacionalmente, diz que todos em Abha estão a
rezar pela libertação de Fayadh. E outro membro da associação, o
artista britânico Stephen Stapleton, acrescenta que Fayadh “foi
uma figura-chave no processo que levou a arte saudita a um público
global”.
Um investigador da
ONG Human Rights Watch, Adam Coogle, diz que esta sentença mostra “a
completa intolerância” da Arábia Saudita perante “quem quer que
seja que não partilhe a visão religiosa, política e social imposta
pelo governo”. Coogle defende ainda que as acusações apresentadas
no processo não configuram quaisquer crimes e que o condenado não
teve direito a ser assistido por um advogado.
O investigador
conclui com uma recomendação ao regime: “Se a Arábia Saudita
quer melhorar o seu cadastro no que respeita aos direitos humanos,
tem de libertar Fayadh e reformar o seu sistema de justiça para
evitar perseguições motivadas apenas por discurso pacífico, e em
especial as que acabam em decapitações”.
Além da petição
lançada pela Aministia Internacional, uma centena de escritores,
artistas, editores, jornalistas e activistas árabes de diversos
países tinha já promovido uma petição pela libertação do poeta
e artista palestiniano. “Permanecer em silêncio perante a detenção
de Fayadh é um insulto ao conhecimento, à literatura, à cultura e
ao pensamento, bem como à liberdade e aos direitos humanos”,
escrevem os signatários.
A sentença de morte
agora anunciada, centrada na acusação de apostasia, coincide com um
momento em que muitas vozes, na sequência dos atentados de Paris,
criticam os Estados Unidos e as potências europeias pela sua
política de alianças na região, e particularmente pela sua
complacência com a ditadura islâmica saudita.
|
Sem comentários:
Enviar um comentário