As
atenções voltam-se para um fugitivo e para Molenbeek, o “ninho de
terroristas” de Bruxelas
FÉLIX RIBEIRO
15/11/2015 - PÚBLICO
Um
dos mais complexos ataques terroristas na Europa foi orquestrado em
Bruxelas, numa zona de pobreza, exclusão e radicalismo. Há um
suspeito “perigoso” em fuga.
A polícia francesa
procura aquele que pode ter sido o oitavo homem nos atentados de
sexta-feira em Paris. É Salah Abdeslam, “perigoso”, nas palavras
das autoridades, francês nascido na Bélgica e irmão de outros dois
homens envolvidos nos atentados. Os três viviam em Bruxelas. Um
deles fez-se explodir na noite dos ataques e o outro foi detido na
capital belga, com outras seis pessoas que se acredita estarem
ligadas a um dos mais complexos ataques terroristas da história
recente na Europa. Mantêm-se os 129 mortos, apesar de haver quase
cem feridos em estado grave.
Antes de se saber
que Salah estava em fuga, já se amontoavam suspeitas de que nem
todos os atacantes de Paris estavam mortos. Na manhã deste domingo,
a polícia francesa encontrou o segundo dos dois carros de matrícula
belga que foram usados. Era o Seat preto que testemunhas diziam ter
transportado os extremistas entre quatro cafés e restaurantes.
Dentro do carro estavam três espingardas automáticas Kalashnikov.
Estava estacionado fora da zona dos ataques.
Não está ainda
confirmado que papel desempenhou Salah, de 26 anos, mas já há nomes
para vários dos oito atacantes. Acredita-se que pelo menos dois
tenham estado na Síria e em contacto com o autoproclamado Estado
Islâmico, em nome de quem executaram os ataques. O primeiro é Omar
Ismaïl Mostefaï, cidadão francês e já conhecido das autoridades
desde sábado. O segundo é Bilal Hadfi, um dos bombistas suicidas do
Estádio de França. A polícia francesa negou entretanto que o
passaporte sírio encontrado junto ao corpo de um outro bombista e
registado como refugiado na Grécia em Outubro pertencesse a qualquer
atacante.
A ligação dos
acontecimentos de sexta-feira à Bélgica está comprovada. “[O
ataque] foi preparado no estrangeiro e mobilizou uma equipa
localizada em território belga que pode ter beneficiado – a
investigação vai dizer-nos mais – de cúmplices em França”,
disse neste domingo o ministro do Interior francês, Bernard
Cazeneuve.
As matrículas
belgas já tinham voltado as atenções para o país vizinho. Mas o
que a polícia francesa acabaria por encontrar no Volkswagen alugado
por um irmão de Salah foi o mesmo que dar um salto de gigante na
investigação: atirada despreocupadamente para o chão, estava uma
multa de estacionamento amarrotada, registada em Molenbeek. A menção
desta comuna de Bruxelas foi o suficiente para que o Governo francês
começasse a encarar a mão do Estado Islâmico de forma mais séria
e passasse a olhar para a Bélgica como o sítio onde seria mais
provável terem sido orquestrados os atentados. Isto apesar de o New
York Times escrever que houve algum contacto entre os jihadistas e
combatentes do Estado Islâmico na Síria.
Se os olhos da
polícia estão por agora postos no fugitivo Salah, a investigação
olha quase inteiramente para Molenbeek. Têm razões para o fazer.
Esta comuna de 95 mil pessoas de Bruxelas está ligada a alguns dos
mais importantes atentados terroristas na Europa da última década.
Um dos principais líderes do atentado de 2004 em Madrid era de
Molenbeek. Foi lá que Amedy Coulibaly comprou as armas que usou no
ataque a um supermercado judeu em Paris. O mesmo aconteceu com o
homem que tentou, sem sucesso, cometer um atentado no comboio de
alta-velocidade que fazia a viagem de Bruxelas a Paris, em Agosto. E
com o homem suspeito de ter matado quatro pessoas no museu judaico de
Bruxelas.
Mas há mais na
memória recente da Europa que se traça a este local. Poucos dias
depois dos ataques ao supermercado judeu e ao jornal satírico
Charlie Hebdo, as forças especiais belgas mataram dois suspeitos
jihadistas em Verviers, numa altura em que estes estariam a preparar
um “grande” ataque. Nasceram ambos em Molenbeek e pertenciam a um
grupo que queria impor um Estado Islâmico na capital da Bélgica.
Não foi por isso com dificuldade que a jornalista Dominique
Demoulin, confrontada com o rasto de Bruxelas nos ataques a Paris,
disse na rádio RTL aquilo que viria a ser repetido um pouco por toda
a imprensa internacional. Molenbeek é um “ninho de terroristas”.
Local, ou nacional?
Apesar da sentença
de Demoulin e de todos os caminhos extremistas que vão dar a esta
comuna de Bruxelas, há muito de semelhante entre Molenbeek e outros
espaços residenciais na Bélgica ou até em França. Muito do que lá
salta à vista como as causas da radicalização da sua comunidade
muçulmana existe em outros locais da Europa. E com as mesmas
consequências.
Molenbeek é uma das
zonas mais pobres e populosas no país. Há quase 100 mil habitantes
em apenas seis quilómetros quadrados, o desemprego ronda os 30% em
termos absolutos e 40% na população jovem. Um quarto dos habitantes
desta comuna é árabe – resultado da grande vaga de imigração do
Magrebe de língua francesa. Mas esta minoria enfrenta graves
problemas de integração na sociedade belga. Bruxelas, tal como em
França, proíbe o uso público de burka. Em 2012, quando uma mulher
de Molenbeek foi detida por violar esta lei, a sede da polícia local
foi atacada por um grupo de jovens muçulmanos.
A juventude
desempregada e desintegrada é alvo fácil para o grande número de
radicais islâmicos que se conhecem na comuna, muitos regressados de
combaterem contra as forças ocidentais no Iraque. Muito do que se
escreve sobre Molenbeek poderia atribuir-se ao subúrbio parisiense
onde nasceram, viveram e se radicalizaram os irmãos Kouachi. Os
jihadistas que atacaram a redacção do Charlie Hebdo e os “filhos
perdidos da República”, nas palavras de um magistrado francês.
Apesar do panorama
que se vive em Molenbeek, Mathieu Guidère, professor de estudos
islâmicos na Universidade de Toulouse, afirma que esta comuna não é
sequer a zona mais radicalizada do país. “Na Bélgica, temos 19
pontos de radicalização. Molenbeek nem sequer é o mais
radicalizado, mas é o mais próximo de França”, explica,
referindo-se ao facto de Bruxelas estar a poucas horas de carro de
Paris. Menos de 90 minutos, se a viagem for em comboio de
alta-velocidade.
Há problemas de
segurança endémicos na Bélgica e em Molenbeek. O tráfico de
armas, em primeiro lugar, é fácil. O país sempre foi um grande
fabricante de armas e as autoridades belgas estão extremamente
segmentadas, tal como os seus órgãos de decisão política – há
seis departamentos da polícia e 19 presidentes de Câmara só em
Bruxelas. Para além disto, o tráfico é facilitado por acção de
extremistas bósnios que vieram da guerra na ex-Jugoslávia. No
entanto, Guidère toca num ponto inevitável: os problemas
específicos em Molenbeek não escondem uma verdade inconveniente que
se aplica à Bélgica como país.
Não há na Europa,
em termos proporcionais, país de onde mais pessoas saem para se
juntarem ao Estado Islâmico na Síria ou Iraque. O Governo belga
estima que 400 dos quase 11 milhões de habitantes belgas se tenham
juntado ao grupo extremista. São praticamente 40 pessoas por cada
milhão. Em França são 18 e, no Reino Unido, 9,5.
Desilusão com o
Ocidente
Veja-se a ordem de
radicalização em Molenbeek e na Bélgica, segundo o que escreveram
dois belgas especialistas em assuntos muçulmanos no New York Times,
em 2014: Chams Eddine Zaougui e Pieter Van Ostaeyen. Segundo eles, a
maioria dos cidadãos belgas que partem para a Síria ou Iraque não
o faz inicialmente como “islamistas radicais”, mas como
“idealistas”. “Alguns são apenas jovens irresponsáveis;
outros são veteranos das guerras no Afeganistão, Somália, Bósnia
ou Iraque.”
E acrescentam: “O
que a maioria tem em comum, para além do seu desejo em ajudar o
próximo da mesma fé, é uma desilusão com a atitude ocidental
contra os muçulmanos. Na Bélgica, muitos muçulmanos opõem-se à
proibição da burka – uma medida pesada, uma vez que apenas um
punhado de mulheres usa o véu –, enquanto pouco se faz em relação
às preocupações mais urgentes das minorias, como discriminação,
desemprego e privação económica”.
Por enquanto, o que
se alinha para Molenbeek é mais controlo e acção policial. Foi o
que o primeiro-ministro belga e a presidente de Câmara da comuna
pediram neste domingo e o que Jan Jambon, o ministro belga do
Interior – um homem “duro, de direita e anti imigração”, nas
palavras do diário israelita Haaretz –, prontamente se mostrou
disposto a aprovar. “Vou limpar Molenbeek”, disse Jambon, “não
podemos continuar a aceitar isto”.
Sem comentários:
Enviar um comentário