EDITORIAL
O
pesadelo de Cavaco
DIRECÇÃO
EDITORIAL 24/11/2015 - PÚBLICO
O
legado do Presidente nem ao próprio agrada
Depois de 31
audições em Belém, em que claramente privilegiou as opiniões de
quem se sabia partilhar das suas dúvidas em detrimento de quem
alinhava com as posições da esquerda e sem convocar o Conselho de
Estado, o Presidente da República abriu portas à indigitação de
António Costa. Um cenário ainda não absolutamente seguro, dada a
manifesta relutância com que o inquilino de Belém encara a formação
de um Governo minoritário do PS sustentado por BE, PCP e Verdes,
como, aliás, deixa transparecer, de forma cristalina, no documento
que entregou ao líder do PS na audiência de ontem. De resto, todo
esse documento, mais do que um pedido de clarificação sobre um
conjunto de questões, acaba por se transformar num autêntico
repositório de motivos que, em última análise, o impediriam de
indigitar formalmente Costa para primeiro-ministro. Aliás, este
conjunto de questões tem sido amplamente debatido na sociedade
portuguesa e tem constituído a base de argumentação da direita
para pressionar o Presidente a não dar posse a um Governo de
esquerda.
Depois de tanta
formalidade perante Costa – leitura e entrega de um documento
pedindo (exigindo?) uma “clarificação formal” sobre um conjunto
de questões importantes e, no entanto, “omissas”, nos
“documentos assimétricos” subscritos entre o PS e restantes
partidos à esquerda –, supor-se-ia que Cavaco lhe iria pedir
(exigir?) garantias adicionais por parte de terceiros,
designadamente, PCP e Bloco de Esquerda, que, já se sabe, não irão
além do que já foram. Era neste cenário que a direita nitidamente
jogava, quando insistia na necessidade de aprofundamento dos acordos
à esquerda. Ciente da falta de condições para ampliar a natureza
política desses acordos, Passos Coelho e Paulo Portas confiavam que
tal bastava para o Presidente rejeitar o cenário que lhe tinha sido
proposto por Costa. Aparentemente, não é isso que Cavaco Silva vai
fazer, tornando apenas o PS fiel depositário do conjunto de
clarificações exigidas. Se assim for, o líder socialista deverá
ser indigitado a curto prazo e o Presidente dirá que fez tudo o que
estava ao seu alcance para balizar uma solução que obviamente não
deseja. Nesse sentido, a resposta escrita que exigiu de Costa deve
ser entendida como uma espécie de legado passível de ser utilizado
pelo seu sucessor como uma espada capaz de pôr fim à vida do futuro
Governo.
Tolhido pelas
limitações constitucionais do final do seu mandato, o chefe de
Estado levou quase ao extremo a leitura dos seus poderes actuais.
Cavaco Silva foi sempre cioso do seu exercício político, não gosta
de partilhar protagonismos e detesta não ter a última palavra. Os
últimos dois meses são reveladores a esse respeito e o arrastar da
crise política evidencia o sabor amargo de quem se despede do cargo
com a consciência de que não deixa propriamente um Portugal
próspero e feliz. Além de que deve conviver muito mal com o país
nas mãos de um Governo de esquerda. Um pesadelo!
|
Sem comentários:
Enviar um comentário