O que representa a
declaração “estamos em guerra”?
É uma constatação
de impotência. De facto, isto não é uma guerra…
Dizer que se está
em guerra contra o jihadismo é uma declaração de impotência?
O jihadismo
combate-se na sombra, com os serviços de informação. Como,
aparentemente, não se está a conseguir travar na sombra depois
usam-se as palavras para compensar a falta de eficiência das forças
de segurança. No fundo é isso.
Loureiro dos Santos
ENTREVISTA
Loureiro
dos Santos: “Ocupar a Síria com tropas é criar um outro Vietname”
NUNO RIBEIRO
22/11/2015 - PÚBLICO
Loureiro
dos Santos, 79 anos, ministro da Defesa com Mota Pinto e Lurdes
Pintassilgo, em executivos de iniciativa presidencial de Ramalho
Eanes, membro da Academia de Ciências, perito em segurança e
estratégia, reflecte sobre os atentados de Paris. Por Nuno Ribeiro
(texto). Miguel Manso (fotos)
José Loureiro dos
Santos não tem dúvidas das nuvens que a ameaça jihadista provoca
na Europa. Desconfia das grandes proclamações pós-atentados dos
políticos e do anúncio de guerras de vingança. Constata o falhanço
dos serviços de informação e de uma Europa, carente de política
de Defesa e sem coerência no domínio externo. E alerta: uma
intervenção militar na Síria, sempre em último recurso, tem um
imenso perigo. O de criar, mais de 40 anos depois, um novo Vietname.
Um verdadeiro lodaçal.
Na sequência dos
atentados ao Charlie Hebdo disse que a Europa ia ser o palco de uma
guerra. Depois do 13 de Novembro a sua tese confirmou-se?
Sim, só espero que
sejam tomadas medidas suficientes para impedir novos episódios desta
guerra, deste combate entre dois tipos de civilizações. A
civilização ocidental que respeita tipos de normativas e certos
comportamentos e uma civilização muito marcada por normas de
natureza religiosa, portanto com todos os perigos que tem o normativo
religioso que facilmente se transforma em facciosismo e leva ao que
estamos a assistir. No fundo, a razão dos atentados é ideológica,
não há razão prática, não visa conquistar território ou alterar
a situação política no país, o que visa é amedrontar as
populações e transmitir aos seus apaniguados a ideia de força e
capacidade face aos europeus que têm uma maneira diferente de viver
da deles.
Desde Janeiro, do
ataque ao Charlie Hebdo, foi feito o necessário para travar estes
atentados?
Não sabemos. Para
travar estes atentados é basicamente necessário reforçar e
articular os serviços de informações europeus. É a chave. Se os
serviços de informação não conseguirem detectar e monitorizar a
tempo a organização de grupos que poderão ter uma deriva desta
natureza, mais cedo ou mais tarde esses grupos agem. Então é
tarde. Parece que agora há êxitos da polícia francesa em caçar os
criminosos, mas os crimes já estão feitos e a perspectiva deve ser
a sua prevenção.
Sempre disse,
referindo-se ao terrorismo jihadista, que os seus elementos não nos
vão invadir porque já cá estão. Com a recente vaga de refugiados
não há terreno favorável à extrema-direita?
Até agora não
assistimos a episódios visíveis cometidos por essa extrema-direita,
mas se os atentados continuarem é a situação mais adequada para
que apareçam, se organizem e respondam forças da extrema-direita
invocando a falência do Estado. Este tipo de atentados tem uma
repercussão psicológica brutal. Em França as pessoas andam com
medo, confessam o medo, desconfiando se o outro não é o terrorista.
É uma situação insuportável e para terminá-la é necessário que
os serviços de informações de vários países funcionem e estejam
articulados. A Europa tem esse ponto fraco. A Europa são vários
países, o número de países dificulta a questão, podem surgir
rivalidades e não haver boa coordenação. Normalmente, nesta área,
a informação que se dá é em troca da que se recebe. Pode não ser
em simultâneo, mas há um jogo de barganha.
Qual o papel da
União Europeia?
Acho que foi e é
nulo. Pelo menos não se viram efeitos, o que tem uma explicação. A
Europa, como um todo, não funciona suficientemente. As estruturas
europeias, aquelas que são essenciais e se traduzem na segurança e
no bem-estar dos povos dos países europeus, são muito perras. Têm
dificuldade em funcionar e produzir objectivos.
Também voltámos
aos egoísmos nacionais?
Não sei bem se são
egoísmos nacionais, possivelmente é mais a barganha, o negócio. Um
país que tem conhecimento de uma série de problemas e em vez de os
comunicar para evitar a catástrofe, muitas vezes guarda esse
conhecimento. Não o transmite a outros serviços de informação.
Muitas vezes isso acontece.
Se os serviços de
informação têm debilidades, a solução é pôr tropas no terreno?
As tropas no terreno
só em última instância.
Não estamos nessa
fase?
Em França parece
que sim, e a prova é que têm tropas no terreno.
Este
tipo de atentados tem uma repercussão psicológica brutal. Em
França, as pessoas andam com medo, confessam o medo, desconfiando se
o outro não é terrorista
Loureiro
dos Santos
Defende tropas no
terreno?
Sim, mas não num
envolvimento total. Não é possível os europeus enviarem milhares
de homens para a Síria para combaterem os terroristas. A solução
tem de ser uma aliança com o Estado em causa…
A natureza do regime
sírio não dificulta essa colaboração?
Não tem
dificultado. Neste momento, os franceses e russos estão a
bombardear. Claro que a guerra civil na Síria e o terrorismo estão
misturados. A Rússia, por exemplo, não é dessa opinião.
Para acabar com o
terrorismo na Síria temos de patrocinar um ditador?
Não digo que seja
um ditador. Neste momento, os Estados Unidos estão a enviar
esquadrilhas de aviões para bombardear algumas áreas, o que é
combinado com o Governo sírio. Essas intervenções são possíveis
e úteis. Avançar com tropas e ocupar o território é criar um
outro Vietname. É um lodaçal de onde nunca mais se sai.
O que é preciso
acontecer para haver intervenção no terreno?
Infelizmente quando
houver um número de baixas provocadas pelo terrorismo que alarme a
população e obrigue os próprios Estados a responder. De algum
modo, é o que se está a passar agora em França. Numa das maiores
potências europeias, os seus habitantes andam com medo na rua. A
ideia que está ser transmitida é a de que a França não é um país
seguro.
O Presidente
Hollande falou em "guerra"…
Sim. Mas quando ouço
essa gente falar de guerra, normalmente significa que houve falhas na
preparação dos dispositivos para prevenir. Depois, falam de guerra,
dizem que vão responder, mas é tudo palavras, tudo palavras.
Para consumo
interno?
Exactamente, para
consumo interno. É uma maneira de tentar apagar os efeitos negativos
dos próprios atentados e, neste caso, em França, de travar a
extrema-direita.
O que representa a
declaração “estamos em guerra”?
É uma constatação
de impotência. De facto, isto não é uma guerra…
Dizer que se está
em guerra contra o jihadismo é uma declaração de impotência?
O jihadismo
combate-se na sombra, com os serviços de informação. Como,
aparentemente, não se está a conseguir travar na sombra depois
usam-se as palavras para compensar a falta de eficiência das forças
de segurança. No fundo é isso.
Até que o jogo de
palavras deixe de funcionar.
Isso pode acontecer.
Que o jogo de palavras deixe de funcionar ou que os atentados se
sucedam de tal forma que criem uma sensação de medo generalizado na
população que pode conduzir ao reforço de certas áreas políticas,
nomeadamente extremas, e pode levar, até, à contestação ou à
tentativa de golpes para substituir o Governo com o argumento de que
não cumpre uma das suas funções — garantir a segurança das
populações.
Se a luta contra o
jihadismo não é uma questão militar, a NATO fica de fora?
Julgo que a NATO
pode fornecer alguns dos seus instrumentos, basicamente de
informação. A NATO é uma organização que está no terreno, tem
instrumentos próprios. Como a União Europeia tem pouca coisa, a
única organização internacional que tem instrumentos a funcionar,
uma estrutura organizada e capacidade de acção é a NATO.
É genuína a
preocupação da Rússia no combate ao jihadismo?
Neste caso acho que
sim. É verdade que não estiveram a bombardear o autoproclamado
Estado Islâmico (EI), mas a oposição ao Presidente da Síria. O
que se está a passar na Síria, no fundo é uma série de disputas
desencontradas que decorrem no mesmo lugar. Há a resistência ao
Presidente Bashar al-Assad, os apoiantes deste, os terroristas…
Bashar al-Assad reclama, e tem um pouco de razão, que é a última
garantia de uma certa segurança naquela região.
Esta panóplia de
interesses na Síria não tem garantido a sobrevivência do Estado
Islâmico?
Pelo menos tem
ajudado, porque nesse ambiente de diversas posições divergentes
movimenta-se bem, aproveita essas fracturas entre as unidades
políticas.
Os Estados
organizados já não o deviam ter percebido?
A luta contra o
terrorismo é sempre ingrata. Enquanto os terroristas não agem,
enquanto não há combates e atentados, a população não sente a
necessidade dessa luta.
Na sequência do 11
de Setembro de 2001, temos tido uma sucessão de vespeiros –
Iraque, Líbia, Síria – perante a incapacidade internacional de os
debelar.
Quando aconteceram
as chamadas primaveras árabes, toda a gente bateu palmas. Eu
chamei-lhes as invernias árabes porque, de facto, a alteração de
uma determinada estrutura hierárquica que está a funcionar – pode
não nos agradar – dá uma certa garantia. Há, pelo menos, o
mínimo de condições de segurança que aquela estrutura tem
capacidade de manter. Agora estamos perante o contrário: as
estruturas que deviam controlar internamente nesses Estados todas
estas erupções não funcionam e vêm projectar-se no exterior. É o
que está a acontecer. A Europa, de certa maneira, transformou-se no
terreno de manobra dessas forças.
Quando
ouço falar de guerra (...) significa que houve falhas de preparação,
dos dispositivos para prevenir. Falam de guerra, dizem que vão
responder, mas é tudo palavras
Loureiro
dos Santos
Se a intervenção
militar não é solução, qual a forma de combater o jihadismo?
Evitar o seu
aparecimento, controlá-lo através das informações.
Não deverá haver
políticas mais abrangentes?
Haverá casos de
jihadismo nos quais a sua justificação tem a ver, basicamente, com
a forma como a política interna [de um país europeu] está a ser
conduzida. Então, a política tem de ser alterada, tem de haver
diálogo entre os líderes.
Concorda com os que
apontam a não integração dos jihadistas como a origem dos
atentados?
Admito, mas não
predominantemente. São os próprios jihadistas que não se sentem
participantes daquela sociedade, não concordam com os seus
normativos e combatem-nos. Têm orgulho nos seus princípios e
afirmam-no pela força, atemorizando os outros, o que dá uma
sensação de existência. Perante as dificuldades sociais, afirmam a
sua existência pelo terror, pondo os países, neste caso a França,
em polvorosa. Mas também há jihadistas bem de vida. O problema não
é uma questão de pobreza, mas um problema ideológico, de maneira
de viver.
Esta situação
coloca aos nossos países um equilíbrio delicado entre liberdade e
segurança. Esta dicotomia não é perigosa?
Claro que é. Uma
vez que essa dicotomia é sempre considerada, e não pode haver
liberdade sem segurança pois a segurança é um elemento essencial
da liberdade, mas também não pode haver exageros de segurança que
limitam a liberdade. É, de facto, uma questão delicada. Apesar de
tudo, nos países ocidentais isso tem sido conseguido, Tivemos [na
semana passada] estes atentados, mas de forma geral pode-se dizer que
a Europa, nos últimos tempos, vive em paz. Isto significa que há
sistemas de segurança e serviços de informações a funcionar.
O envolvimento na
luta contra o jihadismo das potências regionais, de outros Estados
muçulmanos, tem sido genuíno?
Para mim não é
muito visível. O envolvimento de potências exteriores à região é
sempre delicado porque pode conduzir a uma escalada. O terrorismo
pode-se estender, como nódoa de azeite, aos países da zona, como
aumentar na sua violência.
Não temos
subestimado a força do EI e as consequências dos seus atentados?
Talvez tenhamos
subestimado. Pelo menos não estamos a dar a resposta necessária, o
nível de resposta é claramente insuficiente para conter as acções
do EI na Europa. Eles recrutam e mobilizam gente que está na Europa,
não precisam de importar os seus elementos, têm matéria-prima para
doutrinar e utilizar. O que é, ainda mais, complicado.
Pôs reservas a uma
intervenção militar, mas sabe que há “falcões” que a querem?
Admito que hajam. A
nível dos estados-maiores, falo dos Estados Unidos e de alguns
países europeus, como a França. Aparentemente, as lideranças
políticas francesas fazem jogo político com estas coisas, não
querem ficar mal.
Como define esse
tipo de actuação?
É condenável.
Não é populismo
parecido com o da extrema-direita?
É o mesmo tipo de
populismo que quer tirar partido em termos políticos.
Dizem que Portugal
não está na rota do jihadismo. Qual é a sua opinião?
Relativamente ao
jihadismo e a todos os focos de violência, Portugal é um país que
não tem expressão estratégica forte, como a Alemanha, a França, a
própria Espanha. Um acontecimento como estes atentados em Paris tem
enorme repercussão que não seria igual, ou parecida, se acontecesse
aqui em Lisboa. Esta é uma das razões. A outra é que Portugal
tradicionalmente é usado pelos grupos que utilizam a força como
zona de recuo, mas não como teatro de operações.
Portugal,
tradicionalmente, é usado pelos grupos que utilizam a força como
zona de recuo, mas não como teatro de operações
Loureiro
dos Santos
Perante um atentado
deste tipo, teríamos condições, do ponto de vista de informação
e segurança, para responder?
Do ponto de vista de
informações presumo que sim, há gente de qualidade à frente. Do
ponto de vista militar temos, mas o recurso aos meios militares
nestes casos não é rentável. O meio militar é poderoso demais,
forte demais…
A PSP, a GNR e a PJ
têm meios?
Penso que sim. Podem
às vezes ter deficiência de efectivos, por exemplo, para vigiar
todos os pontos sensíveis de segurança do país, serem
insuficientes para a vigilância estática e, em resposta, intervir.
Nessa altura teriam de entrar as Forças Armadas para vigilância, em
patrulhas mistas, mas numa situação normal os militares não têm
autorização para utilizar a força. Normalmente, há três graus de
situações: o normal; o grau máximo, o estado de sítio, que passa
pela definição de uma área que passa a estar sob autoridade
militar, como aconteceu no 25 de Novembro de 1975 na área da Região
Militar de Lisboa; existe, ainda, um estado intermédio, o de
emergência, no qual a autoridade continua nas autoridades
administrativas. Claro que tem de haver mecanismos de observação,
normalmente são os serviços de informação que dão os elementos
necessários ao Presidente da República que decide por decreto
presidencial.
“Espero que um
ministro PS dê mais atenção aos problemas da família militar”
No último ano e
meio, foi porta-voz da opinião de oficiais-generais e oficiais sobre
a acção do ministro da Defesa Nacional. Que balanço faz da acção
de José Pedro Aguiar-Branco?
Do ponto de vista
organizativo fez coisas positivas. Racionalizou os meios, isto é,
fez com que houvesse possibilidade de fazer mais com menos.
Do ponto de vista
operacional das Forças Armadas há essa possibilidade?
Não, apenas, do
ponto de vista operacional. Quando temos três núcleos e os
juntamos, mesmo mantendo os efectivos, isso permite aumentar a
capacidade operacional, porque passa a haver menos gente empenhada em
serviços que sempre existem, independentemente da dimensão do
núcleo. Como os serviços de segurança e logísticos. Nesse aspecto
houve alguma racionalização de meios. Julgo que o ministro
Aguiar-Branco falhou especialmente pela retórica, pela maneira como
expôs as situações. Houve alturas em que foi um pouco além do que
seria desejado.
Não foi posta em
causa a operacionalidade das Forças Armadas?
Não, não foi.
Temos forças operacionais.
Essa é uma das
críticas de oficiais-generais e oficiais…
O que aconteceu foi
a redução dos meios militares.
E não pôs em causa
a operacionalidade?
Põe e não põe. No
que respeita ao produto operacional das forças não houve grandes
alterações, é o mesmo produto. O que se passa é que houve uma
forte reorganização do dispositivo, o que é bom pois permite
poupar meios, mas reduziu a presença militar em muitas áreas do
país provocando a reacção das autoridades locais, por motivos de
segurança e económicos. Mas julgo que não podemos apontar ao
ministro grandes erros. Os meios operacionais que temos permitem
exercer a soberania em qualquer parte do país.
O que espera de um
ministro da Defesa do PS?
Espero que tenha
mais atenção com os problemas dos militares e das suas famílias.
Refiro-me ao problema da assistência na Saúde, essas questões que
afectam diariamente a família militar e que, a meu ver, não tiveram
a atenção que deviam do actual ministro.
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