O
Estado Islâmico e a "globalização do terror"
JORGE ALMEIDA
FERNANDES 22/11/2015 - PÚBLICO
Jihadistas
convidam ocidentais a enviar uma expedição para o atoleiro sírio
Conhecemos factos e
as primeiras análises mas sabemos pouco dos atentados de Paris. Há
mais interrogações do que respostas. Até agora, a prioridade
estratégica do Estado Islâmico (EI) parecia ser a sua consolidação
territorial na Síria e no Iraque, o autoproclamado “califado”,
onde montou um “proto-estado”. Terá agora subido de patamar,
desencadeando acções de guerra contra a população civil nos
territórios inimigos. Ataques do EI no Ocidente não são inéditos,
mas uma operação como a de Paris não tem precedentes. E há uma
inquietante sucessão de ataques: o avião russo no Sinai, Beirute,
Paris, Bamako e o alarme de ontem em Bruxelas.
Os atentados de
Paris têm cem vezes mais visibilidade do que ataques como o de
Beirute e as suas dezenas de mortos. E muito mais do que aquilo que
faz no Médio-Oriente, onde a matança se banalizou — cerca de 250
mil vítimas. Paris seria uma forma de elevar o seu estatuto, em
termos de propaganda e recrutamento. E também estender uma armadilha
aos ocidentais, convidando-os a mandar tropas para o “atoleiro
sírio”.
Mudança
de estratégia?
Os analistas
coincidem em muitos pontos. “Os terroristas querem inspirar pavor e
querem fazer-nos agir como desejariam que nós agíssemos”, observa
o francês François Heisbourg, do Instituto Internacional de Estudos
Estratégicos (IISS) de Londres. “O Daesh [EI] está a tentar
atrair-nos para o mais profundo do Oriente.” Ao mesmo tempo quererá
suscitar uma resposta brutal na Europa. Quer destruir aquilo que
denomina de “zona cinzenta”, a da coexistência entre muçulmanos
e não muçulmanos, de modo a tornar irreconciliável a relação
entre os dois mundos.
O EI “declarou
guerra ao mundo”, escreve o americano Will McCants, da Brookings
Institution. “Quer que as potências estrangeiras inimigas saibam
que é capaz de inflingir pesadas perdas às suas populações
civis.” Mas se o seu desígnio é continuar a controlar
territórios, provocar os inimigos mais poderosos é uma má ideia —
sobretudo nos casos da Rússia e do Hezbollah. Talvez queira
desencorajar os ataques contra o seu território, ou talvez procure
vitórias de propaganda para atrair mais recrutas.” E aponta outro
ângulo: “Nos últimos dez anos, o EI perpetrou ataques mortíferos
contra civis iraquianos para levar o seu governo a uma reacção
excessiva.”
Daniel L. Byman,
também da Brookings, fala numa mudança de estratégia. “As
primeiras notas sobre os atentados de Paris sugerem uma perturbante
possibilidade: a de que o EI esteja a mudar de estratégia e a
tornar-se global.” Visaria uma escalada: “À medida que o EI se
torna mais ameaçador, os EUA, a França e outras potências subirão
de nível a intervenção militar contra ele. O que, por sua vez,
dará ao EI novas razões para os atacar.” Conclui: “Se o EI se
tornou mais ambicioso, o mundo deve estar alerta para mais horrendos
atentados. Mas esta viragem pode sair cara ao EI, tornando mais
longínquos os seus fins últimos a longo prazo.” Pode vir a
arrepender-se da “globalização do terror”.
Contrariando esta
ideia, o espanhol Fernando Reinares nega qualquer mudança de
estratégia. O seu órgão de propaganda, Dabiq, anunciou há um ano
a preparação de ataques no Ocidente, referindo expressamente os
EUA, o Reino Unido, a França, a Alemanha e a Austrália. Só começou
a pôr em prática este objectivo quando passou a dispor das
capacidades necessárias. “E é verosímil que parte da rede
coordenada por Abdelhamid Abaaoud, morto na quarta-feira, continue
activa na Bélgica.” As operações de ontem na capital belga
parecem confirmar esta hipótese.
O EI tem estado sob
bombardeamentos ocidentais, a que agora se poderia juntar mais
efectivamente a Rússia, ocupada em flagelar outros jihadistas que
mais directamente ameaçam Assad. O que importa sublinhar é o
seguinte: até agora, eliminar o EI não era um “interesse vital”
de americanos, franceses e russos. É isto que pode mudar. É a
primeira incógnita sobre as consequências do morticínio de Paris.
Que
(não) fazer?
O americano Stephen
M. Walt previne contra uma reacção precipitada visando o envio de
uma nova força expedicionária para a Síria e Iraque. Enfraqueceria
seguramente o EI mas não diminuiria a ameaça directa ao Ocidente.
“Mais pessoas veriam os terroristas como mártires heróicos
resistindo às eternamente hostis forças do Ocidente. O nosso
desafio é derrotar esta estratégia do EI e não cair na armadilha
que nos estende”. “Se comprarmos a sua versão do inexorável
conflito cultural, religioso e civilizacional, podemos acabar a
tornar esta versão numa realidade.” E anular o objectivo de
“restaurar mais legítimas e efectivas instituições estatais na
região”.
Walt encara o EI
como um “Estado revolucionário”, que constitui uma ameaça real
e dotado de uma sinistra e criativa máquina de propaganda. Mas tem
um limite: “Espalhar uma revolução via contágio requer um nível
de recursos que só as grandes potências possuem.” O “califado”
não é a China nem a Rússia, sem sequer o Irão.
Também Heisbourg
não subestima a ameaça. “O Daesh é uma organização sólida e
competente, ao contrário da Al-Qaeda: é um proto-estado.” Mas a
resposta no plano militar não é necessariamente a prioritária. “É
útil enfraquecer o Daesh no Levante. Não nos privaremos desse
prazer. Mas não é isso que vai permitir aos nossos serviços de
segurança evitar um novo ataque. Isto passa por uma reforma séria
muito mais importante. Os aviões fazem boa televisão, mas será por
aqui que passa o essencial do problema Daesh? Estamos a lidar com
franceses, nascidos em França.” São jovens europeus, recrutados
pelo EI, que desencadeiam os atentados. Este é o problema nuclear. A
Europa tem de rever a sua segurança, sabendo embora que segurança a
100% é uma ilusão.
Outra coisa a não
fazer é a resposta xenófoba e racista. O jornalista israelita Chemi
Shalev adverte contra o discurso extremista de republicanos, como
Marco Rubio, que importam para a América discursos análogos ou
piores do que os de Marine Le Pen ou do holandês Geert Wilders,
associando os muçulmanos aos nazis ou declarando uma “guerra de
civilizações” sob a bandeira da “cultura judaico-cristã”.
“Um ataque, a
milhares de milhas de distância, conquistou os Estados Unidos ou boa
parte deles. Os maníacos homicidas do ISIS [EI] assassinaram uma
quantidade de inocentes em Paris mas as repercussões do ataque
atravessaram o oceano, corroendo o discurso político americano,
deslocando os seus princípios, infestando a esfera pública com
incitamentos racistas e manchando a sua imagem no mundo.”
Estas reacções são
uma declaração de apoio ao Estado Islâmico.
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