O
"golpe" da direita e um PR “tão só”. Sócrates avisa:
“A minha voz está de volta”
MARIA JOÃO LOPES
22/11/2015 - 14:52 (actualizado às 16:15) / PÚBLICO
Almoço de apoio ao
ex-primeiro-ministro juntou, segundo a organização, mais de 400
pessoas em Lisboa. Mário Soares e Almeida Santos entre os presentes.
Sócrates falou de Justiça e de política. Criticou Cavaco, diz
estar a preparar a campanha eleitoral da direita.
Um ano e um dia
depois de ter sido detido no aeroporto de Lisboa, o antigo
primeiro-ministro socialista José Sócrates esteve neste domingo a
almoçar com centenas de pessoas, na antiga FIL, em Lisboa. Antes de
todos se sentarem nas mesas redondas, e depois de muitas palmas e
vivas a Sócrates, o homenageado fez um discurso de meia hora, no
qual leu passagens do inquérito sobre violação do segredo de
Justiça e ainda finalizou a intervenção, falando sobre a actual
situação política: “A minha voz está de volta ao debate
público”, avisou. “Se o objectivo de alguém foi” que ela
“fosse calada”, tal não vai acontecer, garantiu várias vezes.
Foi no final do
discurso, dentro da sala, que teceu duas considerações sobre o
actual momento político: segundo José Sócrates, golpe político
não é o que o PS, apoiado pela esquerda, está agora a fazer, como
consideram algumas vozes discordantes, mas sim o que a direita fez em
2011. Referia-se à crise política que levou o seu Executivo a
demitir-se, após o chumbo do PEC IV - "acordo que protegia o
nosso país da chegada da troika", disse - e que levou à
marcação de eleições antecipadas.
Sobre o “impasse”
e a “demora” do Presidente da República em tomar uma decisão
sobre a situação política do país, ironizou: se Cavaco Silva
quisesse ser aconselhado, convocava o Conselho de Estado. A intenção,
diz, é só “enfraquecer” a solução governativa à esquerda (a
"única solução"), “é mostrar que ela é muito
anormal, muito estranha, para construir as bases da campanha
eleitoral que a direita um dia fará contra o futuro Governo que
ainda não o é.”
Um Presidente,
continuou, “que se comporta com base no ressentimento” leva
"sempre ao isolamento". E José Sócrates “nunca” viu
“um Presidente tão só”. A terminar “tão só”. Antes tinha
dito que foi “uma década perdida” para a Presidência da
República, “a instituição de que o país precisava e faltou nos
momentos críticos e chave” e que “está a faltar”.
Também quando falou
sobre Cavaco, recuou até 2011: “Afinal de contas, deu-lhe tanto
trabalho pôr lá a direita em 2011 que agora lhe custa o trabalho de
tirar de lá a direita e pôr de novo a esquerda em 2015."
Quando José
Sócrates saiu do carro, acompanhado pelo histórico socialista Mário
Soares, a comunicação social desatou a correr. Soares entrou por
outra porta, os jornalistas cercaram o ex-primeiro-ministro. Prometeu
falar mais lá dentro. E falou: de Justiça, da actual situação
política.
Já Mário Soares
disse apenas, na sala, que estava ali por amizade, não quis falar
mais. O ex-primeiro-ministro não o esqueceu, quando discursou, e
dirigiu-lhe uma palavra, ao amigo que esteve com ele desde início.
Antes, e à entrada para o almoço, outro histórico socialista,
Almeida Santos, explicou aos jornalistas que estava ali, porque
Sócrates “merece”.
"Celebrar a
amizade"
A fila para o almoço
avança devagar. Misturam-se rostos conhecidos da política nacional,
socialistas - Alberto Costa, Mário Lino, Paulo Campos, Vitalino
Canas, o secretário-geral da UGT, Carlos Silva - com os de gente
anónima. Teresa Oliveira, reformada de 66 anos, a viver em Lisboa,
decidiu participar no almoço organizado pelo movimento cívico “José
Sócrates Sempre”. “Ele foi o nosso melhor primeiro-ministro. Foi
um reformista. Melhorou tudo, até o meu estado de alma”, diz. E
acrescenta: “Não houve nenhum como ele.” Ao lado, Fátima
Ferraz, que se deslocou do Porto, concorda: “As reformas que ele
fez pelo país, é preciso coragem. É um indivíduo com visão de
futuro. Pelo progresso, que pôs o país à frente”, diz a
professora reformada de 65 anos.
Quando entra na
sala, toda a gente aplaude o antigo-primeiro-ministra. Grita-se:
“Sócrates, Sócrates, Sócrates” ou “Sócrates, amigo, o povo
está contigo.” Ouve-se também: “Soares é fixe.” Mário
Soares e Almeida Santos cruzam-se e abraçam-se. José Sócrates
desdobra-se em cumprimentos.
Pouco depois, começa
a falar. Nem sabe para onde se virar, vai ter de ficar de costas para
alguém, pede desculpa por isso. Agradece a todos por “nunca”
terem deixado de o apoiar. Agradece o que fizeram por ele e pelo
“Estado de Direito”, pela “Justiça”. Está ali para
“celebrar a amizade”. E ao longo do discurso vai sempre deixando
claro que não se vai calar nem dar por vencido: “Aqueles que
quiseram isolar-me não tiveram sucesso.”
Na intervenção não
faltaram, claro, inúmeras críticas ao sistema de Justiça, por
haver quem ache “normal” prenderem um ex-primeiro-ministro e, “ao
fim de um ano, nem os factos, nem as provas, nem a acusação”.
Sócrates lamenta que tal “desprestigie internacionalmente o Estado
de Direito português” e fira “os valores” do Estado de
Direito. Por que não apresentam provas? “Porque não as têm”,
garantiu.
“Se há provas
neste processo é de que todas as alegações foram falsas,
gratuitas, que não tinham fundamentação e que foram injustas”,
frisou. “É uma vergonha que um ano depois nem provas, nem factos”,
reiterou mais à frente nas palavras que dirigiu aos apoiantes.
Foi na parte
relativa à Justiça que Sócrates aproveitou para ler partes do
inquérito. Começou por salientar que “hoje toda a gente tem
acesso ao processo", porque "deixou de estar em segredo de
justiça interno e vários jornalistas, como são assistentes,
encarregaram-se" de o divulgar. "Bom, gostaria de vos ler
umas frasezinhas do inquérito, não correndo o risco de violar o
segredo de justiça, pela simples razão de que o que vou dizer já
veio nos jornais e já passou na televisão".
E leu de seguida
frases do "principal investigador": “Descobrir o autor ou
autores da reiterada divulgação dos factos em investigação não
nos parece difícil de apurar, porque de forma directa ou indirecta,
intencional ou negligente, só poderá haver três responsáveis, eu
próprio, o titular do inquérito, o procurador ou o juíz do
tribunal de instrução criminal." "Afinal de contas",
questiona Sócrates: "Quem é que andava a perturbar o
inquérito?”. E lamentou que tal não tivesse sido investigado.
Um ano e um dia
depois de ter sido detido, o ex-primeiro-ministro garante que vai dar
entrevistas, defender-se: “Se acharam que me calava, estavam
enganados”. De pé a ouvi-lo, os apoiantes batem palmas e gritam de
vez em quando: “Sócrates, Sócrates, Sócrates”. Por vezes é
até difícil perceber bem o que diz o ex-primeiro-ministro. A
prisão, continuou, “serviu para aterrorizar, desmoralizar”. Mas,
e volta a garantir: “Eu não me vou calar.”
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