Depois
de se contarem os mortos
TERESA DE SOUSA
20/11/2015 / PÚBLICO
1. Ainda se contam
os mortos. Em Paris e em Bamaco, capital do Mali. Foi fácil a
Bernard Cazeneuve, o ministro do Interior francês, obter tudo aquilo
que pediu aos seus parceiros europeus. Muita coisa já devia ter sido
feita, como o PNR (o registo dos nomes dos passageiros dos voos
dentro do espaço europeu, que continua à espera do Parlamento
Europeu) ou uma atitude mais decidida para reformar Schengen à luz
do mundo em que vivemos, como escreve a Economist, em vez de erguer
fronteiras à medida de interesses nacionais e arbitrários para
lidar com a vaga de refugiados. Não é só uma questão de tempo. É
também uma questão de perspectiva. A Europa prepara-se sempre para
a última crise que teve de enfrentar sem preparação, com uma
imensa dificuldade em antecipar a seguinte. A reforma de Schengen vai
agora ser feita, com uma proposta global da Comissão até ao final
do ano. As fronteiras externas da União vão ser reforçadas, mesmo
que isso implique longas filas de cidadãos europeus nos aeroportos
da Europa. A cooperação dos serviços de informações talvez
melhore. Mas não certamente com a proposta da Comissão para criar
um serviço de informações europeu que nunca funcionaria. Os
serviços secretos dificilmente se libertam da tradição, tendem a
desconfiar uns dos outros. Uma maior cooperação exige anos. Mas
Paris também demonstrou que, se não houver coordenação, há
sempre a possibilidade de ceder pelo elo mais fraco, como se viu
agora na Bélgica.
Também o ministro
da Defesa francês obteve há três dias o apoio unânime dos seus
pares quando accionou o artigo 42.7 do Tratado de Lisboa, sobre a
obrigação de solidariedade europeia em caso de ataque a um dos seus
membros, “com todos os meios necessários”. Esta espécie de Artº
5º da União tem a vantagem de não envolver apenas o apoio militar
como seria no caso da NATO. Como o próprio ministro francês disse,
foi sobretudo um acto politico para testar a solidariedade europeia e
a consciência de que se trata de uma ameaça comum, perante a qual
ninguém está a salvo.
2. Uma guerra? Esta
é a segunda grande questão que os europeus vão ter de enfrentar. O
Presidente francês utilizou desde o primeiro instante a palavra
“guerra” (como George W em 2001). Trata-se de uma guerra
assimétrica, mas a palavra não deixa de ter uma conotação forte e
clara. Hollande quis utilizá-la porque era preciso dar aos franceses
um sentimento de confiança e coesão. Mas foi mais longe: traduziu-a
na intensificação dos bombardeamentos ao Estado Islâmico na Síria.
Até agora, ainda nenhum líder europeu recorreu à mesma palavra. O
debate terá de ser feito tendo em conta a natureza peculiar do
Estado Islâmico, cuja organização assenta num território
(Estado), que pretende alargar até à reconstituição do Califado.
A pergunta seguinte é sobre a eficácia. Muitos analistas consideram
que esta forma de ataque não será eficaz porque o caos em que está
mergulhado o Médio Oriente é favorável ao alargamento da sua
implantação. Além disso, é difícil imaginar que o Presidente
Obama vá alterar a sua estratégia de combate ao Estado Islâmico,
que recusa “botas no terreno” e privilegia uma negociação
diplomática (que começou em Viena, na véspera dos atentados).
O factor novo que
Hollande quer trazer ao combate é a Rússia. Tem uma justificação:
a influência de Moscovo junto do regime de Damasco, que Putin tem
apoiado abertamente. A França argumenta que o reconhecimento de que
o avião russo cheio de turistas foi abatido por uma bomba do EI pode
levar Putin a pensar duas vezes. Terá de decidir de uma vez por
todas se quer sair do isolamento internacional em que se encontra por
causa da Ucrânia para alinhar com o Ocidente contra um grupo
terrorista que também o ameaça. A questão não é simples. Obama
mantém a sua posição inicial: Assad tem de sair, mesmo que não
seja já. Terá de haver condições para a Rússia fazer parte da
“grande coligação” que Hollande quer criar.
3. Antes de ir a
Moscovo e depois de visitar Obama, Hollande receberá a chanceler no
Eliseu na quarta-feira. Será um encontro fundamental, porque, para
bem da Europa, a Alemanha não pode ficar de fora deste desafio
tremendo às democracias europeias, que não desaparecerá nos
próximos tempos. Merkel tem estado em silêncio. Não regateou apoio
a Hollande nos atentados de Janeiro contra o Charlie Hebdo. Agora,
limitou-se a dizer que “a Alemanha está a chorar pela França”.
Para ela, que já enfrentava uma enorme pressão interna por causa
dos refugiados, esta é uma questão difícil. Sabe que não pode dar
a resposta errada. Os alemães acreditavam que estavam protegidos do
terrorismo porque se opuseram à invasão do Iraque em 2003, se
distanciaram da guerra na Líbia; e porque a sua participação na
missão da NATO no Afeganistão foi sobretudo defensiva. A sua
comunidade muçulmana é essencialmente turca e os turcos “são os
alemães do Médio Oriente”, segundo a fórmula de um velho
embaixador americano, sem os problemas dos banlieues de Paris.
Esqueceram-se que foi de Hamburgo que partiu a célula da Al-Qaeda
para executar o 11 de Setembro. Merkel liderou a resposta diplomática
à Rússia na Ucrânia. Mostrou-se firme contra uma ameaça real à
segurança europeia. E voltou a mostrar coragem política (coisa que
parecia não encaixar no seu perfil) quando abriu a Alemanha aos
refugiados, merecendo fortes críticas internas. Percebe que a Europa
não pode mais ignorar os conflitos nas suas fronteiras, a Leste e a
Sul. Mas ainda não sabe como. Jan Tachau do Carnegie Europe é
bastante pessimista quanto à capacidade de a Europa se unir para
enfrentar este flagelo. “Há falta de recursos, falta de vontade
política e falta de apoio público.” E, sem a liderança
americana, qualquer intervenção no Médio Oriente é impossível. E
depois, como lembra a Economist, “a Europa está a tentar lidar ao
mesmo tempo com a ameaça terrorista e com um gigantesco fluxo dos
imigrantes”. Somadas, as duas coisas “serão uma bênção para o
ressurgimento da extrema-direita”. É isso que Hollande também tem
em conta. Teve o mérito de separar imediatamente as duas crises,
reafirmando o compromisso francês de receber 30 mil refugiados. “Foi
desesperadamente hábil, cortou a relva debaixo dos nossos pés”,
disse à AFP um dirigente dos Republicanos de Nicolas Sarkozy. O
pesadelo de Hollande (e da Europa) é a Frente Nacional de Marine Le
Pen. A Europa está a enfrentar uma sucessão de crises, do euro, dos
refugiados, da economia, do terrorismo e da instabilidade junto das
suas fronteiras. Terá agora de rever prioridades. A segurança vai
subir na agenda, as regras da união monetária vão ficar sob
pressão. Hollande não esperou para declarar a sua intenção de
ignorar o défice. “O Pacto de Segurança é mais importante do que
o Pacto de Estabilidade”. Mesmo que seja evidente a sua afirmação,
vai ter de discuti-la com Berlim. Mais um dissabor para Merkel e mais
um teste à sua liderança.
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