Nabos
para Cavaco no Camões, vaias para Costa no Carmo
MARIA LOPES
28/11/2015 - PÚBLICO
Separadas
por 350 metros, na zona do Chiado, em Lisboa, duas concentrações
com objectivos opostos mobilizaram várias centenas de pessoas. Umas
defendendo a política de esquerda no poder, outras clamando contra o
assalto de Costa ao poder. Prometem ser assim os próximos meses na
política portuguesa.
O molho de nabos
veio da Guarda e tinha como primeiro destino o Palácio de Belém.
Serviriam para avivar a memória ao Presidente da República, “para
se lembrar que deve cumprir e fazer cumprir a Constituição”. Sim,
porque comer nabo faz bem à memória, insiste num cerrado sotaque
beirão António Machado. Mostra uns enormes nabos ainda meios sujos
de terra e com as folhas um pouco murchas de estarem toda a tarde nas
mãos calejadas do agricultor de 87 anos, barrete preto de lã grossa
e borla a cair sobre o ombro, casaca de xadrez com punhos, bolso e
punhos com renda preta. Criados “sem adubos nem químicos”,
garante António Machado, que é também o presidente da Associação
Distrital dos Agricultores da Guarda há quase três décadas.
Enquanto pedia aos
organizadores da concentração da CGTP no Largo de Camões, em
Lisboa, para entregarem os nabos a Arménio Carlos – “é um
desperdício voltarem para casa, tenho lá muitos” -, o beirão
franzino dava uma lição de economia em poucos minutos. “Oitenta
por cento do cereal que estamos a importar podíamos nós produzir.
Não podemos produzir 100%, claro, mas fazíamos mais e importávamos
menos. Mesmo que isso nos custasse mais 5 ou 10 cêntimos por quilo,
fica mais barato do que comprarmos. Sabe porquê?” “Porque
escusávamos de comprar”, responde um jovem da CGTP, por detrás
das barreiras metálicas. “Porque tínhamos a nossa gente a
trabalhar. Temos que pôr o país a produtir”, diz o idoso, de dedo
em riste, mandando logo a seguir um amigo calar-se enquanto ele tenta
explicar-se. “Na minha terra quando um burro fala, o outro baixa as
orelhas!” E lá vai dizendo que quem se sentou na cadeira no
Terreiro do Paço nestes anos todos não percebia nada de
agricultura. “Essa senhora que lá esteve agora… o que aprendeu
ela de agricultura no curso que fez? Ainda se a colocassem na
Justiça, eu não piava. Agora… na agricultura?!?”
“Fazem-nos crer
que somos um país pobrezinho… A Guarda produzia milhares de
toneladas de batata; agora está tudo a monte. Temos o maior mar da
Europa e temos que comprar a sardinha a 10 euros aos espanhóis”,
vai enumerando. “O primeiro-ministro que começou a afundar o país
é agora Presidente”, acusa António Machado enquanto espreita a
ver se Arménio Carlos aparece a agradecer os nabos.
Antes, houve música
e discursos. A concentração “Cumprir a Constituição, Mudar de
política, Resolver os problemas dos trabalhadores e do país” foi
marcada para Belém, mas o Presidente deu posse a António Costa e a
CGTP mudou o local. Também se fez em Braga e no Porto. No Chiado,
Arménio Carlos exultou a luta dos trabalhadores que obrigou o
Presidente a dar posse a um Governo PS, mas defendeu ser preciso
mais. É preciso cumprir de facto a Constituição, "revogar a
legislação anti-laboral e anti-social da direita" e "mudar
efectivamente de políticas". Avisou que a CGTP, os sindicatos e
os trabalhadores “irão exigir respostas aos seus problemas”,
colocando pressão sobre os socialistas.
No largo cheio de
gente, há algumas bandeiras de Portugal e muitas vermelhas da CGTP
no ar e placards com folhas A4 que dizem “Cumprir a Constituição”,
“Serviços públicos sim! Privatizações não!”, “Aumento dos
salários”, “Trabalho! Salários! Direitos!”; uma faixa enorme
pede “1% do PIB para a cultura”. Acabaram-se as palavras de ordem
que mandavam o Governo para a rua ou lhe chamavam ladrão, gatuno ou
mentiroso. “Os fascistas já foram para a rua mas temos que estar
com o olho aberto”, dizia um homem quando o hino nacional terminou
e virava as costas ao palco improvisado na carrinha da CGTP. São
quase cinco da tarde, há encontrões no Largo de Camões, no Chiado,
em Lisboa, e para algumas centenas de activistas da CGTP é tempo de
regressar aos autocarros que os trouxeram para mais uma concentração.
Uma coroa de flores
para a democracia enlutada
Cerca de 350 metros
para nascente, num largo lisboeta mais icónico do que o Camões,
activistas de direita promoveram a primeira concentração contra o
Governo de António Costa, apenas 48 horas depois de ser empossado.
"Fraude eleitoral envergonha Portugal", "Isto não é
o fim e não vai ficar assim", "Costa p'rá rua, a casa não
é tua" e "Costa, golpista, tu és um vigarista",
gritou-se por um megafone.
Todas as árvores do
Largo do Carmo – o mesmo onde a coligação começou a sua descida
do Chiado no final da campanha de Outubro - estavam ligadas por
faixas vermelhas e verdes e tinham agrafada no tronco uma folha
amarela com a palavra democracia. Quase toda a gente tinha uma
bandeira de Portugal na mão, e contavam-se apenas duas da coligação
Portugal à Frente, assim como lenços da coligação num ou noutro
pescoço. No pedestal de um candeeiro estava uma coroa de flores em
forma de D com uma larga fita negra. É a democracia que está de
luto e a intenção de Mário Gonçalves, organizador, era enviá-la
ao presidente da Assembleia da República com uma carta, mas acabaria
por ser deposta à porta do convento – o mesmo que viu nascer a
democracia, faz-lhe agora o luto.
Seriam quase 200
pessoas, entre quem se concentrava, em pé, junto ao chafariz do
largo ou estava sentado nas esplanadas com bandeiras de Portugal ao
lado e no colo. Mas mais gente era esperada: várias dezenas de
bandeiras amontoavam-se junto ao chafariz. Ainda assim, Mário
Gonçalves, professor de música e presidente da concelhia do CDS de
Monforte, mostrava-se contente. “Os portugueses estão indignados
contra a indigitação de António Costa, e não são só as pessoas
de direita. Há aqui pessoas de esquerda que não concordam com o que
o PS está a fazer”, garante. Tanto PSD como CDS foram contactados,
diz, mas não se quiseram envolver. “Há 40 anos que a direita não
saía à rua. Vamos continuar a fazê-lo até o Governo de Costa vir
abaixo”, promete.
Um grupo de três
amigas não tem dúvidas: o Presidente “não tinha alternativa”
porque a Constituição está “desactualizada”, argumenta
Margarida Leal, desempregada e antiga empresária do sector da
educação, e Isabel Costa diz que Portugal parece um “país do
terceiro mundo”. Contestam o “oportunismo e a sede de
protagonismo” de Costa, como acusa Mafalda Seia. Estão “muito
descontentes” com o rumo político – tanto que até vêm para a
rua ralhar quantas vezes forem precisas - e, mais do que elogiar a
direita, criticam a forma como Costa chegou ao poder. “Isto agora é
só facilidades: o Governo vai dar, dar, dar, até isto estoirar por
si”, diz Margarida, que gostava que Cavaco Silva “deitasse o
Governo abaixo antes de sair”.
Carlos Nunes é um
dos que se junta à conversa. Diz ter votado CDU “contra António
Costa”. “Sinto-me espoliado”, vinca. Veio ao Carmo por ser um
“espaço de liberdade, democrático” e estar contra a “fraude e
a vigarice”. Tem uma teoria rebuscada: “Costa chegou ao poder no
PS ajudado pela direcção do Bloco e uma parte da direcção do PCP
liderada pelo João Oliveira. Isto já estava a ser cozinhado há
muito. Por isso é que Jerónimo de Sousa, ligado aos conservadores
do PCP que não queriam nada com o PS, não pôs os pés na tomada de
posse…”
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