Patriotas
e portugueses: a nova cara da Frente Nacional
Davy,
luso-francês de 22 anos, é uma das novas caras da Frente Nacional.
Cresceu rodeado de não-franceses. "Basta", disse. E ficou
chocado ao saber que um dos terroristas também tem mãe portuguesa.
João de Almeida
Dias, em Paris / OBSERVADOR
17 Novembro 2015
Davy de Oliveira
Rodríguez chegou a preencher o formulário de adesão online à
Frente Nacional duas vezes. Nome, morada, contactos, tudo. Mas,
também por duas vezes, este francês filho de uma portuguesa não
conseguiu clicar no botão final que o tornaria, de uma vez por
todas, em mais um militante do partido de extrema-direita liderado
por Marine Le Pen.
Davy era de
esquerda. Começou no Partido Socialista, mas saiu no momento em que
François Hollande venceu as primárias, naquilo que foi o início de
uma demanda que culminou na sua eleição para Presidente. Foi numa
visita a Portugal, no verão de 2011, e enquanto folheava o jornal
Avante!, que começou a ter simpatia pelos partidos ainda mais à
esquerda e reafirmou a sua crença na anti-austeridade. Chegado a
França, juntou-se ao Parti de Gauche, que congrega esquerdistas e
comunistas.
“Mas depois
comecei a ver as coisas à minha volta a mudar.” Davy, de 22 anos,
fala de Cergy-Pontoise, o subúrbio no Norte de Paris onde cresceu no
seio de uma família de imigrantes portugueses e espanhóis.
“Mudou-se o ambiente, mudou-se a vida das pessoas, toda a
normalidade desapareceu. A violência passou a ser parte do
quotidiano, passou a haver um racismo contra os brancos absolutamente
inacreditável.”
“Para mim, basta”,
disse na altura. Fechou a janela da extrema-esquerda e fez o click
derradeiro para entrar na extrema-direita. Foi em julho deste ano.
Davy é estudante do
mestrado em Direito Público Económico da SciencesPo, a faculdade de
ciências políticas parisiense que é uma das mais prestigiadas da
Europa. Basta saber que passaram por aqueles corredores os últimos
quatro presidentes de França: Miterrand, Chirac, Sarkozy e Hollande.
É, por tradição, uma universidade com uma predominância de alunos
de esquerda. Mas, no dia 1 de outubro, voltar a acontecer algo que só
tem par em 1992: a Frente Nacional conseguiu abrir uma associação
dentro da faculdade.
Não se trata de uma
associação de estudantes, mas sim de um entre vários grupos
representativos dos partidos políticos em atividade em França. No
início de cada ano letivo, os estudantes são chamados a votar numa
associação política — não se ganha por maioria, mas sim ao
chegar aos 120 votos, o limiar necessário para um grupo ser
oficialmente reconhecido pela Sciences-Po.
“Juntámos cinco
amigos, todos militantes da Frente Nacional, e decidimos tentar fazer
uma associação. Todos os partidos, até aqueles que ninguém
conhece, têm representação aqui. Porque é que a Frente Nacional
não haveria de ter também? Então fizemos uma campanha eleitoral,
falámos com as pessoas, debatemos, fizemos conferências,
distribuímos 2500 papéis…”
Depois de 23 anos de
hiato, a Frente Nacional voltou a ter uma representação na
universidade da elite francesa. E não foi de qualquer maneira: foram
o segundo grupo mais rápido a chegar aos 120 votos. Melhor do que
isso, só os socialistas. Dav
Desde essa altura,
já entraram mais sete pessoas para a associação da Frente Nacional
naquela universidade. Todas as sextas-feiras, reúnem-se na péniche,
como é conhecido o hall de entrada da universidade, juntamente com
representantes dos outros partidos. Discutem, debatem, distribuem
papéis, fazem discursos. “Aqui há muita gente de esquerda, muita
gente mesmo, mas isto também é uma universidade com uma cultura de
debate.”
Debate, sim, mas
também embate. Já lhe fizeram ameaças de morte, garante. No seu
caso, grafitaram numa parede nas imediações da faculdade a seguinte
promessa: “Davy, seu nacional-socialista, vais acabar de cabeça
para baixo como o Mussolini”.
Davy não tem
problemas em admiti-lo: “Tenho ambições políticas, sim”. Tanto
que é o 11º na lista da Frente Nacional nas eleições regionais a
acontecer entre 6 e 13 de dezembro — uma posição que não o torna
elegível, mas é uma posição. Mais favorável é a de Marine Le
Pen, cabeça de lista na região Nord-de-Pas-de-Calais. As sondagens
dão-lhe um triunfo na primeira volta, com 38% dos votos, e
colocam-na perto da vitória com 47% dos votos, contra 53% do
candidato socialista.
Basta uma pequena
mudança nas sondagens para a Frente Nacional vencer a sua primeira
vitória nas eleições regionais. “Se ganharem, é como se
tivessem um pequeno país nas mãos”, garante Dominique Albertini,
jornalista do Libération que cobre a Frente Nacional. “Não têm
os mesmos poderes de um Presidente, claro, mas serão os líderes
políticos de uma área e de uma população considerável. Como se
tivessem a sua própria Bélgica.”
E depois, a França?
Mais importantes do
que as eleições regionais, são as presidenciais. Embora o ano de
2017 pareça longínquo, Marine Le Pen e a Frente Nacional vão
ganhando cada vez mais terreno na política francesa. Uma sondagem
publicada a 31 de outubro revelou que 52% dos eleitores da direita
lhe têm uma opinião favorável, com o ex-Presidente e regressado
líder dos Republicanos (antiga UMP), Nicolas Sarkozy, a perder com
39%.
E o que dirão agora
as sondagens, depois dos ataques terrorista islamista que mataram 129
pessoas na noite de 13 de novembro?
“Uma coisa é
certa: as pessoas que já iam votar na Frente Nacional não vão
deixar de fazê-lo agora que houve estes atentados”, garante
Dominique Albertini. “O que pode acontecer, depois dos ataques ao
Charlie, depois dos ataques da semana passada… Ninguém sabe. Mas
se houver um outro ataque, as coisas vão ficar muito mais fáceis
para a Frente Nacional. Eles saberão capitalizar um sentimento de
guerra perdida melhor do que qualquer outro partido.”
"Se
houver um outro ataque, as coisas vão ficar muito mais fáceis para
a Frente Nacional. Eles saberão capitalizar um sentimento de guerra
perdida melhor do que qualquer outro partido."
Dominique Albertini,
jornalista do Libération e especialista na Frente Nacional
Enquanto isso,
explica o jornalista do Libération, a Frente Nacional tem vindo a
transformar-se nos últimos anos. A passagem de testemunho de
Jean-Marie Le Pen, co-fundador do partido, para a sua filha Marine Le
Pen foi um passo fundamental.
“Até há pouco
tempo, a Frente Nacional era um partido de não-poder. As pessoas que
lá mandavam achavam que bastava fazer barulho, fazerem-se passar
pelo Diabo e ser controversos para terem o que queriam: 10 a 20 por
cento dos votos”, diz Dominique Albertini. “O suficiente para ter
palavra no debate político e pouco mais. Algo que lhes permitisse
gerir o partido como se de uma empresa pública se tratasse.”
Graças às
declarações controversas de Jean-Marie Le Pen, que amiúde
aproveita para menorizar o Holocausto, dizendo que “as câmeras de
gás foram um detalhe”, a Frente Nacional era frequentemente vista
como um partido fascista, por vezes nazi. “Nas manifestações da
esquerda havia sempre gente a gritar: ‘F de fascistas, N de nazis’.
Agora já não é assim”, garante o jornalista.
"Até há pouco
tempo, a Frente Nacional era um partido de não-poder. As pessoas que
lá mandavam achavam que bastava fazer barulho, fazerem-se passar
pelo Diabo e ser controversos para terem o que queriam: 10 a 20 por
cento dos votos. O suficiente para ter palavra no debate político e
pouco mais. Algo que lhes permitisse gerir o partido como se de uma
empresa pública se tratasse."
Dominique Albertini,
jornalista do Libération especialista na Frente Nacional
Agora, os tempos são
outros. “Marine Le Pen veio mudar isso tudo”. Primeiro, porque
“tem vontade de chegar ao poder e acedeu aos meios necessários
para fazê-lo”. E, depois, porque”deixou a retórica do pai e
começou a falar dos problemas que preocupam algumas pessoas, como as
questões de identidade cultural, a imigração, os refugiados, as
escolas, as universidades”.
Uma outra alteração
são as pessoas que Marine Le Pen escolheu para rodeá-la. “Aparecem
cada vez mais académicos, gente bem-falante, polida, com estudos e
que passam uma imagem de legitimidade”, diz o jornalista. Como o
são, na verdade, todos os membros da associação da Frente Nacional
na universidade de Sciences-Po. Parece — e é — um paradoxo tendo
em conta o eleitorado de base da Frente Nacional, sobretudo rural e
também com menor escolaridade. Mas tem tudo a ver com isso: “É
que eles dizem as coisas que estes eleitores pensam, mas apenas com
palavras mais caras. E isso é o suficiente para convencê-los”.
Mas, para Dominique,
nem tudo está ganho para a Frente Nacional. Até porque o partido de
extrema-direita tem agora de conseguir atingir um equilíbrio difícil
entre duas coisas ao mesmo tempo: “Por um lado, têm de parecer
normais para que ninguém fique assustado, inclusive as grandes
empresas; por outro, têm de garantir que são radicais nos assuntos
de identidade e imigração e que com eles não vai haver receios em
mudar as coisas pela raiz”.
“Hollande vai
fazer agora o que a Frente Nacional diz há 20 anos!”
Na segunda-feira,
Hollande fez um discurso ímpar perante o senado, em Versalhes.
Perante uma sala a abarrotar, falou a favor de uma revisão
constitucional que dê mais poderes ao Estado no combate ao
terrorismo, permitindo também a expulsão do país de imigrantes que
revelem ser um perigo para a segurança pública e até a revogação
da nacionalidade francesa aos que planearem atentados, mesmo que
nascidos em território nacional.
“São medidas de
exceção que tiram o tapete debaixo dos pés da direita mas que
causam receio pelas liberdades públicas”, escreveu o Libération.
E o Le Monde falou da “viragem securitária de Hollande”, dizendo
que “16 de novembro ficará como o dia em que François Hollande se
transformou num falcão”.
French President
Francois Hollande delivers a speech to members of Parliament during
an exceptional joint gathering of Parliament in Versailles on
November 16, 2015, three days after 129 people were killed in the
worst terrorist attack in France's history. AFP PHOTO / POOL / ERIC
Para Davy, isto não
é mais do que “a História a dar razão à Frente Nacional”.
“Hollande vai fazer agora o que a Frente Nacional diz há 20 anos!”
Crê que os
atentados de 13 de novembro foram “uma falha total do Estado”. “O
nosso governo sabe que há mesquitas radicais, sabe que há imãs que
radicalizam as pessoas. Estão em todo o lado! Ora, se sabem que elas
existem, então porque é que não fazem nada?”, pergunta o
luso-descendente, apesar das notícias deste verão que deram conta
da deportação de 40 líderes religiosos islâmicos desde 2012 por
“apelarem ao ódio”.
“Tudo isto é
óbvio: se eles estão no nosso país e são referenciados pelos
serviços secretos, então têm de ser presos ou têm sair, não
podem andar à solta. Mesmo que sejam franceses, que saiam. Não se
enquadram cá”, defende o estudante da Sciences-Po.
Omar Mostefai e Davy
Rodríguez: franceses e filhos de portuguesas
Embora seja filho de
imigrantes, Davy reconhece que o mal começa na imigração.
Sobretudo naquela que não resulta em integração. “Noutro dia
estava a olhar para uma fotografia da minha turma da primária, numa
escola do meu subúrbio”, recorda. Juntamente com a imagem, vinham
os nomes de cada um dos alunos. Lendo com atenção, uma coisa
parecia óbvia: nenhuma daquelas crianças, ele incluído, eram
filhas de franceses. “Como é que isto pode ser possível?”,
pergunta para o ar, com algum desespero na voz.
"Bom... Alguma
coisa teve de correr mal aí, então."
Davy Rodríguez,
sobre o facto de Omar Ismail Mostefai, um dos terroristas, também
ter mãe portuguesa
O resultado extremo
disto, começa a explicar, é o caso de Omar Ismail Mostefai, o
primeiro terrorista a ser identificado e também aquele de que soube
logo ter nacionalidade francesa.
“Pessoas como esta
vivem em famílias onde não se fala francês, não partilham os
valores do nosso país, não são laicos, não são nada. E depois
são radicalizados por várias razões. São contra o país onde eles
mesmos nasceram. Isto faz algum sentido?”
Existe, porém, um
facto que Davy ainda não conhecia em relação a Omar. É que, tal
como acontece no seu caso, a mãe do terrorista também é
portuguesa.
“De certeza? Não
pode ser!”, exclama, inquietado pela notícia que lhe tardara a
chegar. “De certeza absoluta?”.
Sim.
“Bom… Alguma
coisa teve de correr mal aí, então.”
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