Imagem / OVOODOCORVO/ WE HAVE KAOS IN THE GARDEN |
José
Sócrates nunca existiu
JOÃO MIGUEL TAVARES
26/11/2015 - PÚBLICO
Dois
dos três homens do núcleo duro de José Sócrates estão de
regresso ao governo.
Uma pessoa olha para
a lista de António Costa e não acredita: dois dos três homens do
núcleo duro de José Sócrates - Augusto Santos Silva e Vieira da
Silva - estão de regresso ao governo. Azeredo Lopes, que ao lado de
Estrela Serrano se destacou na liderança da ERC mais politizada de
sempre, é agora ministro da Defesa. Miguel Prata Roque, advogado de
Sócrates no processo contra o Correio da Manhã e restantes
publicações do grupo Cofina, é secretário de Estado da
Presidência do Conselho de Ministros. E ainda falta conhecer três
ou quatro dezenas de secretários de Estado - com sorte, talvez se
arranje um lugarzinho para Paulo Campos. Mas sabem o que é pior no
meio disto? É que ninguém parece importar-se. Ninguém quer saber.
José Sócrates nunca existiu.
Mas eu lembro-me.
Lembro-me que um mês antes de Sócrates ser preso, Augusto Santos
Silva aconselhava Cavaco a não condecorar o ex-primeiro-ministro,
pois essa condecoração seria uma "nódoa" para Sócrates:
"Haverá certamente, dentro em breve, um Presidente merecedor da
honra de condecorá-lo." Lembro-me que Vieira da Silva,
invariavelmente apresentado como "ministro da Segurança Social
de José Sócrates", foi ministro da Economia entre 2009 e 2011,
quando o país se afundou economicamente na bancarrota. Lembro-me que
João Soares, futuro ministro da Cultura, considerou há um ano a
prisão de Sócrates "injusta e injustificada" e uma
"perversa tentativa de humilhação". Lembro-me que
Capoulas Santos, futuro ministro da Agricultura, declarou acreditar
que ele era "obviamente" inocente, à saída da prisão de
Évora.
E porque me lembro
disto tudo, estou até receoso que a nomeação de Francisca Van
Dunem para ministra da Justiça, interpretada por alguns comentadores
como um reforço da autoridade do Ministério Público junto do
governo, tenha sido antes uma escolha de António Costa com o
objectivo de vigiar de perto a actividade da Procuradoria numa era
dominada por vários processos com profundas implicações políticas.
Tendo em conta o currículo do PS no domínio da justiça desde os
tempos da Casa Pia, ninguém pode dormir descansado. Mas se a
qualidade da nomeação de Van Dunem é ainda incerta, isto, pelo
menos, já temos como certo: António Costa não retirou qualquer
ilação política nem do desastre de 2011, nem da detenção de
2014.
É que dá para
escolher. Podemos defender que a presença de Santos Silva e Vieira
da Silva num futuro governo PS é inconcebível por eles terem feito
parte do núcleo duro de um primeiro-ministro com indícios fortes de
corrupção. Podemos defender que a presença de Santos Silva e
Vieira da Silva num futuro governo PS é inconcebível por terem
feito parte do núcleo duro de um governo que levou o país à
bancarrota. Ou podemos defender as duas coisas. O que não podemos é
defender que nada disto se passou, que os políticos portugueses são
inimputáveis, que o que quer que seja que aconteça ou o que quer
que seja que eles façam, nada conta, nada se inscreve, nada
permanece na nossa memória, nada tem consequências.
A própria
comunicação social, para meu espantoso espanto, limitou-se ontem a
retratar Vieira da Silva ou Augusto Santos Silva como políticos
"experientes", como se "experiente" fosse um
adjectivo neutro, completamente desligado da qualidade das suas
várias "experiências". Sim, ok, pertenceram ao governo
anterior do PS, isso está nas suas biografias. Mas parece que não
faz mal. Não tem importância. Já foi há quatro anos. Tanto tempo.
José Sócrates? Quem é esse?
Sem comentários:
Enviar um comentário