Miguel
Macedo acusado de influenciar vários colegas de Governo
PEDRO SALES DIAS ,
MARIANA OLIVEIRA e ANA HENRIQUES 17/11/2015 - PÚBLICO
O
objectivo seria favorecer o seu amigo e antigo sócio Jaime Gomes,
que num dos casos conseguiu evitar o pagamento de 1,8 milhões de
euros em IVA. Vinte arguidos, incluindo quatro empresas, acusados no
processo dos vistos gold.
Os crimes são
imputados ao ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo,
mas os relatos da acusação não deixam imunes vários membros do
anterior Governo, que se mantém no actual Executivo, como o
secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, o ministro
dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, e o secretário de Estado
das Comunidades José Cesário. O objectivo seria sempre o mesmo
favorecer pessoas próximas de Macedo, como o seu ex-sócio, Jaime
Gomes, ou o ex-presidente do Instituto dos Registos e do Notariado
(IRN), António Figueiredo. Dos governantes, apenas Miguel Macedo é
acusado, numa lista composta por 20 arguidos, incluído quatro
empresas que terão sido favorecidas em vários esquemas.
A acusação do
Departamento Central de Investigação e Acção Penal imputa ao
ex-ministro três crimes de prevaricação e um de tráfico de
influência um dos quais relacionados com um pedido feito por Macedo
a Núncio para que reunisse pessoalmente com Paulo Lalanda de Castro,
que contratou José Sócrates como consultor da Octapharma e surge no
processo conhecido como Vistos gold como responsável por uma empresa
que trouxe a Portugal várias dezenas de cidadãos líbios, vítimas
da guerra naquele país, que vieram receber tratamento médico. A ILS
queria evitar o pagamento de 23 % de IVA relativa a dois contratos,
um de 2,9 milhões de euros relativo a 2013 e outro de 4,9 milhões
de 2014. “O que perfaz o valor total de 1.818.512 euros não
liquidado a título de IVA na facturação emitida pela ILS ao
Ministério da Saúde Líbio, valor que o Estado Português deixou de
arrecadar na íntegra” lê-se na acusação, a que o PÚBLICO teve
acesso.
Paulo Núncio –
que foi ouvido neste processo apenas como testemunha- aceitou reunir
duas vezes com os responsáveis daquela empresa e delegou num
funcionário da Autoridade Tributária o acompanhamento do caso, que
foi favorável às pretensões daquela sociedade. Quando a questão
ficou resolvida, o funcionário das finanças fez questão de
reencaminhar um email para o secretário de Estado que “deu, de
imediato, contas a Miguel Macedo do desfecho da situação”. Este,
por sua vez, diz a acusação, telefonou a Jaime Gomes dizendo-lhe
que chegou a “boa notícia” de que “aquilo já está
resolvido”.
A acusação precisa
ainda que Miguel Macedo enviou do seu email oficial do ministério o
caderno de encargos do concurso para operar e manter os helicópteros
Kamov comprados em 2006 pelo Estado três meses antes da data do
anúncio da abertura do concurso, quando ainda estavam a decorrer
trabalhos preparatório. O documento fora-lhe enviado pelo secretário
de Estado João Almeida, tendo sido reencaminhado por Macedo para
Jaime Gomes. Este mantinha relações com uma empresa de aviação a
FAASA, que segundo a acusação, terá sido subcontratada pela
Everjets, que ganhou o concurso com a proposta mais baixa, no valor
de 46 milhões de euros.
O actual ministro
dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, foi outro dos alvos da
influência de Miguel Macedo, que lhe pediu ajuda para desbloquear os
vistos dos cidadãos sírios, após o encerramento da embaixada
portuguesa em Trípoli. Já o secretário de Estado das comunidades,
José Cesário, aparece como candidato a sócio de uma futura agência
que prestaria serviços a cidadãos chineses que quisessem obter
vistos gold em Portugal.
No centro do
processo encontra-se o ex-presidente IRN, António Figueiredo,
acusado de 12 crimes. A sua especialidade consistia em abrir portas.
Era disso que se gabava, segundo o Ministério Público, o principal
arguido do caso.
Com mais de 500
páginas, a acusação expõe a promiscuidade entre várias figuras
do mundo da política e o dos negócios. O social-democrata que
preside à Câmara de Cascais e que ocupa uma das vice-presidências
do partido, Carlos Carreiras, também é mencionado pelos
procuradores encarregues da investigação, percebendo-se que a rede
de conhecimentos que António Figueiredo se gabava de ter – as tais
portas que dizia conseguir abrir – se estendia a juízes e a
ex-directores dos serviços secretos e a outros partidos que não o
PSD. Apontado por várias pessoas como o mais provável ministro da
Justiça de um governo liderado por António Costa, o ex-secretário
de Estado do PS João Tiago Silveira sabia das relações
privilegiadas do dirigente do IRN com investidores chineses –
embora se ignore se tinha conhecimento dos contornos dos negócios
cuja legalidade o Ministério Público põe agora em causa.
De acordo com a
acusação, António Figueiredo recebia comissões, frequentemente de
cinco mil euros cada uma, por negócios imobiliários firmados ao
abrigo do regime dos vistos dourados – que oferece autorização de
residência permanente aos estrangeiros que invistam pelo menos meio
milhão de euros na aquisição de imóveis em Portugal. O seu nome
não constava, porém, do rol de sócios das imobiliárias envolvidas
no negócio: usava, segundo o Ministério Público, testas-de-ferro,
nomeadamente familiares seus, que tinham firmado parcerias com
investidores chineses.
O seu modus operandi
consistiria em pesquisar imóveis para transaccionar nas bases de
dados do organismo que dirigia, por um lado, e, por outro, em
garantir que os vistos de residência dos clientes das empresas dos
seus amigos e familiares eram emitidos com mais celeridade e menos
exigências do que habitualmente. A amizade que mantinha com o
ministro Miguel Macedo permitir-lhe-ia ter um ascendente sobre o
director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Manuel Jarmela
Palos, igualmente arguido neste processo, acusado de ter facilitado o
visto de residência a algumas dezenas de pessoas, a maioria de
nacionalidade chinesa. Diz o Ministério Público que Palos temia ser
exonerado por Macedo.
António Figueiredo
é ainda acusado de ter colocado os meios do Estado ao serviço de
interesses privados: eram os seus serviços que desenvolviam,
alegadamente, parte da tramitação inerente à actividade das suas
imobiliárias, e o seu motorista oficial terá chegado a transportar
investidores chineses. “Eu abro-lhe as portas todas. Empresas
privadas, administração pública, tudo”, terá afirmado a um
parceiro de negócios em 2014. E assim parecia ser, pelo menos
nalguns casos. A venda de cinco moradias em Cascais exigia que a
câmara municipal abdicasse do seu direito de preferência no
negócio, e foi isso que pediu a Carlos Carreiras. O vice-presidente
do PSD – que não foi indiciado no processo, e com quem o PÚBLICO
tentou, sem sucesso, contactar – tratou do assunto e
disponibilizou-se para voltar a ajudar se fosse preciso. Quando soube
que os parceiros de negócios do presidente do IRN queriam ir
cumprimentá-lo, para lhe levarem “uma pequena lembrança”,
Carreiras respondeu que tinha todo o gosto.
Os investigadores
relatam que António Figueiredo – que marcou igualmente uma reunião
com o presidente da Câmara de Oeiras, Paulo Vistas, para tratar dos
seus negócios - deu mesmo origem a um embaraço diplomático, por o
seu sócio Zhu Xiaodong o ter apresentado, num congresso na China,
como vice-ministro da Justiça português . Apesar de beneficiar do
regime dos vistos dourados, o arguido não tinha o seu principal
impulsionador, Paulo Portas, em grande conta. Confidenciou a um
funcionário da Câmara de Lisboa que se limitava a fazer o mesmo que
os outros, nomeadamente o vice-primeiro-ministro.
No final do
despacho, o DCIAP requer a alteração das medidas de coacção
quanto a alguns arguidos. Alteração que terá de ser validada pelo
juiz de instrução Carlos Alexandre. Quanto a Maria Antónia Anes,
os procuradores requerem que fique proibida de se ausentar para o
estrangeiro, de contactar com testemunhas e arguidos nestes caso e
fique suspensa de funções na Polícia Judiciária a cujo quadro
pertence. Já quanto a Manuel Jarmela Palos, que estava proibido de
exercer a sua profissão no SEF, verifica-se um desagravamento das
medidas de coacção que passam a ser a proibição de se ausentar do
país e de contactar com os arguidos e testemunhas no processo.
O ex-ministro Miguel
Macedo sofre um agravamento das medidas de coacção. O MP requer que
fique proibido de contactar os arguidos e testemunhas no processo.
Estava apenas sujeito a termo de identidade e de residência e deverá
voltar a ser ouvido pelo juiz Carlos Alexandre para que as novas
medidas sejam decretadas. Os restantes arguidos mantêm as medidas a
que já estavam sujeitos anteriormente, nomeadamente cauções.
António Figueiredo é o único arguido que continua em prisão
domiciliária.
O Ministério
Público arrola ainda para julgamento cerca de 200 testemunhas, entre
elas o presidente da Comissão de Recrutamento e Selecção para a
Administração Pública (CReSAP), João Bilhim, o secretário de
Estado das Comunidades Portuguesas, José Cesário, o
Comandante-Geral da GNR Silva Couto e o presidente da Autoridade
Nacional de Protecção Civil Francisco Grave Pereira.
MP requer que mais
de um milhão de euros seja perdido a favor do Estado
No âmbito da
dedução da acusação, o Ministério Público requer que sejam
perdidas a favor do Estado, relativamente a sete arguidos e a uma
empresa arguida, que seja declarada perdida a favor do Estado uma
quantia total de mais de 400 mil euros, montante que terão auferido
“na prática dos factos ilícitos”.
Os procuradores
requerem ainda a liquidação do valor de vantagens decorrentes das
actividades ilícitas de forma particular a cada arguido. Quanto a
António Figueiredo, é requerida uma liquidação do património
sendo declarada perdida a favor do Estado quantia de mais de 231 mil
euros, através do arresto de montantes nas contas bancárias. Em
causa está a incongruência do património face aos rendimentos
ilícitos. Já quanto a dois arguidos chineses, o montante que o
Ministério Público requer que seja perdido a favor do Estado é
superior a 500 mil euros.
Contactado pelo
PÚBLICO, Paulo Núncio disse não estar disponível no momento,
remetendo para esta quarta-feira eventuais esclarecimentos.
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