Um Governo teso
Análise. António
Costa preparou um Governo de combate para uma governação em
combate. Com muita gente do Norte, algumas surpresas, muita gente da
gesta Sócrates, seguristas nem vê-los. Um a um, o que esperar de
quem vai mandar no país
PEDRO SANTOS
GUERREIRO
EXPRESSO
25.11.2015
A equipa de António
Costa depende ainda da aprovação de Cavaco Silva, mas os nomes
propostos mostram um governo com muita gente politicamente potente e
com algumas pessoas tecnicamente fortes – e em que poucos são as
duas coisas. Será uma equipa para resistir mais do que para
reformar, que nisso depende totalmente do líder, para o que quiser
fazer e para o que não quiser fazer. Aqui, Costa é mais que chefe,
é patrão, que manda num governo ainda assim minoritário. Ele tem
atrás de si uma guarda estratégica do passado e à sua frente uns
estreantes, que poderão ser construtores de edifícios ou meros
brincas-na-areia.
É um governo teso
porque é politicamente resistente – mas também porque tem pouco
dinheiro para gerir, o que se revela sobretudo no fraco investimento
público. Depois de Soares, de Guterres e de Sócrates, Costa entra
na lista dos socialistas que chegam a primeiro-ministro.
O LÍDER
António Costa, a
Fénix
Primeiro-ministro
Força política: 4
Capacidade técnica:
3
Dificuldade da
tarefa: 5
Será o primeiro
líder de governo derrotado nas urnas, subindo a ladeira pela qual
descia, num processo laborioso, que acabou unindo a direita contra si
e começou dividindo a esquerda à volta dele. O poder é a maior
cola da política e, enquanto ele soar duradouro, terá o povo
socialista a apoiá-lo. Mais do que o comunista e o bloquista, que
assinaram acordos instáveis e serão oposição crescente, até por
afirmação própria junto do seu eleitorado. A rota esquinada da
ascensão ao poder ficará para sempre colada à sua imagem, como a
de um ganancioso político. Por outro lado, a sua derrota vitoriosa
permitiu evitar a desagregação do PS, que poderia acontecer depois
da derrota humilhante de 4 de outubro. Daqui para a frente, Costa
será um negociador permanente, à esquerda mas também à direita,
tendo em Passos (muito mais do que em Portas, que é calculista) um
adversário ressentido e indisponível. Tudo dependerá do sucesso
orçamental do seu plano económico, para provar que o fim dos cortes
no Estado ganha nas receitas o que perderá nas despesas públicas,
sem que isso signifique (muitos) mais impostos. Costa tem o queijo
mas a União Europeia (através do BCE) tem a faca na mão. Se a
execução orçamental titubear, a pressão será brutal. Todos sabem
que eleições antecipadas são uma possibilidade real, mesmo sabendo
que o próximo Presidente da República, seja ele qual for entre os
favoritos, será mais amigável que o zangado Cavaco Silva. Os
patrões e os contribuintes de elevados rendimentos têm a moca
afiada; os funcionários públicos, os pensionistas e trabalhadores
de baixos rendimentos serão o exército dos beneficiados. Mas se no
princípio Costa aposta no PIB, no final Costa dependerá do PIB. Por
isso, o primeiro-ministro não vai apenas confiar em Mário Centeno.
Vai acender velas, por espanta-espíritos na porta, andar com patas
de coelho no bolso e prometer ir a Fátima de joelhos se correr bem.
O NÚCLEO DURO
Mário Centeno, o
liberal
Ministro das
Finanças
Força política: 2
Capacidade técnica:
5
Dificuldade da
tarefa: 5
Será o braço
direito de Costa e o hemisfério esquerdo do cérebro do governo,
responsável pela racionalidade orçamental que equilibre as contas
do Estado, compensando o aumento da despesa que decorre de medidas
como a reposição dos salários da função pública e a atualização
das pensões. É da espécie rara dos liberais de esquerda, que
defende medidas no mercado de trabalho que não estão no programa do
governo mas quererá mais tarde impor. Como economista do trabalho
que é, não persegue o crescimento do PIB em si mesmo, mas o do
emprego. Não é propriamente um keynesiano e se fosse não teria
dinheiro para investimento público. É sim um crítico feroz da
austeridade permanente, por nela ver a destruição económica, do
emprego e do aparelho produtivo. O seu primeiro discurso na
Assembleia da República mostrou que não será cordeiro para
sacrifício aos lobos da política, embora seja um inexperiente nas
lides. Precisa do resguardo de Costa, que terá. Fica para a história
como o anti-Gaspar, embora seja tão econometrista como ele, mas ao
avesso. Se pudesse, o ministro das Finanças despedia Carlos Costa do
Banco de Portugal, sendo o inverso também verdadeiro. Tem a agenda
mais difícil de todos os ministros.
José António
Vieira da Silva, a coruja
Ministro da
Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
Força política: 4
Capacidade técnica:
4
Dificuldade da
tarefa: 4
Experiente e
estratego político, conhece o Ministério que volta a liderar por
dentro e por fora, onde aliás foi mais feliz do que como ministro da
Economia. Foi do núcleo duro de Sócrates, de cujo governo saiu como
um dos poucos com boa reputação política, sobretudo por ter
concluído uma reforma da Segurança Social que, parecendo dar três
alternativas aos portugueses (trabalhar mais tempo, descontar mais ou
receber menos pensão) acabou na prática por impor um aumento da
idade de reforma sem grandes convulsões sociais nem políticas.
Eduardo Cabrita, o
truculento
Ministro Adjunto
Força política: 3
Capacidade técnica:
3
Dificuldade da
tarefa: 2
Vive da política e
vive na política. Ferve em pouca água e está sempre disposto para
a pancadaria política, embora se tenha resguardado nos últimos
anos. Como ministro adjunto, terá mais peso político do que teve
com José Sócrates. E será uma ligação permanente do partido no
governo e do governo no partido.
Augusto Santos
Silva, o penta-ministro
Ministro dos
Negócios Estrangeiros
Força política: 4
Capacidade técnica:
3
Dificuldade da
tarefa: 3
Se tivesse uma
caderneta de cromos com pastas ministeriais, Santos Silva já podia
colar pela quinta vez a sua cara. Já foi ministro da Educação e da
Cultura (com Guterres), da Defesa e dos Assuntos Parlamentares (com
Sócrates). Isso faz dele um dos governantes mais experientes em
Portugal, o que lhe permitirá compensar a inexperiência específica
nos Negócios Estrangeiros, que é aliás mau sinal. Foi um dos
responsáveis pelo crescendo de agressividade discursiva durante o
governo de José Sócrates e continuou a mostrar-se pronto para a
cacetada política depois disso. Gosta de falar grosso e não se
importa de ser grosseiro, o que o torna temido. Quando saiu da TVI,
fez uma cena, vitimizando-se por perseguição política mas
confessando estar em queda na intervenção pública. Deixou de
estar. O regresso a um governo pela porta grande dá poder a quem
gosta de o ter, voltando a estar no núcleo duro do
primeiro-ministro. Está sempre pronto. E, como sempre, estará de
lança-chamas na mão.
Mª Manuel Leitão
Marques, a desburocrata
Ministra da
Presidência e da Modernização Administrativa
Força política: 3
Capacidade técnica:
5
Dificuldade da
tarefa: 4
Foi das melhores da
equipa de José Sócrates, primeiro fora do governo, depois dentro
dele. Foi responsável pelo projeto Simplex, ainda hoje considerado
um sucesso daqueles anos. Um sucesso que ainda assim está longe de
terminar, tendo em conta o excesso de burocracia e de ensimesmamento
da máquina do Estado. A Reforma do Estado nunca existiu e António
Costa não a anunciou, embora defenda uma descentralização
progressiva da Administração. Maria Manuel Leitão Marques sabe bem
o que vai encontrar e não sabe mal o que quer deixar. Deixem-na
trabalhar.
AS SURPRESAS
Francisca Van Dunem,
a dura
Ministra da Justiça
Força política: 2
Capacidade técnica:
4
Dificuldade da
tarefa: 4
É a grande surpresa
deste governo, com que António Costa consegue resolver ou pelo menos
dissolver um problema bicudo: o caso Sócrates. A entrada de
Francisca Van Dunem para a Justiça é praticamente à prova de bala
do ponto de vista das suspeitas de interferência no processo, tendo
em conta a sua reputação de seriedade e de coragem. O outro lado do
moeda é a escolha de uma procuradora, que pertence a uma casta que
tem a sua própria visão da Justiça e está em confronto permanente
com outras profissões jurídicas, como a dos advogados, mais até
que a dos juízes, que serão pouco tolerantes com a sua governação.
Se beneficiar os procuradores, será acusada de corporativismo; se os
prejudicar, serão eles a criticá-la chamando-a de traidora. A
Justiça é um ninho de vespas que às vezes se revela um ninho de
víboras. Francisca Van Dunem vai liderar o ministério onde confluem
todas as confrontações, agravadas sucessivamente pela falta de
dinheiro. Não basta ser dura para durar.
Azeredo Lopes, o
nortenho
Ministro da Defesa
Força política: 2
Capacidade técnica:
3
Dificuldade da
tarefa: 3
É um técnico
espevitado, com conhecimento académico de defesa e da cena
internacional mas sem prática política na área. Isso retira-lhe
autoridade à partida entre aqueles que mais exigem precisamente
autoridade, os militares, que aliás estão habituados a terem
governantes que veem como uma espécie de ministros milicianos. A
Azeredo Lopes não bastará no entanto lutar pelo respeito dos seus,
precisa de envolver-se ativamente num processo europeu de Defesa num
momento em que a ameaça do terrorismo jiadista vai esticar os
limites entre liberdade e segurança. Mesmo assim, não é um
Ministério difícil se não na gestão dos seus próprios
funcionários públicos. Se fosse, poderia ser ou uma surpresa, ou um
erro de casting.
João Soares, o…
quê?
Ministro da Cultura
Força política: 3
Capacidade técnica:
3
Dificuldade da
tarefa: 1
A morte de Paulo
Cunha Silva levou aquele que poderia ser um dos ministros mais
brilhantes deste governo. Basta ouvir o que dizem os munícipes do
Porto, depois de dois anos de vereação – e quase veneração.
Ficou João Soares, que foi vereador em Lisboa com o mesmo pelouro.
Mesmo assim, é um outsider num Ministério que adora insiders. Vai
ter de provar que não foi lá colocado por faltar outro lugar
disponível, o que aliás quereria dizer que a Cultura é afinal,
para o PS, apenas uma palavra na boca. A Cultura tem sido demasiadas
vezes liderada por quem está mais interessado em tê-la na lapela,
por prestígio, sem qualquer estratégia que não seja a de gerir a
situação e impor soluções de gestão de (pouco) dinheiro. Não é
mudar uma secretaria de Estado para Ministério que faz a diferença,
é quem a lidera. Há duas maneiras de olhar para esta escolha: uma,
é de que João Soares não tem vocação para a Cultura, pelo que a
sua escolha frustra quem ouviu tanta conversa sobre a importância da
pasta, não tendo o PS melhor para dar que um alfaiate profissional
da política, que veste de acordo com a ocasião; a outra, de que
João Soares tem vocação para a política e vai impor a sua pasta
no governo, pelo que a Cultura ganha uma cunha no poder. A resposta
só pode ser dada por ele próprio. Oxalá a escolha seja melhor do
que parece. E que não súbdito da Cultura de Lisboa.
Tiago Brandão
Rodrigues, o investigador
Ministro da Educação
Força política: 1
Capacidade técnica:
4
Dificuldade da
tarefa: 4
É um
super-investigador na área do cancro, com um currículo
impressionante e uma idade que permite tudo. Mas precisa de
secretários de Estado fortes, que compensem a sua total
inexperiência política num Ministério sistematicamente bombardeado
por grupos de interesse e sindicatos. O programa do PS tem medidas
que desagradam aos professores, como a descentralização das
escolas, mas promete indiretamente contratar mais docentes, através
da redução do número de alunos por turma.
OS PREVISÍVEIS
Adalberto Campos
Fernandes, o casmurro
Ministro da Saúde
Força política: 2
Capacidade técnica:
4
Dificuldade da
tarefa: 4
Foi um bulldozer na
gestão hospitalar, designadamente no Hospital de Santa Maria, em
Lisboa, um colosso pejado de vícios que ele enfrentou, semeando
elogios acima e críticas abaixo. Tem mau feitio e ideias fortes. E
pega num Ministério que procedeu a reformas profundas com Paulo
Macedo, que ainda estão a meio caminho.
Pedro Marques, o
aplicadinho
Ministro do
Planeamento e Infraestruturas
Força política: 3
Capacidade técnica:
3
Dificuldade da
tarefa: 3
Esteve tecnicamente
bem preparado nas tarefas que desempenhou no governo de Sócrates e
entra agora num Ministério em que é virgem, e que não por acaso
deixou cair as Obras Públicas do nome: o PS deixou má fama na
pasta, pelo que lhe mudou o nome. Há hoje muito menos dinheiro do
que houve para investimento público, mas este continua a ser um
Ministério alvo de lóbis de quem faz negócios. Confirmando-se que
vai gerir os fundos estruturais, então terá o pote de mel... que
atrairá todos os ursos.
Capoulas Santos, o
cultivador
Ministro da
Agricultura
Força política: 3
Capacidade técnica:
5
Dificuldade da
tarefa: 3
Conhece a pasta da
Agricultura por dentro, regressando agora ao lugar onde esteve no
governo de Guterres. Tem experiência na gestão de fundos europeus e
na máquina de Bruxelas, cuja próxima pazada está perto de chegar.
Podia aliás ter sido comissário europeu. Acabou ministro. Outra
vez.
Ana Paula Vitorino,
a transportadora
Ministra do Mar
Força política: 3
Capacidade técnica:
2
Dificuldade da
tarefa: 2
Tem muito
conhecimento na área de transporte público rodoviário e
ferroviário, tendo trabalhado bem com José Sócrates e mal com
Mário Lino no último governo socialista. Regressa agora para o
Ministério do Mar, em que tem pouca experiência e que é daquelas
pastas que pode dar para muito e tem dado para quase nada.
AS INCÓGNITAS
Manuel Caldeira
Cabral, o tenrinho
Força política: 1
Capacidade técnica:
3
Dificuldade da
tarefa: 4
Arrisca-se a ser o
cordeiro deste governo. Não por ser académico e independente, mas
por isso ser acompanhado de inexperiência política e falta de peso
no partido. Trabalhou com Manuel Pinho no governo de Sócrates, sendo
reconhecido como economista na área das da inovação e do
empreendedorismo, mas a sua situação de início é mais parecida
com a de Álvaro Santos Pereira. Precisa de ser levado a sério e
precisa de compreender que será filado pela oposição, que adora
arrepanhar a pele a quem cheira vulnerável. Nesta altura, tem pouco
para dar, até porque fica sem a gestão dos fundos estruturais. Os
falcões vão cercá-lo, as gralhas vão atazaná-lo e os ratos vão
mordê-lo. Impõe-se ou deixa-se grelhar?
Constança Urbano de
Sousa, o melão
Ministra da
Administração Interna
Força política: 1
Capacidade técnica:
3?
Dificuldade da
tarefa: 4
Já trabalhou com
António Costa como assessora jurídica mas é essencialmente
académica e investigadora. É um melão porque só depois de abrimos
saberemos o que vale. Sucede a quem não deixou boa memória – ou
não deixou sequer memória nenhuma.
Manuel Heitor, o
discípulo
Ministro da Ciência
Tecnologia e Ensino Superior
Força política: 1
Capacidade técnica:
3?
Dificuldade da
tarefa: 2
Trabalhou com
Mariano Gago, um dos ministros que esteve mais tempo em funções e
que deixou elogios. Isso dá-lhe experiência, mas não garante o
brilho.
João Pedro Matos
Fernandes, o agueiro
Ministro do Ambiente
Força política: 2
Capacidade técnica:
3?
Dificuldade da
tarefa: 3
Vem da gestão das
Águas do Porto para um Ministério que tanto pode ser engolido pelos
lóbis que o circundam como impor estratégias políticas. Tendo em
conta a reestruturação anunciada para o setor das águas, que o PS
quer que seja feita em consenso com as autarquias, Matos Fernandes
pode encaixar numa política “simpática” para os poderes locais,
que ele tão bem conhece. E assim levar bem a água ao seu moinho.
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