Chegada
de refugiados desperta extrema-direita na Suécia e da Alemanha
CLARA BARATA
15/11/2015 - PÚBLICO
Os
dois países europeus que mais estão a receber os que fogem da
guerra no Médio Oriente debatem-se com o crescimento de partidos e
movimentos anti-imigração.
“Não há
dinheiro, não há empregos, não há casas”, dizem os folhetos que
o partido de extrema-direita Democratas Suecos está a distribuir na
ilha grega de Lesbos e em dezenas de outros locais na Europa onde se
aglomeram refugiados do Médio Oriente, à espera de passar a próxima
fronteira. “A Suécia está a desfazer-se. Temos de pedir dinheiro
emprestado para garantir a educação e a saúde aos nossos cidadãos.
A nossa riqueza acabou-se. Só podemos oferecer tendas e camas de
campismo. Será enviado de volta ao seu país.”
“Queremos acabar
com a ilusão de que há uma vida de luxo na Suécia”, explicou
Joakim Wallerstein, o responsável pela comunicação do partido
ferozmente anti-imigração — o seu objectivo é reduzi-la em 90%.
Os Democratas Suecos (DS) estão a pensar ainda em fazer um anúncio
televisivo para passar nas televisões na Síria e no Afeganistão.
O ministro da
Imigração sueco, Morgan Johansson, disse aos jornalistas em
Bruxelas que o DS “está a pintar uma imagem da Suécia que não é
verdadeira”. Corresponde, no entanto, às incertezas e angústias
que muitos suecos sentem neste momento, e que têm feito disparar o
apoio eleitoral do partido nacionalista — nas eleições de final
de 2014 tiveram 12,9%, e agora as sondagens dão-lhes entre 20% e
25%.
O consenso de
décadas sobre a política de portas abertas aos refugiados e aos
imigrantes começa a ruir na Suécia. Uma sondagem Ipsos publicada
pelo jornal Dagens Nyheter esta semana revela que 26% dos suecos
considera que o seu país deve continuar a acolher refugiados — em
Setembro eram 44%. Outra, da Sifo, publicada no jornal Svenska
Dagbladet, mostra que 41% querem que sejam dadas menos autorizações
de residência a refugiados — em Setembro, apenas 29% assumia a
vontade de começar a fechar a porta.
Falta capacidade
Muito mudou nestes
dois meses. Neste momento, este país de dez milhões de habitantes,
tantos como Portugal, está a receber dez mil pedidos de asilo por
semana. Mais de um quarto desses refugiados são menores que viajam
sem os pais ou outro guardião — a maior parte são rapazes entre
os 14 e os 16 anos, só 15% são raparigas, diz o jornal The
Guardian. Só este ano, chegaram mais de 12 mil adolescentes
desacompanhados à Suécia.
A integração dos
refugiados e imigrantes nem sempre é bem-sucedida — a taxa de
desemprego entre os suecos nascidos no estrangeiro é superior a 16%,
enquanto a dos nascidos na Suécia é inferior a 6,5% e é uma das
mais discrepantes na UE, frisa a Bloomberg — mas a Suécia teve a
ambição de se definir como uma “superpotência humanitária”,
nas palavras de Fredrik Reinfeldt, o anterior primeiro-ministro
conservador. Até ao fim do ano, o país conta receber 190 mil
refugiados. E no ano que vem, outros 190 mil. Mesmo para um país que
é a 17.ª maior economia do mundo por habitante (segundo dados de
2014 do Banco Mundial), é demais.
O sucessor de
Reinfeldt, o social-democrata Stefan Löfven, já não tem meios para
garantir esta generosidade. E aponta o dedo aos seus parceiros na
União Europeia, pedindo-lhes que cumpram a sua parte. E que fiquem
com alguns dos refugiados que já recebeu.
Tal como na
Alemanha, o outro país da UE que tem aberto as portas aos refugiados
— pelo menos um milhão é esperado até ao final do ano — a
capacidade para gerir o rio de gente que está a chegar está a
quebrar, apesar da boa vontade. A Suécia viu-se obrigada a impor
controlos fronteiriços esta semana, a Alemanha já o fez antes. As
dificuldades logísticas tornam-se gigantescas.
Falta capacidade
para gerir a entrada de tanta gente nas fronteiras, não se consegue
processar os pedidos de asilo, faltam casas para dar um tecto a toda
a gente. Dormem pessoas em tendas, em antigas prisões, fazendo do
betão colchão em edifícios desocupados, como velhos hangares.
Para alojar tanta
gente, de repente, só recorrendo ao sector privado — e são muitas
as acusações de que as grandes empresas de imobiliário e
arrendamento suecas se estão a aproveitar, cobrando preços
exorbitantes ao Estado. A agência de imigração da Suécia prevê
gastar com alojamento de refugiados mais de 320 mil euros até ao fim
do ano.
Uma empresa da
poderosa família Wallenberg recusou-se a comentar notícias
publicadas nos media de que cobraria 84 mil coroas suecas (cerca de
9000 euros) por colocar uma criança refugiada com uma família de
acolhimento. E Bert Karlsson, o fundador de um partido nacionalista e
anti-imigração, a Nova Democracia, que entrou no Parlamento no
início da década de 1990 — uma altura negra de violência contra
imigrantes — é, curiosamente, um dos que está agora a beneficiar
com a urgência do Estado. A sua empresa Jokarjo aloja pelo menos
cinco mil pessoas em 30 locais, diz a Reuters, e ele espera duplicar
os negócios com o Estado até ao fim do ano.
O primeiro-ministro
sueco chegou ao ponto de perguntar aos empresários se “se sentem
bem quando se olham ao espelho” por estarem a obter lucros tão
grandes quando o país está a tentar organizar-se face à enorme
crise de refugiados. O ministro da Imigração criticou os
empresários por “estarem a forrar os bolsos”.
Bert Karlsson ri-se:
“Se querem que os Democratas Suecos cheguem aos 50%, devem
continuar a fazer o que estão fazer”.
“Pensar nos
nossos”
“Em vez de
continuarmos a receber mais pessoas, devíamos tomar melhor conta das
que já cá estão”, disse ao Guardian Ragna, uma mulher polícia
que foi assistir a um comício de Verão dos DS. “Temos falta de
casas, o que quer dizer que os jovens ficam encurralados a viver com
os pais. Se os tempos são difíceis e o Estado não tem dinheiro,
temos de pensar na nossa gente”, afirmou.
São eleitores com
estas preocupações que o partido de Jimmie Akesson procura captar e
incutir neles que a culpa é dos refugiados. Tem tido sucesso, pois
em menos de um ano duplicou o número as intenções de voto. “Não
gosto do que os outros partidos dizem. Os SD são os únicos que
dizem a verdade”, disse ao Financial Times Elisabeth, uma
professora reformada em Hasselby Strand, um subúrbio de Estocolmo
onde o partido de extrema-direita teve a mais alta percentagem de
votos nas últimas eleições. “Não sou desumana. Não gosto de
ver pessoas a sofrer. Mas as coisas estão difíceis. O meu filho não
tem emprego”, interrompe a amiga, Anneli.
As origens do
partido estão no fascismo sueco, mas o líder, que se apresenta de
fato e gravata, como um jovem burocrata ou empresário, esforçou-se
para limpar os DS dessas conotações, e aposta nas preocupações
sociais para captar eleitores. Fez uma limpeza de imagem semelhante à
que Marine Le Pen realizou em França com a Frente Nacional e, como
ela, encoraja a desconfiança em todos os outros partidos. Fala muito
em garantir as reformas dos mais velhos e uma boa educação aos mais
novos — mas só para os suecos que não precisem de hífen para
definir as suas origens.
“Nós somos o
povo”
Na Alemanha, o nível
de violência é bem maior — seja ela verbal ou real. As
manifestações em Dresden do movimento Europeus Patrióticos contra
a Islamização do Ocidente, vulgarmente conhecido como Pegida, são
o ponto mais visível da ampla mobilização de extrema-direita que
tem como uma das principais bandeiras a luta contra o islão na
Europa (via imigrantes). O tema dos refugiados e a chanceler Angela
Merkel tornaram-se os seus alvos, enquanto gritam “Nós somos o
povo” — o slogan adoptado nos protestos na Alemanha de Leste no
Outono de 1989, antes da queda do Muro de Berlim.
O partido
Alternativa para a Alemanha (AfD), que começou por ser eurocéptico,
transformou-se antes de mais numa formação anti-imigração, com
canais de comunicação com o Pegida, e está a subir nas sondagens.
Há uma semana, a sondagem Emnid para o jornal Bild deu-lhe 9% das
intenções de voto, quando nas últimas legislativas não conseguiu
o mínimo para entrar no Parlamento. Na Alemanha de Leste, onde têm
sido mais violentos os protestos contra os refugiados e imigrantes,
chega até a 14%.
“O AfD é o único
partido alemão que explora sem qualquer vergonha os preconceitos que
parte da população tem em relação aos estrangeiros”, comentou
no Bild o analista político Ultrich von Alemann. Responsabiliza
Merkel pelo “caos no asilo”.
Mas muitas outras
formações, pequenos partidos e publicações, actuam e alimentam
tanto o AfD como o Pegida e, fornecendo-lhe o combustível para as
manifestações e para o muito ódio contra os estrangeiros e
refugiados destilado online e nas ruas. O blogue Politicamente
Incorrecto é uma dessas fontes: o seu mentor, Michael Stürzenberg,
é uma presença constante nas manifestações do Pegida, e líder do
partido extremista A Liberdade.
Jürgen Elässer,
membro da agora desaparecida Liga Comunista da Alemanha Federal, e
ainda hoje pronto a perorar contra o imperialismo, adianta a revista
Der Spiegel, é outra figura influente nestes circuitos, com a sua
revista Compact, tal como Gotz Kubitschek, ou Björn Höcke, um líder
regional do AfD com uma visão bastante próxima dos neo-nazis, diz a
Spiegel.
Terror
Face a esta galáxia
de extrema-direita, as autoridades alemãs estão a ter dificuldade
em reagir – estes intelectuais da extrema-direita movem-se na ténue
linha de fronteira entre a liberdade de expressão e o extremismo.
Os sinais de
preocupação, no entanto, não param de aumentar. Múltiplos
políticos têm recebido ameaças de agressão e morte, diz a Spiegel
– e depois de Henriette Reker, a agora presidente da câmara de
Colónia, ter sido esfaqueada durante a campanha eleitoral, porque se
destacou no seu trabalho com os refugiados, as ameaças são levadas
a sério.
Isto além dos
múltiplos ataques contra centros de acolhimento de refugiados –
incêndios, que parecem ser fogo-posto. Há já mais de 400 este ano,
e suspeitas de que possa existir uma rede que os organiza. Há até
um possível suspeito – um outro grupo de extrema-direita, a
Terceira Via, que distribui uma brochura de 21 páginas, chamada “Nem
um abrigo de refugiados no meu bairro”.
A Alemanha tem
experiência de terrorismo político, até mesmo neo-nazi, por isso
estes riscos são encarados de forma realista. “Não há provas de
que existam campanhas controladas de forma central”, diz o
Ministério do Interior. Mas essa possibilidade continua a ser
investigada, garante a Spiegel. “A continuidade e o número dos
ataques só podem explicar-se assumindo que há estruturas
organizadas”, afirma Fabian Virchow, da Unidade de Neonazismo da
Universidade de Ciências Aplicadas em Dusseldorf.
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