Kissinger na Grécia
Carlos
Gaspar / 01/02/2015 - PÚBLICO
O resultado das eleições gregas é
um terramoto político que pode abrir uma nova etapa na crise europeia.
A
vitória do Syriza não tem precedentes: é a primeira vez que um partido
populista de esquerda ganha uma eleição e forma governo na Europa Ocidental. Em
conjunto, as forças extremistas têm a maioria absoluta dos sufrágios, enquanto
a soma da Nova Democracia e do Partido Socialista caiu, em cinco anos, de mais
de dois terços para menos de um terço do total dos votantes. O sistema de
partidos que assegurou a estabilidade da democracia grega durante quarenta anos
deixou de existir e o Partido Socialista passou a ser uma força residual. É
esse o preço da combinação entre a ortodoxia económica alemã, o
neopatrimonialismo grego e a incompetência das velhas dinastias políticas.
No dia
seguinte à eleição, o Syriza anunciou, sem a menor hesitação, a formação de uma
coligação governamental com os Gregos Independentes, um partido nacionalista de
direita e antieuropeu. As duas alas do populismo triunfante uniram-se para
confirmar a sua determinação comum em pôr fim ao regime imposto pelos
sucessivos programas de ajustamento negociados com a Comissão Europeia, o Banco
Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional.
Se o
novo Governo quiser – e quer – respeitar o seu mandato democrático, Atenas vai entrar em rota de colisão com Berlim (e
Bruxelas) sem ter aliados nem num lado, nem no outro. O bom senso manda que as
partes se empenhem em encontrar uma fórmula de entendimento que possa, por um
lado, restaurar as condições de crescimento da economia grega e, por outro
lado, evitar uma crise de pagamentos e um conflito com os credores
internacionais.
O
Presidente francês deu sinais de querer avançar nesse sentido e parece
disponível para tratar com o novo primeiro-ministro grego, incitado a jogar as
regras do jogo europeu. A União Europeia tem interesse em evitar uma ruptura
que prejudica a sua credibilidade internacional e a Grécia não tem uma
alternativa séria à sua permanência na união monetária europeia. Um compromisso
implica a revisão dos programas de ajustamento para o conjunto dos países da
Europa do Sul e moderar a disciplina financeira grega.
Há,
porém, três obstáculos fortes que podem prejudicar essa linha geral. O primeiro
resulta das novas capacidades institucionais e financeiras que protegem a moeda
única dos piores efeitos de uma falência periférica. Em 2012, a saída da Grécia
teria sido uma catástrofe europeia, mas Bruxelas (e Berlim) deixaram de temer
esse cenário e, portanto, não estão preparadas para fazer demasiadas cedências
a Atenas. O segundo decorre da determinação do Governo grego, que rejeita qualquer
forma de continuidade dos programas externos de ajustamento e está convencido
de que pode forçar Berlim (e Bruxelas) a recuar, pois, na sua opinião, os
parceiros europeus ainda continuam a considerar a permanência da Grécia no euro
indispensável para a União Europeia. O terceiro é o perigo de contágio
político, desde logo nos casos da Espanha e de Portugal, onde se realizam
eleições este ano. Com efeito, se a coligação populista puder obter de Bruxelas
(e Berlim) o que os partidos moderados não conseguiram obter, a probabilidade
de as forças populistas prevalecerem nas eleições espanholas e condicionarem as
eleições portuguesas aumenta exponencialmente.
Nesse
contexto, é razoável admitir um cenário de crise europeia, em que um impasse
prolongado nas conversações entre Berlim, Bruxelas e Atenas pode tornar muito
forte a tentação de fazer da Grécia um caso exemplar.
Em 1974,
Henry Kissinger defendeu uma estratégia desse tipo para conter os riscos de
contágio da revolução portuguesa, que podia abrir caminho à tomada do poder
pelos partidos “eurocomunistas” na Espanha, em Itália e mesmo em França.
Segundo a “teoria da vacina” norte-americana, os aliados ocidentais deviam
isolar completamente Portugal, em resposta à posição dominante do Partido
Comunista e dos seus aliados militares. Contra essa estratégia punitiva, que
podia ter precipitado uma guerra civil, Mário Soares e Willy Brandt mobilizaram
a Internacional Socialista, cujo apoio se revelou crucial para garantir a
vitória das forças democráticas na transição portuguesa.
Quarenta
anos depois, existe o risco de os novos aprendizes de feiticeiro em Berlim (e
Bruxelas) quererem seguir o mau exemplo de Washington para fazer falhar,
rapidamente, a experiência grega e neutralizar os riscos de contágio europeu.
Os
perigos dessa estratégia, que pode provocar uma escalada política e social na
Grécia e acelerar a polarização entre as forças populistas e os “partidos
clássicos” na União Europeia, parecem evidentes, mas não chegam para a
esconjurar.
Tal como
na revolução portuguesa, a esquerda social-democrata tem na crise grega um
momento decisivo para demonstrar que consegue neutralizar a ascensão populista,
inverter o declínio dos partidos moderados e restaurar o processo de integração
na Europa Ocidental.
Instituto
Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)
Sem comentários:
Enviar um comentário