HABITAÇÃO
Com medo de uma
“invasão”, Assembleia Municipal de Lisboa não deixou entrar cidadãos
Reunião desta
terça-feira não teve público nas galerias e o dispositivo policial foi muito
reforçado. À porta, famílias protestaram contra despejos da Câmara de Lisboa.
João Pedro Pincha
e Cristiana Faria Moreira 10 de Março de 2020, 18:33
Os cidadãos foram
esta terça-feira impedidos de assistir presencialmente à reunião da Assembleia
Municipal de Lisboa, que decorreu à porta fechada. A mesa, liderada pelo
socialista José Leitão, justificou a decisão com o coronavírus e com uma
suposta ameaça de invasão das instalações. À porta do Fórum Lisboa estiveram
concentradas várias famílias ciganas que contestam os despejos realizados no
Bairro Alfredo Bensaúde na semana passada.
A informação de
que a sessão seria fechada ao público foi comunicada aos jornalistas cerca das
14h, mas alguns deputados disseram ter sido apanhados de surpresa. Pelas 13h,
referindo-se apenas ao coronavírus, José Leitão enviou um e-mail aos grupos
parlamentares afirmando que estava “inclinado” a determinar o fecho das reuniões
“já a partir de hoje”, mas pedia aos deputados que se pronunciassem “com a
maior urgência”.
Lisboa
✔
@CamaraLisboa
A Assembleia
Municipal de #Lisboa reúne hoje, 10 de março às 15h, no Fórum Lisboa, em sessão
extraordinária. A reunião é aberta à participação do público e tem a seguinte
Ordem de Trabalhos👉 http://ow.ly/ytTn50yGQVu
No plenário, o
presidente da assembleia acrescentou outro motivo. “À semelhança do que hoje
vai ser anunciado pela câmara, vai haver limitações nas sessões públicas por
causa da ameaça do coronavírus. Mas no caso desta assembleia há uma questão
suplementar. Fui informado de que há uma ameaça de invasão desta assembleia.
Está a decorrer aliás nas redes sociais”, disse José Leitão.
A Câmara de
Lisboa, que anunciou as suas medidas contra o coronavírus a meio da tarde, já
depois desta discussão, não incluiu entre elas a limitação de assistir a
reuniões da autarquia.
“A mesa,
consultados os grupos parlamentares, vai realizar esta sessão com limitações de
entrada, apenas estando presentes os membros do público que se inscreveram para
falar”, anunciou o autarca. “Segundo informação da Polícia Municipal, a única
forma de assegurar a segurança física do funcionamento desta assembleia é manter
estas limitações.”
Vários deputados
manifestaram-se surpreendidos com estas informações, até porque na porta da
sala plenária esteve colado um cartaz que apenas mencionava a ameaça do
coronavírus. “Isto não coincide com aquilo que o senhor presidente disse aqui.
Tudo isto é muito estranho. A democracia tem regras”, afirmou Modesto Navarro,
do PCP.
“Eu não tenho
conhecimento do cartaz. Mando retirar o cartaz a quem o tenha colocado”,
respondeu José Leitão. O presidente acrescentou que “só pouco antes da sessão”
é que “a mesa teve conhecimento de que havia uma ameaça nas redes sociais” e
que, perante isso, “pediu a presença do representante da Polícia Municipal”,
que terá respondido que “não tinham condições de assegurar a segurança desta
assembleia”.
Na porta do
edifício da Av. de Roma, onde estiveram algumas dezenas de pessoas, foram
colocadas grades e um dispositivo policial fora do comum. Várias famílias
protestaram contra despejos no bairro municipal Alfredo Bensaúde, nos Olivais,
onde na semana passada a polícia esvaziou 11 casas que tinham sido ilegalmente
ocupadas.
O representante
dos moradores que se manifestavam no exterior do edifício, que lá dentro usou
da palavra, disse ao PÚBLICO que quando chegou à assembleia não havia mais
ninguém à porta a não ser os agentes da polícia. Durante a sessão, Ivo
Guerreiro notou a “situação desumana” por que estão a passar no bairro: dezenas
de pessoas, onde se incluem crianças e bebés, estão dormir em carrinhas, tendas
ou nos patamares dos prédios do bairro. Na semana passada, ele e outros
moradores davam conta ao PÚBLICO de que os despejos tinham acontecido sem aviso
prévio e que a autarquia não tinha dado qualquer alternativa de alojamento, nem
permanente nem temporário. “Há muitas famílias que estão revoltadas e em
desespero”, disse Ivo Guerreiro perante dos deputados municipais.
Outro membro da
Comissão de Moradores Alfredo Bensaúde, José Lemos, também interveio na sessão,
explicando que as famílias despejadas estão neste momento a viver em “11
barracas” no bairro. A alternativa habitacional oferecida foi, segundo disse o
munícipe, “albergues cheios”. “Isto é um ciclo vicioso que nunca mais vais
acabar. As pessoas são expulsas e passados dois meses está lá outro casal. É má
gestão da Gebalis”, notou José Lemos, apelando à “humanidade” dos deputados:
“Somos ciganos, sim, mas somos humanos acima de tudo”.
A decisão da mesa
– constituída pelo PS, PSD e um independente – foi apoiada à direita e
criticada à esquerda. “A mesa não é de um partido político, estão três forças
políticas representadas na mesa. A decisão que a mesa tomou parece-nos não só
adequada como em nada fere o funcionamento desta assembleia e a dignidade tanto
dos eleitos como dos que têm de ter aqui espaço para intervenção pública e
cívica”, argumentou Luís Newton, do PSD.
“Se há uma ameaça de tomada da assembleia pela
força, nós temos de nos precaver”, afirmou José Inácio Faria, do MPT. Já Rui
Costa, independente (ex-Bloco), disse que “nos termos da Constituição as
reuniões dos órgãos deliberativos das autarquias locais são públicas” e que não
ficaria na sala se a decisão avançasse mesmo. “Esta situação parece-nos um
pouco rara. Não é aceitável o que se está a passar”, opinou também Isabel
Pires, do BE.
Colocada à
votação a pedido dos Cidadãos Por Lisboa, a decisão da mesa acabou por ser
aprovada com os votos contra de PCP, PEV, BE e Rui Costa, a abstenção de seis
independentes e o voto a favor de todas as outras forças políticas.
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