Tipos normais procuram ciclovias decentes para pedalar a
sério
A rede de ciclovias de Lisboa está a crescer e a câmara quer
que a bicicleta seja uma alternativa real ao automóvel. Quem as usa pede mais
coragem política e aponta erros técnicos. Ainda assim, mesmo com defeitos, a
capital posiciona-se à frente de grande parte do país, que avança, a diferentes
velocidades, pelo mesmo caminho.
João Pedro Pincha e Abel Coentrão 24 de Junho de 2019, 7:25
Três amigos juntam-se à esquina da Praça Pasteur e começam a
olhar para o chão. Desde há uns tempos que sobre o negro alcatrão da Avenida de
Paris existe uma faixa verde para bicicletas. A novidade anima-lhes a conversa.
Frederico, Pedro e Luís, vizinhos nesta simpática artéria do Areeiro, pedalam
nas suas deslocações diárias e apresentam-se como “tipos normais que usam
bicicleta”. Aquela ciclovia não lhes inspira grande confiança, uma sensação partilhada
por muitos portugueses, noutras cidades, em que aos erros de concepção se junta
um investimento que, até aqui, privilegiou o lazer em vez dos percursos
quotidianos.
“Quando tens uma ciclovia que dá uma volta maior do que
devia ou que é estreita, eu, enquanto ciclista, penso que isto não faz
sentido”, comenta Frederico Duarte. Ali o problema que identificam é a
estreiteza da faixa, pintada na estrada entre o passeio e uma fila de
estacionamento automóvel.
A ciclovia da Avenida de Paris é a mais nova de Lisboa e
surgiu no âmbito de uma empreitada que incluiu ainda a alteração dos sentidos
de trânsito, a reordenação do estacionamento e o fim dos carros em segunda
fila. “Era fácil fazer esta rua a 60 quilómetros à hora”, lembra Pedro Sadio,
considerando que a obra trouxe vantagens. “Durante várias horas do dia havia
carros estacionados quase em cima da passadeira, obviamente que era perigoso.”
Durante anos a Avenida de Paris foi usada pelos
automobilistas para escaparem ao trânsito da Av. João XXI e fazerem mais
rapidamente o percurso entre a Praça de Londres e a Almirante Reis. Agora já
não é possível esse caminho porque em ambas as pontas há sentidos proibidos. O
trânsito automóvel distribui-se a meio, na Rua Presidente Wilson, para um lado
e para o outro, as vias são partilhadas por carros, bicicletas e trotinetes e a
velocidade máxima é de 30 quilómetros por hora.
“Tens uma cidade que não foi pensada para outro meio de
transporte que não o carro”, constata Luís Gregório. Qualquer mudança que
contrarie esse paradigma é boa, defendem os três. Mas são críticos da forma
como se está a caminhar. “Estamos a desenhar ciclovias para quê? Se é para
serem uma alternativa de mobilidade viável, isto tem tudo de ser repensado”,
opina Frederico. “Queremos usar as ciclovias como divertimento político ou como
meio de transporte?”, questiona.
Num colete de forças
Inês Castro Henriques, chefe da Divisão de Estudos e
Planeamento da Mobilidade (DEPM) da câmara de Lisboa, diz que a autarquia
encara a bicicleta como mais uma forma de fazer deslocações urbanas e que a sua
prioridade é criar condições para isso. Das intenções à realidade vai por vezes
uma distância maior do que desejaria, admite a responsável, sobretudo porque o
espaço não estica. “Estamos todos a aprender a gerir a cidade com todas as
novas solicitações”, comenta.
A DEPM, criada no ano passado depois da última reorganização
interna da câmara, é onde se desenha a rede ciclável de Lisboa. No site da
autarquia está disponível há vários anos um mapa com as ciclovias previstas,
que é a rede “nos seus traços gerais”, sujeita às alterações que cada local
imponha, explica Inês Henriques.
O mapa tem mais amarelos do que verdes, o que significa que
ainda se está longe de chegar aos 200 quilómetros de ciclovia que Fernando
Medina definiu como objectivo para este mandato. Mas a rede tem crescido e nos
próximos dois anos vai aumentar muito de tamanho. O próximo passo é a Praça de
Londres e a Av. Manuel da Maia, seguindo-se a Av. da Índia. Para outras grandes
avenidas – Gago Coutinho, Almirante Reis, Roma, Lusíadas, Combatentes,
Defensores de Chaves, Ceuta – estão também prometidas ciclovias, ainda sem
data.
“A nossa aposta neste momento é expandir a rede o mais
possível cumprindo os requisitos mínimos de segurança”, afirma Inês Castro
Henriques. Com a filosofia de que “faz-se rede ciclável e os ciclistas
aparecem”, a câmara quer primeiro ter a infra-estrutura básica para depois
pensar no “dimensionamento da rede”, que a chefe de divisão admite ser “uma
preocupação futura”.
Na Avenida da República, por exemplo, a ciclovia construída
há dois anos parece já não ser suficiente para a procura. Bernardo Campos
Pereira, arquitecto que é consultor da câmara nestes projectos, faz contagens
regulares de ciclistas nos principais eixos da cidade e diz que os saltos têm
sido significativos. “Em 2009 havia 0% de mulheres a andar de bicicleta, hoje
estamos nos 27%, 28%”, exemplifica. Na Duque de Ávila, uma das primeiras
avenidas do centro que teve ciclovia, houve “quase 60 mil passagens no primeiro
trimestre” deste ano.
Depois de um longo período em que a construção de ciclovias
esteve no pelouro do Ambiente, “houve um momento em 2014 em que se percebeu que
a estrutura ciclável tinha de saltar para a rede viária”, explica Inês
Henriques, e foi aí que passou a ser competência da Direcção Municipal de
Mobilidade, que desde há dois anos voltou a ter um vereador próprio.
Como a própria autarquia reconheceu num relatório de 2017,
as primeiras ciclovias de Lisboa, que essencialmente serviam para ligar espaços
verdes, têm inúmeros erros de concepção e defeitos de construção. Outras mais
recentes, como a da Av. 24 de Julho, são criticadas por terem ângulos apertados
e várias zonas de conflito com os peões. “O ciclável é mais uma componente do espaço
público. Temos de negociar tudo ao centímetro, vivemos num colete de forças”,
admite Inês Castro Henriques.
Diálogo, diálogo, diálogo
Para Mário Alves, especialista em mobilidade e transportes,
em Lisboa “as bicicletas têm andado um bocadinho aos trambolhões”, o que gera
conflitos desnecessários. Segundo os responsáveis da câmara, a criação de
ciclovias origina sempre duas reacções: os automobilistas queixam-se quando
perdem estacionamento, os comerciantes protestam por temerem quebras de
negócio. Mário Alves prefere falar de outros: os peões. “O espaço para
bicicletas deve ser sempre conquistado aos automóveis e não aos peões. Mas os peões
não têm peso político e, por isso, há sempre a tentação de dizer que o passeio
é demasiado largo.”
Isto resolvia-se, acredita o especialista, com “um
planeamento estratégico de longo prazo, com participação pública estruturada,
para a mobilidade em Lisboa”. Porque “se for criado um plano de mobilidade tem
de existir uma mesa onde tenham assento os ciclistas, o ACP, os peões, os
utilizadores de transportes públicos…”
Mário Alves, que é de opinião que tem faltado coragem à
câmara para dar passos mais largos – fechar a Baixa ao trânsito, por exemplo –,
diz que “há muito trabalho a fazer a montante das ciclovias”. Lembrando uma
hierarquia desenhada há uns anos pela MUBi (Associação pela Mobilidade Urbana
em Bicicleta), que põe as ciclovias no fim da lista das prioridades, Mário
Alves diz que “ter mais bicicletas não pode ser um objectivo em si, será o
resultado de ter uma cidade melhor para todos”.
Inês Castro Henriques diz que, actualmente, as intervenções
são planeadas tendo em conta toda a envolvente: transportes públicos,
estacionamento, tipo de passeios, perfil da via. “A rede ciclável é, em
primeiro lugar, um factor de acalmia de tráfego”, diz a responsável camarária.
Mário Alves espera que já não se repitam “os exemplos
medonhos” das ciclovias da Av. do Brasil ou da Av. Frei Miguel Contreiras, mas
diz que dois problemas graves persistem na infra-estrutura: as ciclovias em
cima do passeio e os cruzamentos, ainda muito perigosos. “Falta coordenação
técnica e é preciso falar com mais gente”, diz, pondo a tónica na participação
pública.
Disso também se queixam os três vizinhos da Av. de Paris.
“Não tem havido aquela coisa de chegar a um bairro, abrir a planta, convidar as
pessoas e perguntar-lhes: ‘Como é que podemos desenhar ciclovia aqui?’”,
lamenta Frederico Duarte.
A chefe da DEPM reconhece que, para lá de reuniões com
associações do sector, tem faltado uma discussão mais alargada e acredita que o
momento certo poderá ser o lançamento do Plano de Mobilidade Sustentável, que
está em preparação. Nele se tentará garantir, entre outras coisas, que a
bicicleta seja alternativa de mobilidade dentro e fora de Lisboa. “Todos os
nossos projectos vão ligar às fronteiras concelhias. Falta agora os outros
chegarem-se à frente”, desafia Inês Henriques.
Lisboa invejada no Norte
Apesar das dores de crescimento da sua malha de ciclovias,
Lisboa é já olhada com alguma admiração – suspiro talvez fosse melhor palavra –
por quem tenta usar a sua bicicleta noutras grandes cidades do país, como
Porto, ou Braga, e vê demorar o investimento em infra-estrutura. Com
percentagens ínfimas – abaixo de 1%, ao nível de utilização deste modo de
transporte para as deslocações diárias – uma e outra estão longe de pequenas
urbes onde o modo ciclável tem um espaço – físico e simbólico – invejável, como
a Murtosa, líder do Bike Friendly Index, e mesmo de outros concelhos da Ria de
Aveiro.
Esta é uma região bem plana, já se sabe, mas isso é só uma
desculpa, como diria o dinamarquês Mikael Colville-Andersen. Talvez seja
preciso esperar pelo investimento para se perceber que os ciclistas existem, e
que estão é escondidos entre o tráfego automóvel, ou nem sequer tiram a bicla
da garagem com medo dos carros. Tal como eles, “as cidades estão a avançar, mas
com receio”, assume Avelino Oliveira, arquitecto que tem participado na
concepção de ciclovias em vários municípios, o último deles a Póvoa de Varzim.
“Estamos a desenhar uma cidade em cima de uma cidade existente, e isso gera
sempre conflitos”, acrescenta, acreditando que os investimentos que estão a ser
feitos, apesar de alguns erros de aprendizagem, “vão deixar um lastro muito
positivo”.
É por esse lastro, uma base que garanta a expansão deste
modo de transporte, que o presidente da Braga Ciclável anseia há muito, até
porque vive numa cidade cuja dependência funcional ao automóvel lhe granjeou má
fama, em termos de sinistralidade rodoviária. Para Mário Meireles, defender a
possibilidade de usar a bicicleta diariamente, e em segurança – há meses ele
transportou a sua noiva numa bicla de carga, no dia do casamento – é
indissociável de outra campanha que a sua associação iniciou entretanto, a
Braga Zero Atropelamentos. É tudo uma questão de abrandar.
A Braga Ciclável anda a pregar pela mudança a todas as
capelinhas políticas, e quando o actual presidente da Câmara, Ricardo Rio,
chegou ao poder, em 2013, acompanhado de um vereador do urbanismo sensível a
estas matérias do uso democrático do espaço urbano, ouviram uma campainha.
Seria uma bicicleta? O vereador Miguel Bandeira ainda anunciou, logo em 2014,
um plano para a construção de setenta quilómetros de vias cicláveis. Mas, dado
o investimento necessário, o projecto não avançou – está a ser avaliado à luz
do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável, explicou ao PÚBLICO a arquitecta
Fátima Pereira, que trabalha as questões da mobilidade no departamento do
Urbanismo.
A aposta da autarquia, acrescentou, tem sido, com projectos
vários, como o da criação de bairros de zona 30 km/h, a da melhoria das
condições de circulação dos peões, as principais vítimas de décadas de
planeamento centrado no automóvel. Para já, o município anunciou uma extensa
reformulação da primeira ciclovia da cidade, a da encosta de Lamaçães, que
terá, finalmente, uma ligação ao pólo de Gualtar da Universidade do Minho e,
desta, à via também ciclável que atravessa boa parte da Rua Nova de Santa Cruz.
Mas o grande desafio, alerta Meireles, é encontrar um desenho que permita ligar
as várias “cidades” em que Braga se transformou, separadas por uma circular
perigosa e nada “urbana”, apesar de atravessar áreas densamente povoadas.
Porto volta a dar ao pedal
Já no Porto, e depois de um período de relativo
“adormecimento”, 2019 e 2020 prometem ser anos fortes de investimento na
criação de algo a que se possa chamar uma “rede” de ciclovias. O município vai
apresentar detalhe e cronograma de obras já no próximo mês, mas o arquitecto
Manuel Paulo Teixeira, director Municipal de Mobilidade e Transportes, abre um
pouco o jogo, e refere, por exemplo, que um dos projectos a avançar será o da
ligação entre os pólos universitários da Asprela e do Campo Alegre, bem como a
reconfiguração e expansão da ciclovia da Avenida da Boavista. Que levará a
bicicleta para a rotunda mais famosa da cidade.
Depois de terem conseguido, em 2017, que o Porto passasse um
ano inteiro sem uma morte nas suas ruas, o pelouro do Urbanismo, liderado por
Cristina Pimentel, continua a trabalhar, garante o director municipal, para que
essa boa notícia se repita em mais anos. E a bicicleta, mais do que um modo de
transporte a incentivar, é vista como uma boa justificação para um redesenho do
espaço urbano que retire protagonismo ao automóvel.
Essa é a principal ambição de Ricardo Cruz, representante da
MUBI no Porto, que recorda o tempo – e ele só tem 46 anos – em que havia
infra-estrutura dedicada para ciclistas em vias concorridas como a Avenida AEP
ou a Ponte da Arrábida. Hoje, no Porto, só se pode falar numa rede ciclável
dentro do Parque da Cidade. Fora dele, os 16 quilómetros existentes estão
praticamente alheados de qualquer ideia de mobilidade.
Manuel Paulo Teixeira espera que o próximo ano e meio possa
trazer novo alento a quem, apesar das dificuldades, insiste em pedalar no Porto
e cruza esta nova aposta com todo o esforço de acalmia de tráfego que, insiste,
a cidade está a levar a cabo, com o alargamento do estacionamento pago à
superfície, a criação de zonas 30 e de zonas de tráfego partilhado com
prioridade para o peão, em ruas mais estreitas em que os carros até poderão
passar, mas a velocidades ainda mais reduzidas. Na rua da Constituição,
exemplifica, depois de se ter começado a cobrar pelo estacionamento, este
deixou de ter procura num troço que, agora, vai ser transformado em ciclovia,
completando a que ali existe.
O planeamento está feito e, com vontade de avançar depressa,
o Porto, promete, tentará cometer menos erros de concepção. “Já há muita e boa
literatura sobre o tema”, nota, considerando, contudo, que é preciso verificar
a aplicabilidade das soluções testadas lá fora aos espaços específicos de cada
cidade. Avançando as obras, o Porto vai finalmente ter mais canal para
ciclistas, semaforização específica, nalguns pontos, mais bicicletários e, nota
o director municipal, um novo PDM cujos princípios regulamentares fixem um
lugar para este modo de transporte na cidade do futuro.
“Tem de se fazer com que o automóvel seja a opção mais
estúpida dentro da cidade”
João Pedro Pincha e Abel Coentrão 24 de Junho de 2019, 7:25
Quando Mikael Colville-Andersen esteve em Lisboa, há cerca
de dois anos, só deu um conselho a Fernando Medina: “Construam! Têm de começar
a construir. As pessoas não vão aparecer até que haja infra-estrutura para
bicicletas protegida, que esteja fisicamente separada dos carros e dos peões.”
Designer e urbanista canadiano-dinamarquês, Collvile-Andersen
é uma das vozes mais influentes e irreverentes da actualidade sobre a
mobilidade nas nossas cidades. Em conversa com o PÚBLICO, defende que investir
em ciclovias é investir em saúde pública, mas alerta que é preciso ter cuidado
no planeamento. “Há imensas cidades em que o presidente da câmara só quer
mostrar que é moderno e fantástico porque tem lá uma ciclovia. É uma treta. Se
não vai para lado nenhum, se não estiver planeada para quem de facto a usa, é
inútil. Muitas vezes é show-off.”
Em paralelo a uma defesa das vantagens do uso da bicicleta
em espaço urbano, Mikael Colville-Andersen gasta umas quantas páginas do seu
último livro, Copenhagenize – um “guia definitivo” para um urbanismo global
virado para a bicicleta, como lhe chama –, a tentar convencer-nos de que o
carro é, por vários motivos, um problema para as cidades, e que a sua transição
para o modo eléctrico apenas resolverá a questão das emissões no local de
circulação, mantendo, contudo, a pressão sobre o espaço público.
“Nas cidades europeias passámos os últimos 70 anos a dar as
estradas aos carros e mais nada. As estradas estavam só a ser desenhadas para
os carros e agora começamos a ver por todo o mundo um desenho mais
democrático”, afirma, por telefone.
Considerando os riscos que andar de carro comporta a título
individual e colectivo, e desde logo pelo impacto da circulação automóvel na
sinistralidade rodoviária, e nas doenças associadas ao sedentarismo, o autor de
outro blogue famoso, o Cicle Chic chega a defender que esta dependência do
carro deveria ter, por parte das autoridades, uma abordagem semelhante à que
foi adoptada para o tabaco.
Em jeito de provocação, mostra no seu livro, editado no ano
passado, imagens de um veículo com mensagens garrafais do tipo: “Conduzir provoca
malefícios a si e aos outros”, ou “conduzir este carro pode provocar uma morte
lenta e dolorosa”. A ideia seria, assume, acabar com o status, o glamour,
associado à posse deste objecto. Afinal, alguém compraria um bólide se tivesse
de escolher umas mensagens destas, ou outras, para colar na carroçaria, à saída
do stand?
Como parece altamente improvável que tais mensagens venham a
existir um dia, o designer aposta no redesenho das cidades. “Não gosto de usar
a expressão ‘roubar espaço aos carros’, prefiro ‘reorganizar o espaço’”,
sublinha, acrescentando que não se pode tentar mudar os automobilistas à força.
“Os motoristas são os últimos a mudar. Não começamos por aí, é o pior começo.
Planear não tem só a ver com bicicletas, mas também com os transportes públicos
e andar a pé – é combinar estas três formas de locomoção e planeá-las para as
pessoas. E depois, mais tarde, os motoristas começam a perceber qual é a forma
mais rápida de se deslocarem dentro da cidade.”
“Tem de se fazer com que a condução automóvel seja a opção
mais estúpida dentro da cidade. Mostrar aos condutores que ir de carro do ponto
A ao B é mais demorado leva-os automaticamente a procurar alternativas mais
rápidas”, explica Colville-Andersen. Ou seja: “Não se pode simplesmente dizer às
pessoas ‘ande de bicicleta, é bom para si’. Não, é preciso que elas sintam
vantagens no tempo que demoram, na flexibilidade.”
Colville-Andersen defende que o espaço urbano deve ser usado
a baixas velocidades – por todos os veículos – e, citando estudos internacionais,
refere que isso garante uma maior capacidade de percepção de tudo o que está na
envolvente, reduzindo drasticamente o risco de acidentes. É por isso também que
critica movimentos de ciclistas que lutam pelo espaço urbano apenas pela possibilidade
de o usarem também a grande velocidade.
O pior promotor do uso da bicicleta por novos e velhos,
homens e mulheres, é o ciclista equipadíssimo com a sua roupa de licra e que
sabe de cor o peso da sua bicla, alerta Colville. O melhor promotor, escreve, é
aquela pessoa que lhe saiba dizer que compras consegue carregar num cesto ou
num alforge. Se a ideia é democratizar o espaço público, a comunicação,
assinala, não deve estar entregue a uma ou outra subcultura, mas a pessoas
comuns.
É por isso também que Colville-Andersen pede que se ponham
de lado os argumentos ambientais. Para ele, o ambientalismo – tema
importantíssimo – é um flop de marketing, pois anda há 40 anos a alertar para o
desastre e ainda não conseguiu convencer o número necessário de pessoas a fazer
o que é preciso.
Na sua perspectiva, e seguindo os dados dos inquéritos de
Copenhaga, o incremento do uso da bicicleta deve apoiar-se na satisfação de
necessidades pessoais – rapidez, poupança, conforto, sociabilidade – e menos
nas colectivas. “A câmara de Copenhaga nunca fez comunicação das ciclovias. Não
se fala de andar de bicicleta, apenas se planeia a cidade para isso”, diz ao
PÚBLICO.
Aconselha, por isso, Lisboa a fazer o mesmo e está
convencido de que a capital portuguesa pode ter sucesso, desde que planeie bem.
“85% de Lisboa tem menos de 5% de inclinação. E ninguém quer andar de bicicleta
em Alfama, que ainda por cima está calcetada com paralelepípedos, é um inferno.
Lisboa talvez não chegue ao nível de Copenhaga, em que 63% das deslocações são
em bicicleta, mas pode facilmente chegar aos 40% dentro de cinco anos”, afirma.
E alerta: “Há cidades que começam a fazer ciclovias nos
bairros ricos, quando há gente que precisa mais delas e precisa mais
rapidamente. A infra-estrutura ciclável não quer saber quem a usa, é transporte
e toda a gente precisa de transporte. Tem de se olhar para as zonas e pensar:
aqui vive muita gente, há escolas, há emprego. Tem de se pensar em planear nas
áreas mais óbvias, não interessa se são ricas ou pobres.”
Em Copenhagenize – obra essencial para autarcas que
pretendem mexer nas suas cidades – Colville chama a atenção para a necessidade
de planear com recurso a informação – ele ajuda, rebatendo alguns mitos sobre
as dificuldades que o clima e a geografia e outras questões colocam à mobilidade
ciclável. Defende a recolha de dados sobre a utilização da via pública e,
quando estas existam, a observação sobre a forma como são usadas as ciclovias.
Muitas vezes, vinca, se uma pista ciclável é pouco usada, o
problema pode não ser de falta de procura, mas de erro na sua concepção. E,
quanto a exemplos, bons e maus – incluindo, nestes, alguns casos naquela é
considerada a melhor cidade para se pedalar, Copenhaga – o livro é um
repositório interessante, para técnicos e decisores envolvidos neste movimento
de transformação que, mais do que uma nova cultura de mobilidade, procura dar à
bicicleta um espaço que ela já teve em muitas das nossas cidades.
tp.ocilbup@ahcnip.oaoj tp.ocilbup@oartneoca
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