O “triunvirato”, os ”operacionais” e o papel dos gestores da
Caixa. A tese de Pinhal sobre o assalto ao BCP
11/6/2019, 21:34
Em audição repleta de acusações, algumas “sem meio de
prova”, Filipe Pinhal descreveu teias de poder, apontou o dedo ao
"triunvirato" e aos "operacionais" na tomada de controlo do
BCP.
Autores
Vítor Rodrigues Oliveira
Ana Suspiro
Sempre que não tinha prova das acusações que proferia — e
foram muitas vezes —, Filipe Pinhal fez questão de deixar isso claro aos
deputados. Mas as convicções e perceções do antigo presidente do BCP visaram
sobretudo José Sócrates, Teixeira dos Santos, Vítor Constâncio, sem poupar Joe
Berardo e Carlos Santos Ferreira, pelo papel que terão tido na “marosca” ou no
que se convencionou chamar de “assalto ao BCP ou “tomada de controlo” do maior
banco privado.
Filipe Pinhal arrancou a audição a desmentir Joe Berardo. O
empresário madeirense tinha afirmado na comissão de inquérito que foi o antigo
gestor a sugerir um pedido de empréstimo à Caixa Geral de Depósitos para compra
de ações no BCP. Mas Filipe Pinhal nega: “Os empréstimos tiveram lugar em 2007
e o senhor José Berardo estava assinar uma proposta para destituir-me”. E, por
isso, ironiza: “era pouco provável que eu estivesse a ajudar o senhor José
Berardo a alcançar mais votos para me destituir”.
O antigo gestor do BCP lembra ainda que a ordem dada pelo
Banco de Portugal para o BCP fechar a torneira do crédito aos seus acionistas
era anterior à investida de Berardo no capital do banco.
As guerras de poder – nomeadamente as trincheiras de 2007 no
BCP – acabaram por ocupar boa parte da audição, mas também as teias de
influência que Filipe Pinhal diz terem existido para controlo da banca em
Portugal. As teses de Filipe Pinhal não são novas, o próprio sublinhou que já
foram defendidas em entrevistas e vários livros, alguns publicados pelo
próprio. Contudo isso não diminuiu o interesse dos deputados nas respostas do
antigo gestor da banca, numa audição que demorou cinco horas e na qual a Caixa
não foi a protagonista.
O “triunvirato” de Sócrates, Teixeira dos Santos e
Constâncio
“É indesmentível que o Governo – todo o governo, não apenas
José Sócrates – tinha enorme influência na CGD e no BES”, aponta Filipe Pinhal.
E acusa Sócrates, Teixeira dos Santos e Constâncio de terem sido um
“triunvirato” que deu “a bênção para a tomada de controlo do BCP”. Sócrates foi
rápido a reagir a estas alegações.
O antigo gestor do BCP ressalva que nunca ouviu o então
primeiro-ministro pronunciar-se sobre o assunto, mas é categórico: “Não se
pense que a Sonangol (petrolífera angolana) vinha desencadear uma tempestade em
Portugal se não tivesse a concordância do primeiro-ministro, quanto a isso não
cabe qualquer dúvida”.
Em relação ao Banco de Portugal e ao então governador Vítor
Constâncio, Filipe Pinhal considerou o tratamento dado ao caso BCP como
“completamente anómalo”.
“Não tenho conhecimento que em qualquer país do mundo fossem
chamados os presidentes de dois bancos (Caixa e BPI que eram acionistas do
BCP)” para discutir o futuro de um outro banco concorrente. A única explicação
que encontra para esta atitude do “habitualmente sereno Vítor Constâncio” é a
da “desorientação,” face à execução do chamado assalto ao poder do BCP. “Ainda
hoje se me contassem não acreditava”, diz Filipe Pinhal em resposta à deputada
do CDS, Cecília Meireles.
Em relação a Teixeira dos Santos, Filipe Pinhal revela uma
conversa que terá tido com Santos Ferreira, em que este lhe terá confidenciado
que Francisco Bandeira não podia ir para o BCP, porque o então ministro das
Finanças queria “ter alguém de confiança na Caixa”.
A “marosca”
Filipe Pinhal reconheceu algum tempo a perceber o que se
estava a passar na chamada guerra do BCP. E um marco para essa perceção foi a
denúncia feita por Joe Berardo, já depois de Teixeira Pinto se ter demitido no
verão de 2007 que apontou para ligações do BCP a offshores para compra de ações
do próprio banco — história que Filipe Pinhal descreve como uma “ficção”. Esta
denúncia foi o que levou o Banco de Portugal a abrir um processo, afastá-lo do
cargo de presidente do BCP, em dezembro de 2007, e convidar alguns acionistas a
encontrar outros gestores.
Filipe Pinhal conta que falou então com Carlos Santos
Ferreira — à altura presidente da CGD —, sobre o sentido de voto do banco
público, que era também acionista do BCP na assembleia-geral que iria eleger
nova administração. “Ele disse-me que a Caixa ia votar ponto por ponto e foi aí
que percebi que estava envolvido na marosca”, lamentou. Que marosca? Filipe
Pinhal respondeu ao deputado Paulo Sá, do PCP, que o então presidente da Caixa
estava envolvido numa estratégia de tomada de poder do banco privado, que teria
como objetivo a passagem de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara da CGD para o
BCP, no final de 2007.
“Quem foi instrumentalizado não foi o banco público, mas sim
alguns administradores”, entende Pinhal, que exclui Vítor Fernandes da
“marosca”.
Filipe Pinhal revela ainda várias conversas que terá tido
sempre no mesmo sentido: sem Carlos Santos Ferreira e/ou Armando Vara, a lista
liderada por Filipe Pinhal para se manter na administração do BCP não teria
qualquer futuro.
Primeiro, uma conversa com Manuel Fino, acionista do BCP,
que tinha estado ao lado de Paulo Teixeira Pinto, e que lhe disse que Berardo
ia fazer uma denúncia ao Banco de Portugal. Mas não só: a lista só passaria se
integrasse Carlos Santos Ferreira.
Momentos depois, segunda conversa com Paulo Macedo — atual
presidente da CGD —, que estava então na lista liderada por Filipe Pinhal. O
mesmo aviso, com uma nuance: a lista de Filipe Pinhal não passará, se não tiver
os nomes de Caros Santos Ferreira OU Armando Vara. Nessa conversa — continua
Filipe Pinhal — Paulo Macedo mostrou-se disponível para sair da lista e dar
entrada a um destes elementos. Pinhal recusou.
Pouco depois, terceira conversa: uma chamada de Miguel Maya,
atual presidente do BCP, que também à data era membro da lista de Pinhal. E
nova nuance: a lista só passará se tiver Santos Ferreira e Armando Vara. E, tal
como Paulo Macedo ter-se-á oferecido para ceder o lugar.
Os “operacionais” e “o varrimento” dos emails
O “triunvirato” a que alude Filipe Pinhal tinha também
agentes “vários operacionais”. Pinhal invoca nomeadamente as intervenções de
Joe Berardo na SIC (no programa de Mário Crespo) e a atuação da Ongoing. Nuno
Vasconcellos e Rafael Mora, sócios da Ongoing, eram “agentes e fizeram o mesmo
na PT”, considera.
Filipe Pinhal especula sobre o papel que a Ongoing possa ter
desempenhado na denúncia de Berardo, em 2007, sobre operações bancárias
realizadas em paraísos fiscais. O antigo gestor diz ter estranhado a forma como
a denúncia evoluiu, notando que, num primeiro momento, Joe Berardo juntou
fotocópias de três documentos, mas, mais tarde, seguiram “mais de uma dúzia de
documentos” referentes a créditos feitos em 1999, 2000 e 2001.
“Eram documentos que estavam no arquivo morto do banco e
eventualmente digitalizados. Alguém lhe fez chegar documentos com 8, 9 e 10
anos de idade”, diz Filipe Pinhal. E especula: ou alguém guardou documentos
para usar mais tarde ou terão sido “forças externas ao banco”.
“Sem fazer nenhum tipo de acusação, mas tendo em conta a
qualidade dos operacionais da Ongoing, não me custa a acreditar que tivessem
sido elementos estranhos ao BCP que fizessem buscas ao arquivo. Não me custa a
acreditar, não estou a dizer que tenha sido”, lançou Filipe Pinhal, em resposta
à deputada Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda.
“Não devo excluir que tenham sido elementos com expertise
para fazer um varrimento das trocas de emails do banco, onde encontraram
documentos que depois foram entregues ao senhor Berardo”.
“O presidente do BCP foi o senhor Berardo”
Para Filipe Pinhal, “Berardo era das principais figuras do
país” e que tinha muito poder no BCP. Tanto que, na prática, “de 2008 até 2012,
o presidente do BCP foi o senhor Berardo”, garante.
Como? Filipe Pinhal aponta para as condições da
reestruturação da dívida que foi negociada com o BCP e com a Caixa entre 2008 e
2009 — e que permitiu ao “Sr. Berardo respirar”, adiando o reembolso do
empréstimo. Para Pinhal, Santos Ferreira e Vara foram colocados no BCP para
reestruturar os créditos — de Berardo e Fino — “que na altura já não tinham
cura”.
O antigo administrador acusa ainda Constâncio de o ter
“corrido” a si e ao colega de administração Christopher de Beck, depois de os
dois terem recusado conceder mais um crédito do BCP a Berardo.
Mas, segundo Filipe Pinhal, o poder de Berardo não se
reflete apenas nas condições da reestruturação. O antigo gestor revelou aos
deputados o tipo de relação que entende ter existido entre Berardo e os
presidentes dos restantes órgãos do BCP: “O senhor Berardo foi eleito presidente
da comissão de remunerações em 2008. Quem fazia parte da Comissão de
Remunerações, mas como vogal, era o senhor Luís Champalimaud, que era
presidente do Conselho Geral e de Supervisão. E o senhor doutor Carlos Santos
Ferreira tinha sido empregado de Champalimaud na companhia de seguros Mundial
Confiança. Portanto, [Carlos Santos Ferreira] estava num plano claramente
subordinado: era o funcionário a falar para o patrão”, entende Filipe Pinhal.
Tendo em atenção os perfis em questão, Filipe Pinhal diz não
ter dúvida de que “o senhor Berardo falava grosso para o senhor Luís
Champalimaud”, porque — continua — “o senhor Champalimaud não é homem de
enfrentar o seu interlocutor, calava e dizia ao doutor Carlos Santos Ferreira:
olha, que o que ele quer é isto…”, afirma Filipe Pinhal.
“E qual dos dois é que se atrevia a enfrentar o senhor
Berardo? E como é que o doutor Carlos Santos Ferreira enfrentava o senhor
Berardo sabendo que foi ele quem o pôs no BCP? E como é que a administração da
CGD enfrentava o senhor Berardo, sabendo da metralha que o senhor Berardo era
capaz de fazer a partir do Jornal das 9, da SIC, sobre a administração da
CGD?”, questiona ainda o gestor.
Filipe Pinhal nota que Berardo “na altura tinha um poder de
fogo extraordinário, metralhava sobre quem quisesse”.
“Que este poder [de Berardo] convinha muito a quem quisesse
controlar o BCP não tenho dúvida absolutamente nenhuma; que o senhor Berardo
era devedor do senhor José Sócrates pelo favor que tinha feito de acolher a
Coleção Berardo também não tenho dúvida nenhuma”, acusa ainda.
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