segunda-feira, 24 de junho de 2019

Ministra da Cultura: "Não é por falta de dinheiro que não se resolve o problema do São Carlos"



Ministra da Cultura: "Não é por falta de dinheiro que não se resolve o problema do São Carlos"

No meio da discussão com os sindicatos e trabalhadores artísticos do São Carlos, da Companhia Nacional de Bailado e da Orquestra Sinfónica Portuguesa, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, garante que o problema dos salários desiguais está em resolução. E fala dos planos para a coleção do Estado - da qual estão mais de cem obras com paradeiro incerto.

Catarina Carvalho e Arsénio Reis/TSF
23 Junho 2019 — 00:43

Reuniu-se nesta semana com o sindicato que representa os trabalhadores da OPArt, também com membros do corpo artístico das três entidades que fazem esta grande entidade que é a Companhia Nacional de Bailado, o Teatro Nacional de São Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o coro do Teatro Nacional de São Carlos. Que resultados saíram desta reunião?
Reunimo-nos, de facto, com o sindicato, com o CENA e também houve reuniões com os corpos artísticos das estruturas artísticas que compõem o OPArt. Talvez só um breve enquadramento para se perceber porque é que a reunião de hoje foi importante. Quando, em março deste ano, há um pré-aviso de greve, foi feita uma reunião, comigo e com o sindicato - na altura, a proposta que fiz ao sindicato foi de trabalharmos para procurar soluções duradouras e estruturais para problemas que há muito tempo, na verdade, se arrastam no OPArt. Não procurámos apenas uma solução de circunstância. O que estava em discussão, e continua a estar, é uma questão de harmonização salarial, que tem origem numa deliberação de 2017.

Esses problemas, só para dar algum contexto, tinham que ver também com a junção de todas estas entidades numa entidade e, portanto, com as divergências quer salariais quer em termos de trabalho, etc., que isso provocou. Só para nos situarmos.
Certo. Há duas dimensões, digamos assim, de problemas estruturais. O OPArt é uma entidade empresarial pública que é constituída juntando três estruturas artísticas. Três estruturas artísticas essas que, sendo autónomas, tinham uma multiplicidade de regimes, desde logo laborais, diferentes na sua origem. Portanto, quando é criado o OPArt, desde 2007 até hoje, não é criado nenhum instrumento interno, nomeadamente não há um regulamento interno aprovado, nem nunca foi feita uma tabela salarial que agregasse, digamos assim, estes diferentes corpos. E, portanto, foi-se mantendo, ao longo destes 13 anos, estas, se quiser...

Discrepâncias...
Peças, são peças que não encaixam. Há técnicos de som que vêm com a Companhia Nacional de Bailado e técnicos de som que vêm com o Teatro Nacional de São Carlos, o corpo. Ou seja,... e esta desarmonização é algo que subsiste desde 2007. Nessa primeira reunião em março apontámos que este seria um caminho que interessava a todos. Procurar de uma vez fazer isto. E é isso que temos estado a fazer. E há toda uma outra dimensão que também é importante - que tem que ver com a programação. Com o que é oferecido ao público, com a forma como os próprios corpos artísticos se reveem ou não na programação e como é que três estruturas com direções artísticas diferentes devem projetar-se no futuro, se calhar, de uma forma diferente. Voltando ao problema de 2017. Para haver harmonização salarial havia diferentes horários de trabalho. 35 horas ou 40 horas. Porque a harmonização salarial é obtida através do valor/hora. Quando se decidiu, o governo, que o regime-regra deveria ser o das 35 horas, o conselho de administração da OPArt decidiu colocar todos os trabalhadores do OPArt no regime das 35 horas.

O que agravou a harmonização salarial.
Ora bem. Incluindo os que estavam com 40 horas. Portanto, ao voltar às 35 horas, este universo de cerca de 83 trabalhadores passaram...

A estar desiguais...
A estar desiguais face aos que já tinham, de origem, 35 horas. E esta questão de 2017 tem a particularidade de ter sido uma deliberação que foi tomada sem fundamento legal. E foi isso que hoje na conversa com o sindicato foi debatido. Esta deliberação só poderia ter sido tomada ou: 1) existindo um regulamento interno, que é aquilo que nós agora estamos a discutir, que tem de ser aprovado, um regulamento interno que previsse essa possibilidade; 2) não existindo regulamento interno, ter existido uma autorização prévia do governo, das tutelas, porque, segundo a lei do Orçamento do Estado, esta decisão tendo impacto financeiro.

Mas qual é o impacto? São os tais 60 mil euros que o sindicato diz serem?
Sim, mas o problema não é esse impacto. O problema é que temos uma decisão que foi tomada sem fundamento legal. Ou seja...

Decisão essa tomada pela direção da OPArt.
Isso é muito importante, essa questão que coloca. Porque eu tenho ouvido as pessoas questionarem-se "bem, mas se há três milhões para as obras porque é que não há...

Esse é um dos argumentos do sindicato, aliás.
Que hoje percebeu. Por isso, a questão já não surgiu no comunicado. Porque o problema aqui não é, evidentemente, o problema dos 50 mil euros, como é evidente. Se nós conseguimos, entre as duas tutelas, encontrar, ao final de 20 anos, um reforço orçamental de três milhões de euros para intervir no São Carlos, naturalmente não há problema em dotar, até não seria necessário, na verdade, 50 mil euros. A questão é que é uma decisão que foi tomada sem fundamento legal. O que coloca um problema, de que, naturalmente, os trabalhadores não têm culpa, mas que também nós herdámos, e que temos de resolver. A questão não é falta de verba. A questão é: há uma decisão que não poderia ter sido tomada. E, portanto, contaminou, de alguma forma, a discussão.

Acha que faz uma leitura partidária ou política de greves como esta?
Não, não faço. Vamos ver. Acho que... hoje em conversa com, fundamentalmente, com as estruturas, com os corpos artísticos...

O sindicato é o da CGTP...
Sim, mas vamos ver. Quer com o sindicato quer com as estruturas artísticas há um enorme descontentamento, também do lado dos corpos artísticos, de demasiados anos com assuntos por resolver. E, acima de tudo, há a necessidade, sentida do lado também dos artistas e dos próprios técnicos, de haver uma orientação diferente e ter alguns projetos diferentes, que o OPArt já teve. Só para lhe dar dois exemplos do que hoje falámos. Por um lado, uma maior descentralização da programação.

Fora de Lisboa?
Fora de Lisboa. A própria orquestra já fez muito mais programação fora de Lisboa, o próprio São Carlos já teve mais programação com públicos fora de Lisboa.

Vou só dizer os nomes: Companhia Nacional de Bailado, Teatro Nacional de São Carlos, Orquestra Sinfónica Portuguesa. Portanto, os nomes indicariam que não seriam coisas de Lisboa.
Isso mesmo. A história do OPArt e das estruturas artísticas tem mais essa dimensão no passado. Como tem, por exemplo, uma dimensão que é muito importante para nós, que é a parte dos projetos educativos. Todos já tiveram no passado, e bem, projetos educativos para trabalhar com públicos mais novos. Para os levar lá. Para ir às escolas. E isso tem de ser reativado e tem de ser construído.

Ou seja, o que está a fazer, no fundo, é também um mea culpa, certo?
Sim. Estou a fazer em relação a todos os governos. Da mesma maneira que não faço leituras partidárias das greves, também não quero dizer que a culpa é toda do lado B ou do lado A. Quando nós temos problemas que existem há 20, 30, 40 anos, quer dizer, na verdade é culpa de todos um pouco.

Ninguém liga nenhuma à cultura. Isso tem um bocadinho um lugar-comum, mas...
Eu não sei se é por isso. Acho que há um conjunto de situações que são, de facto, difíceis de resolver. E nem sempre, no fundo, se enfrentam as dificuldades da mesma forma. E, por exemplo, o facto de estar em diálogo com os próprios corpos artísticos, não só com o sindicato, é também uma forma de dizer que... é difícil de resolver, sim, mas há uma coisa com que todos temos de concordar: o facto de as estruturas artísticas estarem numa situação como estiveram, de greve, uma temporada, tem um impacto enorme do ponto de vista da sua relação com o público. Da mesma maneira que eu, em nome do governo, não quero que esse impacto se prolongue para a próxima temporada, os próprios artistas e os técnicos também não querem.

As greves estão desmarcadas?
Não, as greves não estão desmarcadas. Da reunião com o sindicato o que resultou foi, no fundo, isolar a questão, esta questão de 2017, para a harmonização salarial, da discussão que irá prosseguir, do regulamento interno, e sobre a tabela salarial. Será uma negociação feita diretamente com o governo, através da secretária de Estado da Cultura, e prosseguiremos a negociação do regulamento interno e da estrutura salarial, e, agora também, com um diálogo com os corpos artísticos relativamente ao que são os regulamentos específicos de cada uma destas estruturas e aquilo que podem ser projetos comuns.

Tem prazo para a solução?
Tem, até ao final do mês de julho. É o nosso compromisso, para esta parte de ter proposta de regulamento, proposta de tabela. E, naturalmente, esta questão da desarmonização salarial ser o mais breve possível. A solução que vier a ser encontrada para a desarmonização salarial de 2017 terá de constar do regulamento interno. Ou seja, é algo que tem de ficar estruturado para o futuro. Temos de encontrar uma solução. E encontrar uma solução implica uma negociação focada neste problema. A solução que vier a ser encontrada neste problema, como também vai ter repercussões, naturalmente, para o futuro, estará espelhada no regulamento interno. Portanto, até ao final do mês de julho vamos procurar ter o regulamento interno pronto. Enfim, uma base comum e uma tabela salarial.

Apesar desse acordo, não foram levantados os pré-avisos de greve.
Não. Não, porque naturalmente o sindicato tem - e nós percebemos, como é óbvio - também um ponto a perceber aqui, o que está em negociação com a senhora secretária de Estado.

"Quando tomei posse havia alguma tensão em setores da cultura. No dia antes de tomar posse sai uma notícia cujo título era: "Um buraco na cultura".


Não estava nos seus planos ser ministra da Cultura. Qual é o balanço que vai fazer desta sua passagem pelo ministério?
Não estava nos meus planos, é verdade. O balanço que faço... Eu tenho, ao longo destes 20 anos, tentado sempre ter uma postura mais ou menos nesta dimensão. Por um lado, procurar resolver problemas que existam por resolver - é algo que eu gosto de fazer. E, por outro lado, procurar criar soluções e, enfim, tentar inovar e criar algo de novo para o setor, procurando sempre fazê-lo com as pessoas e de uma forma participada, em diálogo, etc. Isso foi o que nós tentámos fazer aqui. Não só eu mas toda a equipa. Por um lado, identificar quais os principais problemas que estavam por resolver. E quando tomei posse havia, enfim, alguma tensão nalguns setores da cultura. Era o caso dos museus, como era o caso da discussão que existia no cinema. No dia antes de eu tomar posse sai uma grande notícia num jornal cujo título era "Um buraco na cultura". Era o buraco do Espaço do Tempo, onde está o Rui Horta, em Montemor, que, por causa do temporal, tinha cedido. E eu não me esquecerei desse artigo, porque das primeiras coisas que precisamente fiz foi resolver essa questão também prioritária. Portanto, hoje em dia o convento já está em obras. O Rui Horta já está num espaço provisório para depois poder voltar para lá. E, portanto, há esta dimensão de procurar encontrar soluções para problemas, como digo, alguns dos quais se arrastam há bastante tempo.

Um dos temas mais prementes, não só em Portugal, mas no mundo, é a crise da comunicação social e do jornalismo. Esse é um dos temas em que não interveio... Está a ser preparada alguma coisa? Ou há um grande prurido em intervir nesta matéria em Portugal?
Se eu dissesse que intervinha na comunicação social, toda a comunicação social a seguir ia escrever muitos editoriais sobre mim durante muito tempo.

Não necessariamente. Nos Estados Unidos está a debater-se o tema...
Iria, iria.

Estão a debater-se estas questões. Está a lembrar a sua declaração sobre o consumo de jornais, com certeza?
Entre outras.

Foi a única declaração que fez sobre jornais, a não ser as que fez também sobre a Lusa.
Por acaso, não é a única declaração que fiz sobre jornais. O que estou a dizer é: juntar intervir, governo e comunicação social na mesma frase, em Portugal, não costuma dar bom resultado.

E é por isso que não há nenhuma declaração nesta matéria?
E eu sou muito respeitadora daquilo que é a sociologia do território onde vivemos. Vamos por partes. Primeiro, a comunicação social é um setor, na minha perspetiva e na perspetiva do que tenho defendido, fundamental para o bom funcionamento da democracia. Não tenho dúvidas nenhumas. Primeiro pressuposto do quadro de que sempre parti. Segundo pressuposto do qual sempre parti, já o disse várias vezes, os países que mantiverem uma agência de notícias predominantemente ou totalmente pública e um grupo de comunicação social público serão, na minha perspetiva, os que estarão mais bem preparados para enfrentar o que vai ser o crescendo com as redes sociais e com a desinformação e com a utilização cada vez mais regular de outras fontes de informação que não, digamos assim, a comunicação social estruturada e regulada. E para mim estes são três pressupostos que já afirmei publicamente por diversas vezes, e no que diz respeito à dimensão pública da comunicação social - Lusa e RTP. O trabalho que temos desenvolvido é um trabalho, por um lado, com a Lusa e com a RTP, de desenvolver mecanismos internos - principalmente no que diz respeito à Lusa, como é que a Lusa pode contribuir para neutralizar e diminuir o que é o risco da desinformação e da ausência de controlo sobre a informação que é transmitida. Está um projeto em curso, com a Lusa, um pouco semelhante, se quiser, ao que também existe na France-Presse e que alguns países e algumas agências noticiosas vão desenvolvendo. Isto é uma dimensão na qual nós - governo - podemos intervir, colaborando com a Lusa. No que diz respeito à RTP, é sempre a articulação, no âmbito do que é o contrato de concessão de serviço público e a dimensão que tem sido mais noticiada, na relação com os trabalhadores e com os processos em curso.

"Os países que mantiverem uma agência de notícias predominantemente pública e um grupo de comunicação social público serão os que estarão melhores preparados para enfrentar o que vai ser o crescendo com as redes sociais e desinformação."

E a comunicação social privada?
No que diz respeito à comunicação social privada, o Estado tem o papel de regulador. Como aliás cada vez mais tem a União Europeia. Isso também é outro pressuposto do qual eu tenho sempre partido. Esta área, fundamentalmente, tem de ser regulada no espaço europeu. Não pode ser regulada no espaço de cada Estado membro. Por isso é que as diretivas que foram muito discutidas, nomeadamente esta última sobre a questão dos direitos de autor, são diretivas importantes em matéria de regulação dos direitos do setor privado. Agora, respondendo à sua pergunta. Em matéria de política pública de comunicação social, na minha leitura, o papel do governo - para não dizer do Estado - não pode ir muito além disto.

Obviamente, não estamos a falar de intervenção direta, de todo, nem era esta a intenção da pergunta. Nos Estados Unidos e na Europa debatem-se apoios. Apoios à inovação, apoios à reestruturação...
Nos Estados Unidos, não na Europa. A Europa tem um problema. No âmbito da União Europeia, tirando o Reino Unido, isso seria considerado apoios de Estado. Aliás, só para lhe dar um exemplo: ontem tive cá o meu homólogo espanhol, e eles estão com um problema em Espanha por uma multa pesadíssima da Comissão Europeia, precisamente por ser considerado apoios de Estado. Ou seja, é importante esclarecer isto.

Mesmo política fiscal seria considerada um apoio do Estado?
Pode ser. Esta dimensão de qual é o papel das entidades públicas nesta matéria tem de ter também atenção à relação no espaço europeu. Por isso é que eu dizia que uma das grandes questões que estamos neste momento a discutir a nível, por exemplo, de ministros da Cultura, da União Europeia - e foi, aliás, matéria da última reunião -, é precisamente qual é a dimensão das ajudas de Estado. Ou seja: não faria sentido diminuir a rigidez de considerar uma ajuda de Estado precisamente para poder ter mais instrumentos para intervir? Mas é uma discussão.

Partindo do pressuposto de que a comunicação social a preocupa, o que é que defende como possíveis soluções?
Eu acho que há duas dimensões. Há uma dimensão de relação do Estado enquanto regulador: a dimensão da publicidade, a dimensão do apoio, do financiamento que vai para a entidade pública através da taxa, enfim. Há uma série de questões que, como sabe, têm sido muito discutidas.

Por exemplo, a noção de serviço público, que tem de se discutir sempre.
De acordo. E acho que é uma discussão necessária. Agora, na minha perspetiva, e tenho dito muitas vezes, nós temos o nosso papel. De acordo. E aquilo que eu tentei enquadrar é: no que diz respeito ao público há uma concertação diferente daquela que diz respeito ao privado. A questão da regulação. E aqui a questão da regulação, hoje em dia, é muito situada ao nível europeu. E, por exemplo, o trabalho que agora temos de fazer para a transposição da diretiva, que tem impacto direto sobre a comunicação social... Ou tentar neutralizar mais o impacto do crescimento das redes sociais, de media, face àquilo que é a comunicação social regulada, se quiser, com o Código Deontológico que toda a gente conhece. Mas depois há outra dimensão que eu devo dizer que é muito importante. Eu tenho dito muitas vezes e vou aproveitar aqui para dizer. Esta questão da desinformação é fundamental para os media. Eu gostaria muito de ver mais iniciativas ou mais projetos ou mais medidas da parte das próprias empresas que gerem a comunicação social no sentido de adotar medidas sobre isso. Porque, repare, não há nada que o impeça.

O Diário de Notícias fez um grande projeto de investigação sistemática sobre desinformação.
Eu sei. Eu conheço o trabalho e é um ótimo trabalho. Mas eu não estou a falar de trabalho jornalístico, estou a falar de trabalho empresarial. São coisas diferentes. Ou seja, uma coisa é, e bem, o papel do jornalismo de investigação sobre o fenómeno, as origens, o que está a acontecer, explicar. Esse trabalho é extraordinariamente necessário e foi feito, de facto, pelo DN. Mas há uma outra dimensão. Da mesma maneira como o Estado enquanto acionista da Lusa pode concertar e construir com a Lusa um projeto para contribuir para combater a desinformação e ter um conjunto de medidas para o fazer, qualquer empresa que detenha um órgão de comunicação social também o pode fazer.

É verdade. Se calhar as condições é que não o permitem, não é?
Não sei. As condições do Estado também não são maravilhosas. Repare, isto tudo, como na vida, é uma questão de prioridades. E onde nós queremos investir e não.

"O Mosteiro dos Jerónimos tem 10 vezes mais de visitantes que o Museu Nacional de Arte Antiga. Tenho imensa dificuldade em perceber esta abordagem. Porque nós temos 23 museus e monumentos nacionais."


O diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, António Filipe Pimentel, tinha um projeto para o museu e disse que saiu com antipatia do governo. Que antipatia era essa? E quem é que foi antipático com quem?

Sabe que o caso António Filipe Pimentel é, para mim, algo relativamente demonstrativo ou ilustrativo de como muitas vezes estamos a olhar apenas para uma parte e falamos pouco do todo. E isso é algo que eu tentei colmatar ao longo deste tempo, com algum equilíbrio. Não por causa do António Filipe Pimentel, mas por causa do Museu Nacional de Arte Antiga. No dia em que nós confundimos pessoas com instituições, nesse dia matamos as instituições. Eu sou ministra agora, não serei daqui a uns tempos. Não sei quanto. Mas eu nunca vou confundir-me com o Ministério da Cultura. A questão dos museus pode contar-se da seguinte forma. Quando eu tomei posse havia um projeto, um projeto de novo diploma para os museus, que não tinha sido discutido com nenhum diretor de museu em Portugal. E que tinha um conjunto de medidas que não eram conhecidas nem tinham sido discutidas com os diretores de museus e monumentos nacionais. E, nessa proposta, havia duas ou três reivindicações mais conhecidas do António Filipe Pimentel, mas, na verdade, de todos os diretores. É o caso do NIF - número de identificação fiscal -, é a questão da autonomia e não ter um fundo de maneio, é o não ter possibilidade de fazer determinado tipo de despesas ou investimentos. O que nós fizemos foi trabalhar sob uma base que existia, introduzindo, nessa proposta de diploma, todas estes pontos que eram reivindicados. Ainda acrescentámos alguns, conseguimos algo muito importante, pelo menos na minha perspetiva: que os diretores dos museus passem a ter um estatuto diferente de tudo o que tem sido até hoje. São chamados diretores de departamento, portanto, são unidades integradas numa direção-geral. E, com o diploma que foi recentemente aprovado e promulgado, os diretores dos museus passam a ter um estatuto autónomo e a contratação, ou seja, os concursos para novos diretores, não tem de ser feita dentro da administração do Estado. Isso foi um trabalho que nós fizemos, entre outubro e janeiro. Estamos a falar de dois meses. Em janeiro o que é acontece? Agendei uma reunião com todos os diretores dos museus e monumentos nacionais. São 23. Mais os dos museus regionais. Nunca nenhum ministro tinha falado com eles. E, portanto, o que eu fiz sempre foi falar com todos. Porque isto é uma transformação que afeta estes 23 museus e monumentos nacionais. Não afeta só um.

Mas, dito dessa forma, não haveria nenhum motivo para o António Filipe Pimentel decidir sair.
​​​​​​​Eu até hoje não fiz nunca apreciações qualitativas sobre a posição do António Filipe Pimentel.

Mas faz uma avaliação positiva do trabalho dele?
Faço.

Do museu ou não?
Como diretor de museu, sim.

Não consegue é explicar a saída.
​​​​​​​Eu consigo. Ele demitiu-se. E evocou razões concretas que nunca se verificaram. O António Filipe Pimentel, em janeiro, durante a reunião que eu estava a ter com todos os diretores dos museus e monumentos nacionais, comunica a sua demissão. Não para mim, mas publicamente. E diz que não tem a intenção de, em junho, voltar a ser renomeado. Portanto, a partir de janeiro, o António Filipe Pimentel apresentou a sua demissão. Dizendo que aquilo que era o trabalho que o governo estava a fazer basicamente não ia resolver nada. Eu prossegui com todos os diretores, aliás, ele próprio foi à segunda reunião que fiz com todos os diretores de museus e monumentos nacionais e prosseguiu o trabalho. E a verdade é que, chegados aqui, não há um aspeto que tenha sido solicitado pelos diretores que não esteja no diploma. Está lá o fundo de maneio, a consignação de receitas para atividades do museu, está lá o número de identificação fiscal e aquilo que não existia e que, insisto, foi extinto em 2013, com a reforma orgânica - e eu nunca vi ninguém manifestar-se tanto como agora se manifestou quando tentámos reverter a situação -, está lá a delegação para poderem ter despesas e investimentos até cem mil euros, está o Conselho Geral dos Museus, que é, pela primeira vez, a possibilidade de existir um órgão só dos diretores dos museus, sem nenhuma intervenção da tutela, para se coordenarem e concertarem, precisamente porque os diretores dos museus avaliaram como positivo terem tido duas reuniões, entre todos. Repare, alguns estão há mais de 20 anos e nunca tinham estado numa reunião juntos.

Nunca houve nenhuma tentativa da sua parte de também lhe sugerir que ele tivesse alguma continuidade no cargo?
​​​​​​​Mas porque é que eu deveria fazer isso?

Não sei. Se faz uma avaliação positiva, eu julgaria isso... razoavelmente normal.
​​​​​​​Desculpe lá, vamos lá ver. Porquê? Eu tenho 23...

É a minha opinião. Não estou aqui para a dar, mas é uma opinião em forma de pergunta. Ou seja, se a avaliação que faz do cargo é positiva ao ponto de ter introduzido alterações que ele próprio sugeriu...

Não é ele próprio. Vocês estão a discutir na base de uma pessoa.

Ele e os restantes diretores.
Mas é que os restantes são importantes. Vamos lá ver. O Mosteiro dos Jerónimos tem dez vezes mais visitantes do que o Museu Nacional de Arte Antiga. Tenho imensa dificuldade em perceber esta abordagem. Porque nós temos 23 museus e monumentos nacionais. Alguns extraordinários. Com uma capacidade incrível de atrair nacionais, estrangeiros, de projetar o país. Há poucas imagens do país como aquelas que há dos Jerónimos e da Torre de Belém. E nós estamos, há meses, a falar de uma pessoa em concreto e de um museu que é extraordinariamente importante, mas que é importante per se. Não é importante pela pessoa que está lá à frente no ano X ou no ano Y. Portanto, o que eu estou a dizer é o seguinte: eu faço uma apreciação qualitativa e positiva do papel que teve no MNAA. De acordo. Mas a opção de não renovar não foi minha. A opção de não manter não foi minha. Eu nunca tomei essa decisão nem o governo alguma vez colocou essa decisão em cima da mesa. A decisão foi-me comunicada através dos jornais. E, portanto, a partir desse momento, o que eu sei é que há uma pessoa que se demite e não quer continuar. Eu, naturalmente, com todos, prossegui o trabalho para chegar aqui. E, aqui chegados, não há nada que não tenha sido aprovado.

"Até ao final deste ano o que a Direção Geral vai fazer é concluir aquilo que se chama a conferência de inventário da coleção do estado. Precisamente para dar resposta à pergunta: onde estão as obras do Estado."

Soube-se nos jornais que... recentemente, é a última polémica depois das várias outras anteriores, algumas das quais de que já falámos aqui, que haveria 170 obras de arte do Estado que estariam em local desconhecido. Já se sabe onde estão? Ou isto foi tudo um mal-entendido?

Começando pelo princípio, mais uma vez. É muito importante a história. A coleção do Estado começa em 1976. Aliás, é notável que seja das primeiras medidas de política pública depois do 25 de Abril. E esta coleção, ao longo destes 43 anos, teve inúmeros modelos gestionários e inúmeras formas de inventário. No fundo, é o resultado de um acumular de alterações orgânicas, de transferências de uma entidade para outra, de políticas de empréstimo, etc. E, portanto, ao longo destes 43 anos, mais uma vez voltamos à questão do OPArt, como há pouco falávamos, a minha avaliação é que nunca houve nenhuma política estruturada de gestão de uma coleção do Estado. E aquilo que aconteceu em 2017, antes de mim - também nessa dimensão estou à vontade -, em 2017 o que o governo decide fazer é dar à Direção-Geral de Património Cultural a gestão centralizada da coleção, com uma missão muito clara. De pegar no único inventário conhecido até hoje, provisório, que é de 2011 - que é um inventário que, em 2011, identificava que a coleção tinha 1367 obras, das quais 170 apareciam com a identificação "local não identificado", creio que era assim que aparecia em 2011. E, portanto, o trabalho que a DGPC tem feito desde 2017 é baseado nesse provisório de 2011, com novo inventário, conferência do inventário, etc. Ao longo deste tempo, por exemplo, dessas 170, só para dar um exemplo, há 42 que foram retiradas da coleção. Porquê? Precisamente pelo trabalho que a direção-geral fez desde 2017, recolha de documentação, etc., chegou à conclusão de que essas 42 não eram da coleção do Estado, eram de artistas. Foram bienais de final dos anos 80-90 que foram, na altura, devolvidas aos respetivos artistas. Só para dar um exemplo.

Estavam contabilizadas na...

Sim. Ou seja, o que quero aqui realçar e que me parece importante, independentemente de qualquer polémica, é que nós temos, de uma vez por todas, mais uma vez, de arrumar esta casa. Porque esta casa exige duas ou três coisas. Fiz hoje um despacho para a direção-geral para uma nova fase daquele que tem sido o trabalho desde 2017. Para perceber, 80% da coleção está em depósito de longo prazo em quatro instituições: Serralves, Centro Cultural de Belém, Câmara Municipal de Aveiro e Direção-Geral da Biblioteca e do Livro, porque tem a parte da coleção de fotografia. 80% está aqui. Depois há 20% que está em diferentes instituições. São 10/11 instituições onde estão os restantes 20%. E o que a direção-geral hoje em dia sabe é, no fundo, o historial. E agora vai fazer algo muito importante, que é a chamada conferência de inventário. Ou seja, vai perceber se estas, nomeadamente estas...

Não desapareceram...
​​​​​​​Exatamente. Que estão por localizar, onde é que estão. Só para dar um exemplo. Há duas, também dessas 170, que estavam por localizar e que com este trabalho da direção-geral foram localizadas em Serralves.

Então neste momento quantas estão efetivamente por localizar?
Esse é o ponto que vou agora avançar e que acho que é importante. O que nós determinámos hoje, com a direção-geral... o trabalho que vai ser feito a partir de agora é o seguinte: até ao final deste ano o que a direção-geral vai fazer é, por um lado, concluir aquilo que se chama a conferência de inventário. Precisamente para dar resposta a essa sua pergunta.

Que não tem, neste momento, resposta.

Não está concluída. Porque Serralves diz qual é o inventário que está em Serralves e agora é preciso ir lá conferir, ver o estado das obras, ver onde é que elas estão, etc., etc. A conferência de inventário, fundamentalmente destas quatro instituições que têm depósitos a longo prazo, vai ser feita até ao final do ano. E essa foi das primeiras prioridades que eu dei à direção-geral a partir de agora. Segundo, é muito importante a direção-geral, também até ao final do ano, apresentar uma proposta de programação desta coleção. Porque quase 100% desta coleção nunca teve programação. Ou seja, eu sei, por exemplo, que Serralves, e bem, faz exposições com a coleção que tem em depósito. Eu fui, por exemplo, a uma em Braga. Grande parte da coleção foi exposta em Braga. Portanto, nós sabemos que existe programação, mas é muito importante que haja uma linha plurianual de programação para a coleção.

Como se fôssemos muito ricos e pudéssemos desperdiçar um tesouro que temos cá em casa.
Terceiro. E muito importante também. Que esta programação e a gestão racional, espero, da coleção do Estado seja feita também em articulação com a Comissão de Aquisições. E este ponto é importante. Porque um dos aspetos da coleção do Estado é que há muitos anos que não tem aquisições. E, portanto, nós neste momento já temos a trabalhar a Comissão de Aquisições para a aquisição dos 300 mil euros que foram determinados. A comissão vai apresentar uma proposta até setembro. Mas este trabalho tem de ser articulado. A proposta do trabalho é esta programação plurianual da coleção do Estado ser feita em articulação com a Comissão de Aquisições, com as novas aquisições e com a programação das novas aquisições. E depois há aqui duas dimensões muito importantes, só para terminar este aspeto da coleção. Por um lado, a questão da identidade. Nós queremos muito mudar a identidade da coleção. A coleção precisa de uma marca, precisa de uma comunicação, precisa de respirar algo diferente. E, por outro lado, a dimensão base de dados e online. Porque há aqui uma dimensão muito importante que é: faz todo o sentido que as pessoas conheçam as obras. Saibam onde é que elas estão. Tenham acesso à digitalização das obras. E, portanto, essa dimensão também tem de ser desenvolvida a partir de agora.

E esse trabalho todo estará concluído quando?
Até ao final deste ano.

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