EDITORIAL
O Governo subsidia casas de ricos
É extremamente fácil viver numa bolha quando se vive com
condições acima da média. Mas a esquerda pode escolher não o fazer.
Ana Sá Lopes
7 de Junho de 2019, 6:42
Há uma coisa paradoxal em chamar Programa de Arrendamento
Acessível a uma coisa que permite que os senhorios abrangidos pelo programa
possam cobrar por um T2 até 1150 euros. Ou seja, no mercado livre e
especulativo que se vive na cidade de Lisboa um certo T2 “valeria” 1228 mensais
e passaria a custar apenas 982 euros por mês, com o senhorio livre de impostos.
Esta definição de arrendamento acessível que o Governo
apresentou aos portugueses é do mais bizarro que se viu - é insultuosa para a
classe média/baixa quando se dirige de uma forma incompreensível aos estratos
mais elevados da população. De caminho, o Governo socialista apoiado pelo Bloco
de Esquerda e PCP dá-se ao luxo de subsidiar a especulação que no momento
actual é exercida, nos grandes centros urbanos, com casas e não com activos
financeiros tóxicos. Aliás, prepara-se uma bolha, como avisou agora o Banco de
Portugal.
O Governo andou a dormir quase toda a legislatura
relativamente à questão da habitação, a chorar contra a chamada lei Cristas
que, naturalmente, com o andar da carruagem se transformou na lei Costa –
porque não se pode ser primeiro-ministro e ao mesmo tempo irresponsável pelos
serviços públicos e por direitos constitucionais, como o direito à habitação
condigna. A Lei da Habitação, para a qual finalmente houve acordo na Assembleia
da República, deixou cair uma das suas alíneas mais importantes – o direito à
expropriação das casas devolutas nos centros urbanos.
Esta medida revolucionária e com cheiro a 1975 seria a única
capaz de mudar um cenário insuportável: a quase impossibilidade de alguém da
classe média conseguir arrendar uma casa em Lisboa. Se acham a ideia muito
comunista, perguntem a Carlos Carreiras, o presidente social-democrata da
Câmara de Cascais, também a braços com problemas de habitação e especulação no
seu concelho, o que pensa sobre o assunto.
Em entrevista ao i, em Outubro de 2018, Carreiras disse:
“Alguém que tem uma propriedade que não estima, que não lhe liga nenhuma e cuja
propriedade causa até problemas de segurança pública, descaracterização do
espaço, etc. Tendo em conta que essas propriedades afectam negativamente a
comunidade vizinha, não vejo razão nenhuma para não expropriar.
A própria lei da expropriação determina que se tem de pagar
um valor justo ao proprietário”. Num país em que os serviços públicos estão
esmifrados por falta de pessoal e de outras penas, subsidiar a classe média
alta para viver no centro de Lisboa é não ter noção do mundo onde vive, do
salário médio dos portugueses, do estado de “remediado” em que vive a
esmagadora maioria da população.
É extremamente fácil viver numa bolha quando se vive com
condições acima da média. Mas a esquerda pode escolher não o fazer.
tp.ocilbup@sepol.as.ana
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