Corrupção: democracia com costas largas e partidos com
costas pequeninas
A “crise de regime” é um problema de polícia, de lei e de
tribunal, mas é também um problema político, porque é aqui que a corrupção
comunica e inquina a democracia.
José Pacheco Pereira
8 de Junho de 2019, 6:52
É curioso ver como, nesta discussão sobre se há uma “crise
de regime”/"crise das direitas”, quase não entra o tema da corrupção. Isto
numa altura em que há uma nova série de prisões e acusações a responsáveis
políticos e autárquicos, com o curioso nome de código de “a teia”. E quando se
sabe que, diferentemente dos outros países onde os refugiados e emigrantes são
o tema central, a principal fonte do populismo em Portugal é a corrupção.
Porque, por muito que haja corrupção imaginária e exagerada, há muita real, a
começar pela efectiva existência de uma ecologia da corrupção, centrada nos
partidos políticos do poder, e no acesso ao estado que eles permitem. A
democracia tem costas largas em matéria de corrupção, os partidos pelo
contrário tem costas pequenas, pequeníssimas. Esse problema não pode nem deve
ser ocultado, por muito incómodo que seja.
Aliás, não se pode esconder de ninguém que o país vive
banhado nessa ecologia, a começar por tudo o que se vem sabendo de uma “teia”
centrada num anterior primeiro-ministro, que abrange ministros, secretários de
estado, homens de mão nas empresas, na banca, na universidade, na imprensa, em
blogues, um pouco por todo o lado. Não se trata de não lhes dar a presunção da
inocência, nem de denunciar os abusos da acusação mas, o que já se sabe e não é
negado pelos próprios, chega para se tirar uma conclusão bastante sólida sobre
a existência de uma ecologia de corrupção, desde os partidos ao topo do estado.
E convém não esquecer que estão presos altos responsáveis políticos do PS e do
PSD.
Comecemos pela “crise de regime”, e deixemos a “crise da
direita” naquilo que não é expressão da “crise de regime” para outra altura.
“Regime”, “sistema” e outras expressões usadas no discurso populista e não só,
são expressões ambíguas que sugerem que é a democracia que gera a corrupção. Na
verdade, as democracias tornam a corrupção muito mais visível do que as
ditaduras, mas as ditaduras são muito mais corruptas, até pela impunidade que
dão à corrupção. Já referi isto e repito, basta ver o que a censura cortou
durante 48 anos de ditadura em Portugal, para se perceber não só a dimensão da
corrupção como a impunidade que dava o acesso ao poder autocrático.
É a corrupção hoje em Portugal um problema estrutural da
nossa democracia? É. E o epicentro da corrupção em Portugal são os partidos
políticos, não por existirem como é normal numa democracia, mas pela forma como
evoluíram nos últimos 45 anos e como estão e são hoje, quer a nível do poder
político central, quer autárquico. Há corrupção em todos os partidos, mas ela
concentra-se naturalmente nos partidos de poder, no PS, no PSD, e no CDS. Há
corrupção nos outros partidos? Há, mas funciona de forma diferente e não tem o
peso que tem nos partidos com acesso ao poder. E uma das razões pelas quais o
problema da corrupção é estrutural é porque ela associa-se ao exercício do
poder e da autoridade política, atraindo quem quer fazer uma carreira
beneficiando primeiro das benesses dos cargos políticos e, depois, do poder em
benefício pessoal. E os grandes partidos estão cheios de gente dessa, das
“jotas” aos adultos. Por isso, as democracias podem adoecer de corrupção,
quando os mecanismos da corrupção se associam intimamente ao seu funcionamento.
A “crise de regime” é um problema de polícia, de lei e de
tribunal, mas é também um problema político, porque é aqui que a corrupção
comunica e inquina a democracia. Os partidos políticos de poder em Portugal não
têm nenhuma cultura interior anti-corrupção, bem pelo contrário. O resultado é
que é possível fazer carreira ascendente nesses partidos sem qualquer problema,
mesmo quando a maioria dos militantes sabe - e no interior dos partidos sabe-se
muito - que as pessoas em causa são corruptas ou fecham os olhos à corrupção à
sua volta. Conheço casos no PS e no PSD, em que militantes com altos cargos
tiveram acusações muito gravosas que nunca verdadeiramente negaram, e que, ou
por incúria da justiça ou porque a polícia ficou à porta dos offshores, não
sofreram a mínima beliscadura nas suas carreiras partidárias ganhando inclusive
eleições internas sabendo toda a gente que neles votou quem eram e o que
faziam. Ou, que foram consistentemente promovidos a lugares cimeiros, ou a seja
novas oportunidades de roubar, pelas lideranças, ou porque controlavam
sindicatos de votos ou pura e simplesmente por indiferença.
No essencial, este problema não é jurídico, mas político:
como é possível permitir o sucesso dentro dos partidos dessas pessoas? Não se
trata de as denunciar e investigar, porque isso é função das polícias, mas
também de não esperar para as expulsar quando entram na cadeia, é antes de
escolher por critérios éticos e políticos de modo a não lhes permitir usar o
partido e os lugares no estado a que tem acesso para roubar. E compreender os
enormes estragos que fazem à honra, de há muito perdida, dos partidos e à saúde
da democracia. E, por isso, o problema tem a ver, e muito, com as lideranças
que devem ter cuidado com os abraços que dão e com as companhias que escolhem,
principalmente quando, como se dizia no magnífico português antigo, são velhos
“conheçudos”.
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