sexta-feira, 7 de junho de 2019

Corrupção: democracia com costas largas e partidos com costas pequeninas



Corrupção: democracia com costas largas e partidos com costas pequeninas

A “crise de regime” é um problema de polícia, de lei e de tribunal, mas é também um problema político, porque é aqui que a corrupção comunica e inquina a democracia.

José Pacheco Pereira
8 de Junho de 2019, 6:52

É curioso ver como, nesta discussão sobre se há uma “crise de regime”/"crise das direitas”, quase não entra o tema da corrupção. Isto numa altura em que há uma nova série de prisões e acusações a responsáveis políticos e autárquicos, com o curioso nome de código de “a teia”. E quando se sabe que, diferentemente dos outros países onde os refugiados e emigrantes são o tema central, a principal fonte do populismo em Portugal é a corrupção. Porque, por muito que haja corrupção imaginária e exagerada, há muita real, a começar pela efectiva existência de uma ecologia da corrupção, centrada nos partidos políticos do poder, e no acesso ao estado que eles permitem. A democracia tem costas largas em matéria de corrupção, os partidos pelo contrário tem costas pequenas, pequeníssimas. Esse problema não pode nem deve ser ocultado, por muito incómodo que seja.

Aliás, não se pode esconder de ninguém que o país vive banhado nessa ecologia, a começar por tudo o que se vem sabendo de uma “teia” centrada num anterior primeiro-ministro, que abrange ministros, secretários de estado, homens de mão nas empresas, na banca, na universidade, na imprensa, em blogues, um pouco por todo o lado. Não se trata de não lhes dar a presunção da inocência, nem de denunciar os abusos da acusação mas, o que já se sabe e não é negado pelos próprios, chega para se tirar uma conclusão bastante sólida sobre a existência de uma ecologia de corrupção, desde os partidos ao topo do estado. E convém não esquecer que estão presos altos responsáveis políticos do PS e do PSD.

Comecemos pela “crise de regime”, e deixemos a “crise da direita” naquilo que não é expressão da “crise de regime” para outra altura. “Regime”, “sistema” e outras expressões usadas no discurso populista e não só, são expressões ambíguas que sugerem que é a democracia que gera a corrupção. Na verdade, as democracias tornam a corrupção muito mais visível do que as ditaduras, mas as ditaduras são muito mais corruptas, até pela impunidade que dão à corrupção. Já referi isto e repito, basta ver o que a censura cortou durante 48 anos de ditadura em Portugal, para se perceber não só a dimensão da corrupção como a impunidade que dava o acesso ao poder autocrático.

É a corrupção hoje em Portugal um problema estrutural da nossa democracia? É. E o epicentro da corrupção em Portugal são os partidos políticos, não por existirem como é normal numa democracia, mas pela forma como evoluíram nos últimos 45 anos e como estão e são hoje, quer a nível do poder político central, quer autárquico. Há corrupção em todos os partidos, mas ela concentra-se naturalmente nos partidos de poder, no PS, no PSD, e no CDS. Há corrupção nos outros partidos? Há, mas funciona de forma diferente e não tem o peso que tem nos partidos com acesso ao poder. E uma das razões pelas quais o problema da corrupção é estrutural é porque ela associa-se ao exercício do poder e da autoridade política, atraindo quem quer fazer uma carreira beneficiando primeiro das benesses dos cargos políticos e, depois, do poder em benefício pessoal. E os grandes partidos estão cheios de gente dessa, das “jotas” aos adultos. Por isso, as democracias podem adoecer de corrupção, quando os mecanismos da corrupção se associam intimamente ao seu funcionamento.

A “crise de regime” é um problema de polícia, de lei e de tribunal, mas é também um problema político, porque é aqui que a corrupção comunica e inquina a democracia. Os partidos políticos de poder em Portugal não têm nenhuma cultura interior anti-corrupção, bem pelo contrário. O resultado é que é possível fazer carreira ascendente nesses partidos sem qualquer problema, mesmo quando a maioria dos militantes sabe - e no interior dos partidos sabe-se muito - que as pessoas em causa são corruptas ou fecham os olhos à corrupção à sua volta. Conheço casos no PS e no PSD, em que militantes com altos cargos tiveram acusações muito gravosas que nunca verdadeiramente negaram, e que, ou por incúria da justiça ou porque a polícia ficou à porta dos offshores, não sofreram a mínima beliscadura nas suas carreiras partidárias ganhando inclusive eleições internas sabendo toda a gente que neles votou quem eram e o que faziam. Ou, que foram consistentemente promovidos a lugares cimeiros, ou a seja novas oportunidades de roubar, pelas lideranças, ou porque controlavam sindicatos de votos ou pura e simplesmente por indiferença.

No essencial, este problema não é jurídico, mas político: como é possível permitir o sucesso dentro dos partidos dessas pessoas? Não se trata de as denunciar e investigar, porque isso é função das polícias, mas também de não esperar para as expulsar quando entram na cadeia, é antes de escolher por critérios éticos e políticos de modo a não lhes permitir usar o partido e os lugares no estado a que tem acesso para roubar. E compreender os enormes estragos que fazem à honra, de há muito perdida, dos partidos e à saúde da democracia. E, por isso, o problema tem a ver, e muito, com as lideranças que devem ter cuidado com os abraços que dão e com as companhias que escolhem, principalmente quando, como se dizia no magnífico português antigo, são velhos “conheçudos”.

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