Transportes sob pressão com aumento da procura. E ainda
falta o passe família
Na região de Lisboa as horas de maior procura de transportes
estão a ser marcadas por comboios, barcos e autocarros cheios e sem capacidade
de resposta. Consequência do passe único, que aumentou em 160 mil os utentes,
mas também de algumas greves.
Carlos Ferro
11 Junho 2019 — 11:24
Comboios cheios, pessoas a queixarem-se da qualidade dos
serviços, um ministro a pedir desculpa e outro a dizer que não há
"caos" nos transportes na Área Metropolitana de Lisboa. Pouco mais de
dois meses depois do início do passe único - a 1 de abril entraram em vigor o
navegante metropolitano (40 euros, o preferido por 68% dos novos utilizadores)
e o municipal (30 euros) -, há mais 160 mil pessoas a utilizar os transportes
públicos na zona da capital, uma procura a que as operadoras estão a ter
dificuldades em responder.
A solução imediata passou por aumentar a velocidade no metro
e retirar bancos tanto no comboio subterrâneo como na ligação ferroviária
explorada pela Fertagus entre Lisboa e Setúbal. E as duas empresas estão a
estudar a alteração dos horários para reforçar as horas de maior procura. Isto
num momento em que não está ainda disponível o passe família, cuja entrada em
vigor está prevista para julho. Aí, uma família pagará no máximo 80 euros (ou
40 no caso de só utilizar transportes num município), independentemente do
número de pessoas do agregado.
Além da subida da procura, há uma outra questão a contribuir
para os protestos dos passageiros: as greves, principalmente na Soflusa e na
Transportes Sul do Tejo. No caso da primeira depois das paralisações dos
mestres dos navios, está agora prevista uma paragem dos maquinistas no início
de cada turno no dia 18 (inicialmente esta marcada para quinta-feira, 12) e os
marinheiros também já entregaram um pré-aviso de greve válido para o dia 24. Já
os TST têm cumprido greves de dois dias por mês - como estava a acontecer nesta
terça-feira, mas agora suspensa depois de os trabalhadores terem decidido num
plenário realizado esta manhã aceitar uma proposta da empresa de um aumento
salarial para 685 euros em julho e agosto que passará para 700 entre setembro e
novembro. Ao mesmo tempo as negociações com a TST continuam.
ECONOMIA
Ministro pede desculpa a quem anda de transportes: "É
nossa obrigação servi-los"
Qual o foi o aumento de passageiros?
Nos dois primeiros meses de passe único os pedidos de título
de transporte subiram cerca de 20% quando se compara abril e maio com o período
homólogo do ano passado, existindo mais cerca de 160 mil pessoas com passe.
Segundo os dados enviados ao DN pela Área Metropolitana de Lisboa, em abril os
passes ativos passaram de 554 mil (em 2018) para 623 mil e em maio esses
valores subiram de 556 mil para 710 mil. Os registos permitem perceber que do
primeiro para o segundo mês de passe único os totais mostram um aumento de 87 mil
passes. No total dos dois meses haverá mais 164 mil novos detentores de passes.
Que problemas foram detetados nestes dois meses?
O aumento de procura dos transportes mostrou que as empresas
transportadoras não têm meios humanos e materiais suficientes para responder às
solicitações, principalmente nas horas de ponta da manhã e da tarde. As maiores
queixas relacionam-se com o serviço dos comboios - nomeadamente na ligação
entre Lisboa e Setúbal operada pela Fertagus -, metro de Lisboa e ligação
fluvial entre o Barreiro e Lisboa (Transtejo). Menos visível foram as queixas
dos utilizadores dos autocarros na Margem Sul. Nas respostas ao DN, a AML
confirma que foram "identificados problemas de insuficiência na oferta de
algumas carreiras, nomeadamente na península de Setúbal, que entretanto já foi
possível reforçar aumentando a frequência nas horas de ponta nuns casos, e
fazendo ajustamentos noutros [houve um reforço das ligações da Moita, Montijo e
Alcochete para Lisboa]". Destaca a "dimensão reduzida dos problemas
identificados face ao conjunto da rede de transporte público rodoviário de
passageiros".
Foi só a procura que levou a esta rutura na oferta?
Não. Além da falta de meios materiais - de barcos na
Transtejo e de composições na CP e na Fertagus - e humanos, acrescente-se as
greves por alguns períodos dos mestres das embarcações que ligam o Barreiro a
Lisboa e que levaram à supressão de horários e aos protestos dos passageiros,
que chegaram a partir vidros na estação do Barreiro. Neste momento, a Transtejo
tem a decorrer um concurso para a aquisição de embarcações, mas só deverá
receber a primeira no final de 2020 e a CP está a recuperar comboios que
estavam a necessitar de manutenção. Mesmo assim, vai reduzir ligações na Linha
de Sintra a partir de dia 23 alegando que durante as férias escolares há menos
procura.
Já a Fertagus tem 18 comboios, estando diariamente 17 a
funcionar. Portanto, não consegue aumentar a oferta. Na Transtejo faltam
mestres e marinheiros para se conseguirem completar as 21 tripulações
necessárias à operação total. Quem também tem enfrentado dificuldades devido às
greve são os utentes da Transportes Sul do Tejo, todos os meses têm existido
paralisações de 48 horas consecutivas. Situações confirmadas pela Comissão de
Utentes do Barreiro, que diz serem a "falta de material circulante e
muitas carruagens com problemas de manutenção [no que diz respeito aos
comboios] e falta de pessoal" os principais problemas que afetam os
passageiros. Um dirigente, José Encarnação, retira peso às greves e garante,
citando o Relatório de Fiscalização à Soflusa divulgado em abril de 2018, que,
"em 2017, 76% das supressões na Soflusa [ligação Barreiro-Lisboa]
deveram-se à falta de meios humanos e de material".
CP com mais de um quarto das queixas dos transportes no 2.º
semestre de 2018
Em que soluções estão as empresas a trabalhar?
A Fertagus já tem em teste um comboio em que retirou bancos
tanto na parte inferior da composição como na superior, de forma a poder
transportar mais passageiros em pé. Sistema idêntico também está em prática no
metro de Lisboa. Apesar de agora ter sido mais mediatizada, a empresa garantiu
que já tinha esta medida no terreno desde 2017. No caso do metropolitano, outra
decisão foi a de aumentar a velocidade comercial para 60 km/hora, o que terá
permitido aumentar a frequência dos comboios. Outra intervenção que está a ser
estudada, por exemplo na Fertagus, é a alteração dos horários. Ao DN, fonte
oficial confirmou que essa mudança está a ser analisada e, por isso, não está
estabelecida uma data para entrar em vigor. Essa mudança pode passar por uma
diferente distribuição dos comboios duplos nas horas de ponta e o reforço das
ligações a Setúbal, tal como a antecipação da chamada hora de ponta da tarde.
Prémio a quem conseguir responder à procura
Uma das questões que os operadores têm apresentado diz
respeito às compensações do défice tarifário que a redução do preço dos passes
implicou. A AML frisa que está garantido esse pagamento de forma a evitar
"ruturas e paragem de serviços por indisponibilidade financeira para
pagamento de ordenados, de energia - combustível e eletricidade -, de
manutenção, segurança e outros custos indispensáveis ao funcionamento dos
transportes". Adianta ainda que está equacionado "num segundo momento
o pagamento de compensações, em função das disponibilidades financeiras
decorrentes do aumento de procura geradas pela redução tarifária, associadas às
validações - estimulando e compensando os operadores pelo ajustamento, reorganização
e reforço dos seus serviços para uma melhor resposta à procura". Ou seja,
uma espécie de prémio a quem conseguir responder com qualidade à procura de
transporte público.
Um concurso e uma nova rede de transportes
Até ao final do ano vai ser lançado o concurso para a
concessão do transporte rodoviário na Área Metropolitana de Lisboa. De acordo
com a AML, está a ser desenhada a "futura rede" prevendo a entidade
que gere estas questões "um aumento significativo da atual oferta, estando
em curso todos os estudos e preparação das peças formais para promover o
concurso público internacional que permitirá a futura concretização desta
ambição (importa ter presente que um concurso desta natureza e amplitude impõe
não só estudos e trabalhos exigentes mas também tem procedimentos que obrigam a
prazos demorados e impedem a sua concretização no imediato)".
Com Valentina Marcelino
(Texto atualizado após a suspensão da greve nos Transportes
Sul do Tejo)
Sem comentários:
Enviar um comentário