O manto de água que gelou o mundo
A 13 de Junho, a Gronelândia perdeu 2 mil milhões de
toneladas de gelo, aproximadamente 712 mil quilómetros da superfície — ou seja,
oito vezes a superfície de Portugal. Este é um problema global, não conhece
fronteiras, e todos em sociedade e individualmente somos chamados a agir.
Rita de Almeida Neves
A Rita é bioquímica por paixão e comunicadora por natureza,
vê a vida em palavras e moléculas.
22 de Junho de 2019, 8:07
Há casos em que as imagens podem mesmo substituir as
palavras. As notícias sobre o ambiente, o aquecimento global e a urgência de
acção ao nível climático multiplicam-se. Todos os dias ouvimos algo sobre
economia circular, o drama dos microplásticos ou como o Árctico está a
derreter. Até que aparece uma fotografia que nos faz engolir em seco e
petrificar porque por fracções de segundo temos uma imagem real de tudo aquilo
que lemos e que inconscientemente guardamos na caixinha do futuro.
Sim, não precisei sequer de dizer para que soubessem de que
imagem vos falo — a fotografia dos cães de trenó a caminharem sobre um manto de
água outrora gelada, tirada pelo cientista dinamarquês Steffen M. Olsen, no
passado dia 13 de Junho, no noroeste da Gronelândia.
A imagem é realmente tremenda e podia fazer parte de
qualquer cenário dantesco ou até tornar-se uma obra de poesia épica camoniana.
O buzz foi brutal, tornou-se num trending topic no Twitter e demais redes
sociais. Por todo mundo milhares de milhões de pessoas viram, comentaram e
partilharam a imagem. Ainda assim, torna-se importante, mandatório até, que se
tente compreender o que afinal está na base daquela fotografia.
Para os cientistas esta situação não é totalmente
inesperada, mas antecipou-se ao previsto. Embora este não seja um acontecimento
isolado, nunca tinha sido visto tanto gelo derretido antes de Julho. É verdade
que o Verão está aí, mas nesta região da Terra as temperaturas máximas em Junho
costumam ser de 3,2 graus Celsius e não temperaturas entre os 15 e os 17 graus
Celsius, como registados pela estação meteorológica mais próxima do aeroporto
de Qaanaaq, no noroeste da Gronelândia. Este aumento de temperatura resultou
num derretimento de gelo atípico. Só nesse dia, 13 de Junho, a ilha perdeu 2
mil milhões de toneladas de gelo, aproximadamente 712 mil quilómetros da
superfície — ou seja, oito vezes a superfície de Portugal.
Mas como aconteceu tudo isto? Existiu uma massa de ar quente
que se deslocava do sul, que em simultâneo com uma alta pressão atmosférica
criou estas condições quentes e ensolaradas. Tal provocou uma baixa cobertura
de nuvens e diminuição da neve, o que torna a superfície de gelo mais
vulnerável à radiação solar. Debaixo de todo aquele lago de água estava ainda
uma camada de gelo a derreter, com uma espessura de 1,2 metros, o que permitia
que os cães se deslocassem. Já noutras áreas, a água é drenada pelas fissuras
no gelo, o que impede que se acumule em tanta quantidade à superfície, como
explica o cientista dinamarquês.
Além de tudo isto, a cada novo Verão prevê-se que o gelo
continue a diminuir de forma galopante. A cada Inverno que passa forma-se uma
nova camada de gelo. O grande problema é que é cada vez menos espesso e mais
vulnerável. E este é um ciclo que não tem fim. Esta fotografia veio, mais uma
vez, mostrar que já não se fala só de previsões e que tudo está acontecer
diante dos nossos olhos (ou dos nossos feeds).
Urge perceber, interiorizar, que o futuro é mesmo hoje. Este
é um problema global, não conhece fronteiras, e todos em sociedade e
individualmente somos chamados a agir, com toda a responsabilidade política,
social e geracional.
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