A propósito da polémica das beatas
É necessária uma lei para que deixe de ser “normal” atirar
beatas para o chão? Então, que venha a lei. Ou queremos antes continuar a
discutir se temos o direito de mandar as beatas para o chão?
Ana Marreiros
Trabalha em comunicação, é uma apaixonada pelos temas do
desenvolvimento sustentável e integra o The Climate Reality Project.
17 de Junho de 2019, 9:10
A sentença está traçada e a confusão instalada. Depois dos
sacos de plástico, dos pratos e talheres de plástico e das palhinhas, vamos
eliminar as beatas dos cigarros. O próximo alvo do plástico está seleccionado e
os fumadores portugueses não vão sair ilesos. Dentro de sensivelmente um ano
vamos ser proibidos de deitar beatas para o chão e multados se não cumprirmos a
lei que está prestes a ser aprovada. Haverá uma distribuição em massa de
cinzeiros portáteis e, por todo o lado, teremos cinzeiros permanentes
disponibilizados por empresas de comércio, transportes públicos, hotelaria,
alojamento local e instituições de ensino superior.
A origem do problema é esta: cerca de 90% dos mais de 5,6
mil biliões de cigarros fabricados anualmente em todo o mundo têm filtros
feitos de acetato de celulose, um derivado do plástico que pode demorar entre
cinco a 15 anos para se decompor. Anualmente, mais de dois terços destes
filtros são descartados de forma irresponsável. Em Portugal, dizem, atiramos
cerca de 7000 beatas para o chão a cada minuto que passa. Porquê? Por
irresponsabilidade, desconhecimento, apatia, desinteresse, rebeldia ou outros
motivos. Os estudos evidenciam que deitar a beata no chão é, para muitos, o
momento final do ritual de fumar um cigarro.
No entanto, as beatas que deitamos no chão acabam por cair
nas sarjetas e, através dos esgotos, chegam aos rios e oceanos. São, há mais de
30 anos, o maior contaminador plástico dos oceanos e das praias. Uma vez na
água, flutuam e são consumidos por peixes e aves marinhas ou dissolvem-se e
libertam os poluentes que absorveram do tabaco — nicotina, arsénio e chumbo.
Uma beata pode contaminar aproximadamente 7,5 litros de água numa hora, água
esta que é a base do ecossistema marinho.
"Uma beata pode contaminar aproximadamente 7,5 litros
de água numa hora, água esta que é a base do ecossistema marinho."
O impacto das beatas e de todos os outros plásticos
encontrados no oceano tem sido subestimado, mas recentemente um estudo do
Laboratório Plymouth Marine de Inglaterra abordou três benefícios críticos que
os oceanos nos proporcionam e que nem sempre temos consciência: a provisão de
comida, o património e o turismo. Vejamos.
A produtividade, viabilidade, rentabilidade e segurança das
indústrias da pesca e da aquicultura são altamente vulneráveis ao impacto do
plástico marinho, o que conduzirá à diminuição da disponibilização de comida
proveniente do mar. A ingestão dos microplásticos pelas baleias, cachalotes,
tartarugas, ursos polares ou aves marinhas levarão à diminuição da reprodução e
aumento da mortalidade destes carismáticos animais que têm elevado valor
patrimonial e emocional para as pessoas. A abundância de plástico nas costas e
nos oceanos vai fazer com que os turistas deixem de visitar os locais mais
afectados e de praticar actividades recreativas, o que levará à perda da
receita turística. São só e apenas três razões sistémicas para acabar com as
beatas no chão.
Devemos banir os cigarros com filtro? Eliminar as
substâncias químicas das beatas? Equacionar filtros biodegradáveis? Orgânicos?
Comestíveis? Com pouca pressão social, a indústria tabaqueira tem sido lenta a
responder a estas questões, mas agora, com as beatas diabolizadas vai ter de
encontrar soluções mais céleres.
Para evitar multas que podem ir de 200 a 4000 euros, os
fumadores terão que conseguir desenvolver uma capacidade sobre-humana para
mudar de hábitos. O acto de dar a última passa, inalar a nicotina que falta,
deitar a beata para o chão e pisá-la tem os dias contados. É necessária uma lei
para que deixe de ser “normal” atirar beatas para o chão? Então, que venha a
lei. Ou queremos antes continuar a discutir se temos o direito de mandar as
beatas para o chão?
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