quarta-feira, 12 de junho de 2019

A crise demográfica já está a limitar a economia / O futuro envelhecido que já nos bate à porta / Não nos querem nas cidades: a história de um divórcio sem retorno



Imagem do Dia / OVOODOCORVO‘

Depois do apelo de João Miguel Tavares “Deem-nos algo em que acreditar”, descrevendo um país que expulsa a geração mais bem preparada para garantir o futuro, criando centenas de milhares de expatriados  o Público divulga hoje que “A crise demográfica já está a limitar a economia”, enquanto que o Editorial do mesmo Público nos promete um “Futuro envelhecido”.
Assim, Sebastião Ferreira de Almeida escreve: “Não nos querem nas cidades: a história de um divórcio sem retorno
Já houve tempos em que nos mandaram emigrar porque não havia emprego, hoje obrigam-nos a deixar as cidades porque não temos rendimento para as habitar.”
Ler em baixo, esta sucessão de artigos.
OVOODOCORVO


A crise demográfica já está a limitar a economia

Com o desemprego a um nível mais baixo, as diminuições sucessivas na população podem passar a constituir um constrangimento para a oferta de trabalho em Portugal, reduzindo o potencial de crescimento da economia, avisa o Banco de Portugal.

 Sérgio Aníbal
Sérgio Aníbal 13 de Junho de 2019, 6:00

A tendência de envelhecimento da população que se regista já há vários anos em Portugal está, agora que a taxa de desemprego caiu para níveis abaixo de 7%, a começar a fazer sentir o seu impacto negativo na capacidade de crescimento da economia, dificultando ainda mais o objectivo de uma convergência sustentada do país com o resto da Europa nos próximos anos.

Há muito que é evidente que a população portuguesa está a envelhecer e a diminuir em número, uma tendência que é comum à generalidade dos países desenvolvidos, mas em que Portugal se destaca particularmente. No entanto, a enorme taxa de desemprego registada no país durante a maior parte desta década – e que atingiu o seu máximo no auge da crise em 2013 – tem feito com que esses fenómenos não tivessem ainda criado constrangimentos ao nível da oferta de trabalho em Portugal. Agora, isso pode estar a deixar de acontecer.

Numa análise às “alterações demográficas e à oferta de trabalho em Portugal”, publicada esta quarta-feira em conjunto com o boletim económico de Junho, o Banco de Portugal sobe o tom do alerta em relação a este tema.

Começa por assinalar que, desde 2010, se regista uma redução da população residente em Portugal. Foi nesse ano que o saldo entre nascimentos e mortes passou a ser negativo, o que em conjunto com a passagem em 2011 para um saldo migratório também negativo (só revertido nos dois últimos anos) fez com que a população residente em Portugal caísse de forma acentuada: menos 3% entre 2010 e 2018.

Acrescentando a isso o facto de a população estar também a envelhecer, não surpreende que o número de pessoas situadas no intervalo de idades entre 15 e 64 anos tenha registado uma diminuição ainda mais expressiva (de 5,9% entre 2008 e 2018).

Isto faz com que, apesar da subida da taxa de actividade em Portugal (devido a factores como a maior participação das mulheres, o aumento da taxa efectiva de reforma ou a diminuição recente do número de desencorajados no mercado de trabalho), a própria população activa tenha registado, entre a crise e o actual momento, uma diminuição.

Enquanto a taxa de desemprego se manteve a um nível muito elevado em Portugal, esta evolução demográfica não representou um problema ao nível da oferta de trabalho e do potencial de crescimento da economia, já que havia ainda um número de pessoas muito significativo disponível para começar a trabalhar. Aliás, entre 2014 e 2018, o contributo decisivo para o crescimento do PIB tem sido, não o aumento da produtividade, mas sim o aumento do número de pessoas empregadas, numa retoma feita à base da reentrada no mercado de trabalho da população que, na crise, tinha entrado no desemprego.

No entanto, assinala o Banco de Portugal, são cada vez mais claros os indicadores que apontam para o esgotamento deste modelo de crescimento. A taxa de desemprego caiu em 2018 para 7%. Este valor, diz o banco, já fica abaixo daquela que é a estimativa para a taxa de desemprego natural do país, o nível teórico calculado pelos economistas para a taxa de desemprego que não cria, por via de aumentos salariais excessivos, pressões inflacionistas.

Na prática, o que isto significa é que se torna mais difícil a partir de agora baixar tão rapidamente o desemprego, ou, dito de outra forma, é agora bem menor o número de pessoas disponível para responder a um aumento da procura de emprego. E se a tendência demográfica de redução de população se mantiver, como aponta a generalidade das projecções, isso pode constituir uma limitação para o ritmo de crescimento da economia.

No relatório publicado esta quarta-feira, o Banco de Portugal assinala o impacto que estas tendências demográficas podem ter no potencial de crescimento da economia: “pela forma como afectam a oferta de trabalho disponível, podem contribuir para exacerbar a queda do nível de subutilização do trabalho na economia e aumentar as dificuldades de contratação pelas empresas, num contexto de maior restritividade no mercado de trabalho”.

E destaca que “alguns indicadores sugerem a existência de dificuldades nas empresas portuguesas para a contratação de trabalhadores, em particular, com maiores níveis de qualificação”, recordando que um inquérito recente realizado pelo INE “revelava que as dificuldades na contratação de trabalhadores e o acesso a técnicos qualificados por parte das empresas eram identificadas como as áreas que tinham registado maior aumento entre 2014 e 2017”.

Emprego a abrandar
A aproximação do fim da linha nas quedas muito rápidas do desemprego é também notória nas previsões do Banco de Portugal para a economia. A entidade liderada por Carlos Costa praticamente não alterou as suas projecções de crescimento económico, mas espera agora um ritmo mais lento de redução do desemprego e de crescimento do emprego.

No boletim económico de Junho, o Banco de Portugal, tal como tinha feito em Março, aponta para um crescimento de 1,7% durante este ano, um valor que representa um abrandamento face aos 2,1% do ano passado e que fica ligeiramente abaixo dos 1,9% previstos pelo Governo. Para o próximo ano, o banco antevê novo abrandamento, para uma taxa de variação de 1,6% (em Março antecipava 1,7%), valor que se repete para 2021.

Já no que diz respeito ao mercado de trabalho, a previsão é agora de uma redução da taxa de desemprego de 7% em 2018 para 6,3% este ano, quando em Março esperava uma queda mais forte para os 6,1%. Para 2020, o banco central projecta agora uma descida para 5,7%, quando antes previa que poderia chegar aos 5,5%.

O mesmo cenário é visível nas previsões de crescimento do emprego, que para este ano são de 1,3% (depois de 2,3% em 2018), quando em Março se apontava para 1,5%. E a tendência para os anos seguintes será, acredita o banco, de um forte abrandamento, que colocará o emprego a crescer apenas 0,4% em 2021. O contributo do emprego para a taxa de crescimento do PIB, que era dominante nos anos anteriores, perderá progressivamente o seu peso.

“Ao longo do horizonte de projecção antevê-se que o emprego continue a aumentar, embora a um ritmo progressivamente mais moderado, reflectindo a maturação do ciclo económico e o aumento das restrições ao nível da oferta de trabalho”, afirma o relatório do Banco de Portugal.

O banco deixa algumas pistas sobre a forma como se pode limitar este tipo de problema. A imigração é referida como “um canal que potencialmente poderá mitigar o impacto negativo sobre a oferta de trabalho”. O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho é vista como uma tendência que deverá continuar nas próximas duas décadas até que a taxa de actividade feminina convirja com a masculina. E destaca-se que o efeito do aumento das qualificações da população na produtividade pode compensar o menor contributo do emprego para o crescimento.

Por fim, há ainda uma outra boa notícia para os trabalhadores: as restrições na oferta de trabalho podem contribuir para que os salários registem actualizações mais elevadas. O banco prevê “uma aceleração dos salários” no período compreendido entre 2019 e 2021, com variações nominais em torno de 3%, quando entre 2014 e 2018 esse valor não passou de 1%.



EDITORIAL
O futuro envelhecido que já nos bate à porta
O Banco de Portugal faz-nos perceber que estamos em risco de derrapar num modelo que está à beira do esgotamento

Manuel Carvalho
13 de Junho de 2019, 6:27

Há ideias que se instalam pela sua força. Ou pela sua lucidez. Como uma que João Miguel Tavares deixou no seu discurso do 10 de Junho, apelando para a necessidade de haver uma visão de futuro capaz de convocar as energias e as esperanças das pessoas. Esta quarta-feira, Rui Tavares foi ao encontro desse repto e deu como resposta a necessidade de se construir “uma sociedade do conhecimento altamente desenvolvida, baseada numa população muito qualificada e numa economia bastante mais especializada, que não deixe ninguém para trás”. É impossível não concordar com esta visão. Ou com esta urgência. Principalmente agora que começamos a perceber que estamos em risco de derrapar num modelo que dá sinais de esgotamento.

O relatório do Banco de Portugal que nos avisa para os custos que o envelhecimento já está a ter na economia é, nesse particular, dramático. Porque nos mostra uma consequência e uma causa da ausência de um destino mobilizador, desde que, pelo menos, Portugal aderiu à moeda única. Pelo meio tivemos, é certo, o “choque de gestão” de Durão Barroso e o “choque tecnológico” de Sócrates, mas se o segundo foi capaz de criar lastro para uma clara melhoria no sistema científico e tecnológico do país, não foi suficiente para mudar o cenário de um Inverno demográfico, nem para alterar a base de uma economia que continua a perder a batalha da produtividade.

Todos os indicadores o provam e o BdP vem uma vez mais pôr o dedo na ferida: sem transformações profundas no modelo de criação de riqueza, estaremos condenados a envelhecer empobrecendo. Se é preciso inventar uma causa colectiva na qual, como pensou e disse João Miguel Tavares, possamos acreditar, é essa necessidade de equilibrar um modelo de país que acredita muito na redistribuição e muito pouco na criação de riqueza. Ou, por outras palavras, nessa urgência de reinventar o papel do Estado e libertar as energias criativas dos cidadãos.

A geração mais qualificada de sempre, combinada com os exemplos positivos que o Presidente da República não se cansa de dar para aumentar a auto-estima do país, precisam afinal de uma nova narrativa política que, sem a matar, coloque numa nova dimensão a responsabilidade do Estado. Depois de uma década de crise profunda e de uma ligeira recuperação, era bom que o próximo ciclo político fosse marcado por uma nova ambição e por uma nova crença no futuro. Se alguém as assumir sem demagogias nem megalomanias, deve merecer o nosso reconhecimento.

Não nos querem nas cidades: a história de um divórcio sem retorno

Já houve tempos em que nos mandaram emigrar porque não havia emprego, hoje obrigam-nos a deixar as cidades porque não temos rendimento para as habitar.

Sebastião Ferreira de Almeida
Sebastião é bolseiro de doutoramento em Arquitectura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos e investigador no DINAMIA’CET

12 de Junho de 2019, 8:07

É necessário começarmos a acreditar que somos cada vez mais um “obstáculo” para quem nos governa, e não um “fim”. Já houve tempos em que nos mandaram emigrar porque não havia emprego, hoje obrigam-nos a deixar as cidades porque não temos rendimento para as habitar.

O que interessa é atrair o investimento e manter o fluxo turístico a todo o custo, repelindo no caminho o que se atravessar à frente, normalmente as pessoas, as suas vidas e as suas mobilidades. O mercado sempre em primeiro lugar! E o que é o mercado em primeiro lugar?

É a aparente miopia dos nossos governantes em contraste com as dificuldades de quem todos os dias é expulso da sua casa muitas vezes de forma coerciva, é a perda de 14.791 eleitores em Lisboa e de 5543 no Porto entre 2013-2017, ao mesmo tempo que se permite que em certos bairros do centro histórico a ocupação em regime de Alojamento Local atinja os 40%. É a cidade-palco das mil e uma festas e multidões onde todas as licenças são permitidas, deixando os moradores em estado de sítio sem conseguirem descansar.

É ser possível “perdoar”, em nosso nome, milhões de euros de impostos a fundos imobiliários e alienar património público quando 25.762 famílias estão sinalizadas como estando em situação habitacional claramente insatisfatória, 74% destas concentradas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, conforme identificado no Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional.

"Este programa não espelha um Estado preocupado em encontrar soluções para os problemas da cidade, mas sim em comparticipar, financiar e validar um projecto urbano onde o mercado (global) é o seu anfitrião principal."
O mercado em primeiro lugar é também ser legítimo limitar o acesso aos espaços públicos (praças e miradouros) ao mesmo tempo que se entrega de bandeja a sua exploração a grandes grupos privados. É obrigar a que aceitemos uma cidade onde os projectos urbanos são apresentados como factos consumados, é permitir a desregulação nos novos meios de mobilidade (Uber, trotinetes, bicicletas e tuk tuks), ao mesmo tempo que nos deixam apinhados (ou apeados) no trânsito ou num sistema de transporte público, mais barato é certo, mas que está longe de responder ao aumento da procura.

É consentir que se iniciem processos de demolição de bairros, de barracas ou de construções ilegais, em prol “da boa imagem dos concelhos metropolitanos”, sem assegurar a habitação condigna a todos os seus moradores. É, no fundo, esta festa de divórcio para a qual não queríamos ser convidados, mas em que fomos obrigados a participar. É o oposto da igualdade e inclusão que deveriam ser promovidos nas cidades.

Não interessa, pois, que esta “cativação urbana”, em prol do crescimento económico, arruíne o tecido social do território e comprometa os diferentes acessos capazes de lhe conferir diversidade e vitalidade. Não interessa que sem eleitores não haja votos e, por conseguinte, necessidade de representação – até a democracia pode submergir um pouco, para manter à tona o mercado. Este, sempre em posição de destaque, é o verdadeiro arquitecto das políticas urbanas, definindo quem tem “direito à cidade”, quem a pode aceder.

Um exemplo mais recente desta tendência é o novo Programa de Arrendamento Acessível, já aprovado pelo Governo, e que pode ser consultado nesta portaria, publicada em Diário da República. O programa estabelece um apoio aos proprietários, sob a forma de benefícios fiscais (que recaem sobre o IRS e IRC) em troca de uma redução do valor das rendas praticadas. Desta forma procura facilitar o acesso à habitação por parte da classe média. Mas será mesmo uma medida destinada à classe média?

No âmbito do mesmo programa foram estabelecidos os tectos máximos de renda para Lisboa (e para todos concelhos do país). Vejamos os valores considerados para a capital: TO, 600 euros; T1, 900 euros; T2, 1150 euros. A fórmula utilizada para os estimar baseou-se valor do mercado de rendas praticado, considerando a sua redução em 20%. Se a intenção que este programa proclama fosse honesta, a fórmula para estimar os limites do valor da renda teria sido calculada de forma inversa, partindo do rendimento médio dos trabalhadores portugueses, de forma a estimar os tectos de renda máxima. Mas a fórmula parte do valor de mercado, e este, como sabemos, não reflecte de todo a realidade laboral do país.

Um casal que ganhe o salário médio (887 euros segundo o INE) não poderá pagar mais do que 532,2 euros de renda, uma vez que o programa limita a taxa de esforço a 35%. Para pagar um T1 a 900 euros teriam que ganhar cada um quase 1300 euros, longe dos 887 euros do rendimento médio. Isto não espelha um Estado preocupado em encontrar soluções para os problemas da cidade, mas sim em comparticipar, financiar e validar um projecto urbano onde o mercado (global) é o seu anfitrião principal. Não nos deixemos, por isso, enganar com medidas que mais não são do que um analgésico social, fabricadas para maquilhar o tal divórcio sem retorno.

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