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Depois do apelo de João Miguel Tavares “Deem-nos algo em que
acreditar”, descrevendo um país que expulsa a geração mais bem preparada para
garantir o futuro, criando centenas de milhares de expatriados o Público divulga hoje que “A crise
demográfica já está a limitar a economia”, enquanto que o Editorial do mesmo
Público nos promete um “Futuro envelhecido”.
Assim, Sebastião Ferreira de Almeida escreve: “Não nos querem
nas cidades: a história de um divórcio sem retorno
Já houve tempos em que nos mandaram emigrar porque não havia
emprego, hoje obrigam-nos a deixar as cidades porque não temos rendimento para
as habitar.”
Ler em baixo, esta sucessão de artigos.
OVOODOCORVO
Com o desemprego a um nível mais baixo, as diminuições
sucessivas na população podem passar a constituir um constrangimento para a
oferta de trabalho em Portugal, reduzindo o potencial de crescimento da
economia, avisa o Banco de Portugal.
Sérgio Aníbal
Sérgio Aníbal 13 de Junho de 2019, 6:00
A tendência de envelhecimento da população que se regista já
há vários anos em Portugal está, agora que a taxa de desemprego caiu para
níveis abaixo de 7%, a começar a fazer sentir o seu impacto negativo na
capacidade de crescimento da economia, dificultando ainda mais o objectivo de
uma convergência sustentada do país com o resto da Europa nos próximos anos.
Há muito que é evidente que a população portuguesa está a
envelhecer e a diminuir em número, uma tendência que é comum à generalidade dos
países desenvolvidos, mas em que Portugal se destaca particularmente. No
entanto, a enorme taxa de desemprego registada no país durante a maior parte
desta década – e que atingiu o seu máximo no auge da crise em 2013 – tem feito
com que esses fenómenos não tivessem ainda criado constrangimentos ao nível da
oferta de trabalho em Portugal. Agora, isso pode estar a deixar de acontecer.
Numa análise às “alterações demográficas e à oferta de
trabalho em Portugal”, publicada esta quarta-feira em conjunto com o boletim
económico de Junho, o Banco de Portugal sobe o tom do alerta em relação a este
tema.
Começa por assinalar que, desde 2010, se regista uma redução
da população residente em Portugal. Foi nesse ano que o saldo entre nascimentos
e mortes passou a ser negativo, o que em conjunto com a passagem em 2011 para
um saldo migratório também negativo (só revertido nos dois últimos anos) fez
com que a população residente em Portugal caísse de forma acentuada: menos 3%
entre 2010 e 2018.
Acrescentando a isso o facto de a população estar também a
envelhecer, não surpreende que o número de pessoas situadas no intervalo de
idades entre 15 e 64 anos tenha registado uma diminuição ainda mais expressiva
(de 5,9% entre 2008 e 2018).
Isto faz com que, apesar da subida da taxa de actividade em
Portugal (devido a factores como a maior participação das mulheres, o aumento
da taxa efectiva de reforma ou a diminuição recente do número de desencorajados
no mercado de trabalho), a própria população activa tenha registado, entre a
crise e o actual momento, uma diminuição.
Enquanto a taxa de desemprego se manteve a um nível muito
elevado em Portugal, esta evolução demográfica não representou um problema ao
nível da oferta de trabalho e do potencial de crescimento da economia, já que
havia ainda um número de pessoas muito significativo disponível para começar a
trabalhar. Aliás, entre 2014 e 2018, o contributo decisivo para o crescimento
do PIB tem sido, não o aumento da produtividade, mas sim o aumento do número de
pessoas empregadas, numa retoma feita à base da reentrada no mercado de
trabalho da população que, na crise, tinha entrado no desemprego.
No entanto, assinala o Banco de Portugal, são cada vez mais
claros os indicadores que apontam para o esgotamento deste modelo de
crescimento. A taxa de desemprego caiu em 2018 para 7%. Este valor, diz o
banco, já fica abaixo daquela que é a estimativa para a taxa de desemprego
natural do país, o nível teórico calculado pelos economistas para a taxa de
desemprego que não cria, por via de aumentos salariais excessivos, pressões
inflacionistas.
Na prática, o que isto significa é que se torna mais difícil
a partir de agora baixar tão rapidamente o desemprego, ou, dito de outra forma,
é agora bem menor o número de pessoas disponível para responder a um aumento da
procura de emprego. E se a tendência demográfica de redução de população se
mantiver, como aponta a generalidade das projecções, isso pode constituir uma
limitação para o ritmo de crescimento da economia.
No relatório publicado esta quarta-feira, o Banco de
Portugal assinala o impacto que estas tendências demográficas podem ter no
potencial de crescimento da economia: “pela forma como afectam a oferta de
trabalho disponível, podem contribuir para exacerbar a queda do nível de
subutilização do trabalho na economia e aumentar as dificuldades de contratação
pelas empresas, num contexto de maior restritividade no mercado de trabalho”.
E destaca que “alguns indicadores sugerem a existência de
dificuldades nas empresas portuguesas para a contratação de trabalhadores, em
particular, com maiores níveis de qualificação”, recordando que um inquérito
recente realizado pelo INE “revelava que as dificuldades na contratação de
trabalhadores e o acesso a técnicos qualificados por parte das empresas eram
identificadas como as áreas que tinham registado maior aumento entre 2014 e
2017”.
Emprego a abrandar
A aproximação do fim da linha nas quedas muito rápidas do
desemprego é também notória nas previsões do Banco de Portugal para a economia.
A entidade liderada por Carlos Costa praticamente não alterou as suas
projecções de crescimento económico, mas espera agora um ritmo mais lento de
redução do desemprego e de crescimento do emprego.
No boletim económico de Junho, o Banco de Portugal, tal como
tinha feito em Março, aponta para um crescimento de 1,7% durante este ano, um
valor que representa um abrandamento face aos 2,1% do ano passado e que fica
ligeiramente abaixo dos 1,9% previstos pelo Governo. Para o próximo ano, o
banco antevê novo abrandamento, para uma taxa de variação de 1,6% (em Março
antecipava 1,7%), valor que se repete para 2021.
Já no que diz respeito ao mercado de trabalho, a previsão é
agora de uma redução da taxa de desemprego de 7% em 2018 para 6,3% este ano,
quando em Março esperava uma queda mais forte para os 6,1%. Para 2020, o banco
central projecta agora uma descida para 5,7%, quando antes previa que poderia
chegar aos 5,5%.
O mesmo cenário é visível nas previsões de crescimento do
emprego, que para este ano são de 1,3% (depois de 2,3% em 2018), quando em
Março se apontava para 1,5%. E a tendência para os anos seguintes será,
acredita o banco, de um forte abrandamento, que colocará o emprego a crescer
apenas 0,4% em 2021. O contributo do emprego para a taxa de crescimento do PIB,
que era dominante nos anos anteriores, perderá progressivamente o seu peso.
“Ao longo do horizonte de projecção antevê-se que o emprego
continue a aumentar, embora a um ritmo progressivamente mais moderado,
reflectindo a maturação do ciclo económico e o aumento das restrições ao nível
da oferta de trabalho”, afirma o relatório do Banco de Portugal.
O banco deixa algumas pistas sobre a forma como se pode
limitar este tipo de problema. A imigração é referida como “um canal que
potencialmente poderá mitigar o impacto negativo sobre a oferta de trabalho”. O
aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho é vista como uma
tendência que deverá continuar nas próximas duas décadas até que a taxa de
actividade feminina convirja com a masculina. E destaca-se que o efeito do
aumento das qualificações da população na produtividade pode compensar o menor
contributo do emprego para o crescimento.
Por fim, há ainda uma outra boa notícia para os
trabalhadores: as restrições na oferta de trabalho podem contribuir para que os
salários registem actualizações mais elevadas. O banco prevê “uma aceleração
dos salários” no período compreendido entre 2019 e 2021, com variações nominais
em torno de 3%, quando entre 2014 e 2018 esse valor não passou de 1%.
EDITORIAL
O futuro envelhecido que já nos bate à porta
O Banco de Portugal faz-nos perceber que estamos em risco de
derrapar num modelo que está à beira do esgotamento
Manuel Carvalho
13 de Junho de 2019, 6:27
Há ideias que se instalam pela sua força. Ou pela sua
lucidez. Como uma que João Miguel Tavares deixou no seu discurso do 10 de
Junho, apelando para a necessidade de haver uma visão de futuro capaz de
convocar as energias e as esperanças das pessoas. Esta quarta-feira, Rui
Tavares foi ao encontro desse repto e deu como resposta a necessidade de se
construir “uma sociedade do conhecimento altamente desenvolvida, baseada numa
população muito qualificada e numa economia bastante mais especializada, que
não deixe ninguém para trás”. É impossível não concordar com esta visão. Ou com
esta urgência. Principalmente agora que começamos a perceber que estamos em
risco de derrapar num modelo que dá sinais de esgotamento.
O relatório do Banco de Portugal que nos avisa para os
custos que o envelhecimento já está a ter na economia é, nesse particular,
dramático. Porque nos mostra uma consequência e uma causa da ausência de um
destino mobilizador, desde que, pelo menos, Portugal aderiu à moeda única. Pelo
meio tivemos, é certo, o “choque de gestão” de Durão Barroso e o “choque
tecnológico” de Sócrates, mas se o segundo foi capaz de criar lastro para uma
clara melhoria no sistema científico e tecnológico do país, não foi suficiente
para mudar o cenário de um Inverno demográfico, nem para alterar a base de uma
economia que continua a perder a batalha da produtividade.
Todos os indicadores o provam e o BdP vem uma vez mais pôr o
dedo na ferida: sem transformações profundas no modelo de criação de riqueza,
estaremos condenados a envelhecer empobrecendo. Se é preciso inventar uma causa
colectiva na qual, como pensou e disse João Miguel Tavares, possamos acreditar,
é essa necessidade de equilibrar um modelo de país que acredita muito na
redistribuição e muito pouco na criação de riqueza. Ou, por outras palavras,
nessa urgência de reinventar o papel do Estado e libertar as energias criativas
dos cidadãos.
A geração mais qualificada de sempre, combinada com os
exemplos positivos que o Presidente da República não se cansa de dar para
aumentar a auto-estima do país, precisam afinal de uma nova narrativa política
que, sem a matar, coloque numa nova dimensão a responsabilidade do Estado.
Depois de uma década de crise profunda e de uma ligeira recuperação, era bom
que o próximo ciclo político fosse marcado por uma nova ambição e por uma nova
crença no futuro. Se alguém as assumir sem demagogias nem megalomanias, deve
merecer o nosso reconhecimento.
Já houve tempos em que nos mandaram emigrar porque não havia
emprego, hoje obrigam-nos a deixar as cidades porque não temos rendimento para
as habitar.
Sebastião Ferreira de Almeida
Sebastião é bolseiro de doutoramento em Arquitectura dos
Territórios Metropolitanos Contemporâneos e investigador no DINAMIA’CET
12 de Junho de 2019, 8:07
É necessário começarmos a acreditar que somos cada vez mais
um “obstáculo” para quem nos governa, e não um “fim”. Já houve tempos em que
nos mandaram emigrar porque não havia emprego, hoje obrigam-nos a deixar as
cidades porque não temos rendimento para as habitar.
O que interessa é atrair o investimento e manter o fluxo
turístico a todo o custo, repelindo no caminho o que se atravessar à frente,
normalmente as pessoas, as suas vidas e as suas mobilidades. O mercado sempre
em primeiro lugar! E o que é o mercado em primeiro lugar?
É a aparente miopia dos nossos governantes em contraste com
as dificuldades de quem todos os dias é expulso da sua casa muitas vezes de
forma coerciva, é a perda de 14.791 eleitores em Lisboa e de 5543 no Porto
entre 2013-2017, ao mesmo tempo que se permite que em certos bairros do centro
histórico a ocupação em regime de Alojamento Local atinja os 40%. É a
cidade-palco das mil e uma festas e multidões onde todas as licenças são
permitidas, deixando os moradores em estado de sítio sem conseguirem descansar.
É ser possível “perdoar”, em nosso nome, milhões de euros de
impostos a fundos imobiliários e alienar património público quando 25.762
famílias estão sinalizadas como estando em situação habitacional claramente
insatisfatória, 74% destas concentradas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e
Porto, conforme identificado no Levantamento Nacional das Necessidades de
Realojamento Habitacional.
"Este programa não espelha um Estado preocupado em
encontrar soluções para os problemas da cidade, mas sim em comparticipar,
financiar e validar um projecto urbano onde o mercado (global) é o seu
anfitrião principal."
O mercado em primeiro lugar é também ser legítimo limitar o
acesso aos espaços públicos (praças e miradouros) ao mesmo tempo que se entrega
de bandeja a sua exploração a grandes grupos privados. É obrigar a que
aceitemos uma cidade onde os projectos urbanos são apresentados como factos
consumados, é permitir a desregulação nos novos meios de mobilidade (Uber,
trotinetes, bicicletas e tuk tuks), ao mesmo tempo que nos deixam apinhados (ou
apeados) no trânsito ou num sistema de transporte público, mais barato é certo,
mas que está longe de responder ao aumento da procura.
É consentir que se iniciem processos de demolição de
bairros, de barracas ou de construções ilegais, em prol “da boa imagem dos
concelhos metropolitanos”, sem assegurar a habitação condigna a todos os seus
moradores. É, no fundo, esta festa de divórcio para a qual não queríamos ser
convidados, mas em que fomos obrigados a participar. É o oposto da igualdade e
inclusão que deveriam ser promovidos nas cidades.
Não interessa, pois, que esta “cativação urbana”, em prol do
crescimento económico, arruíne o tecido social do território e comprometa os
diferentes acessos capazes de lhe conferir diversidade e vitalidade. Não
interessa que sem eleitores não haja votos e, por conseguinte, necessidade de
representação – até a democracia pode submergir um pouco, para manter à tona o
mercado. Este, sempre em posição de destaque, é o verdadeiro arquitecto das
políticas urbanas, definindo quem tem “direito à cidade”, quem a pode aceder.
Um exemplo mais recente desta tendência é o novo Programa de
Arrendamento Acessível, já aprovado pelo Governo, e que pode ser consultado
nesta portaria, publicada em Diário da República. O programa estabelece um
apoio aos proprietários, sob a forma de benefícios fiscais (que recaem sobre o
IRS e IRC) em troca de uma redução do valor das rendas praticadas. Desta forma
procura facilitar o acesso à habitação por parte da classe média. Mas será
mesmo uma medida destinada à classe média?
No âmbito do mesmo programa foram estabelecidos os tectos
máximos de renda para Lisboa (e para todos concelhos do país). Vejamos os
valores considerados para a capital: TO, 600 euros; T1, 900 euros; T2, 1150
euros. A fórmula utilizada para os estimar baseou-se valor do mercado de rendas
praticado, considerando a sua redução em 20%. Se a intenção que este programa
proclama fosse honesta, a fórmula para estimar os limites do valor da renda
teria sido calculada de forma inversa, partindo do rendimento médio dos
trabalhadores portugueses, de forma a estimar os tectos de renda máxima. Mas a
fórmula parte do valor de mercado, e este, como sabemos, não reflecte de todo a
realidade laboral do país.
Um casal que ganhe o salário médio (887 euros segundo o INE)
não poderá pagar mais do que 532,2 euros de renda, uma vez que o programa
limita a taxa de esforço a 35%. Para pagar um T1 a 900 euros teriam que ganhar
cada um quase 1300 euros, longe dos 887 euros do rendimento médio. Isto não
espelha um Estado preocupado em encontrar soluções para os problemas da cidade,
mas sim em comparticipar, financiar e validar um projecto urbano onde o mercado
(global) é o seu anfitrião principal. Não nos deixemos, por isso, enganar com
medidas que mais não são do que um analgésico social, fabricadas para maquilhar
o tal divórcio sem retorno.
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