Procurador
suspeito de corrupção emprestou dez mil euros ao juiz Carlos
Alexandre
Orlando
Figueira é amigo do magistrado, e um dos principais arguidos da
Operação Fizz. Dinheiro para ajudar na construção de casa em
Mação já foi devolvido.
Ana Henriques
ANA HENRIQUES 2 de
Março de 2017, 19:23
Uma das passagens
mais controversas da entrevista que o juiz Carlos Alexandre deu no
Verão passado à SIC relacionava-se com o facto de ter dito que não
tinha amigos ricos, razão pela qual não lhe restava senão viver do
seu trabalho. Mas os investigadores da Operação Fizz, na qual o
procurador Orlando Figueira é suspeito de ter sido pago por Manuel
Vicente, hoje vice-presidente angolano, para arquivar dois processos
que o incriminavam, descobriram que afinal Carlos Alexandre sempre
tinha um amigo pródigo: precisamente este procurador, que lhe
emprestou dez mil euros em 2015, e que foi recentemente acusado dos
crimes de corrupção, branqueamento de capitais, violação do
segredo de justiça e falsificação de documento.
Orlando Figueira e
Carlos Alexandre conheceram-se há um quarto de século, quando
trabalhavam ambos no tribunal de Vila Franca de Xira, e tornaram-se
amigos. Ao ponto de Orlando Figueira ter passado a ser visita da casa
de Carlos Alexandre, um privilégio raro, como explicou recentemente
o juiz às duas procuradoras que lideram a Operação Fizz.
Advogado de Manuel
Vicente passaria dados de inquérito em segredo a PGR de Angola
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As magistradas
chamaram Carlos Alexandre a depor no processo há pouco mais de um
mês, na qualidade de testemunha, porque queriam saber a razão de
ele ter transferido a 9 de Março de 2016 dez mil euros para a conta
do amigo, que já então tinha sido constituído arguido.
O juiz contou que
tinha precisado do dinheiro para continuar a construção de uma casa
na sua terra natal, Mação. Havia pedido um empréstimo de cem mil
euros à Caixa Agrícola para esse efeito, mas o dinheiro só era
libertado em prestações, à medida que a obra ia avançando. Antes
de lhe concederem uma nova tranche, os funcionários do banco
visitavam a obra e faziam um auto de medição, para aquilatarem da
evolução dos trabalhos. Como em Outubro de 2015 a obra não tinha
avançado o suficiente não foram libertados dez mil euros com que o
juiz contava para prosseguir os trabalhos.
Por essa altura, já
Orlando Figueira tinha arquivado os processos do vice-presidente
angolano, deixado o Ministério Público e passado a trabalhar no
BCP, que tem entre os seus maiores accionistas a Sonangol, liderada à
época por Manuel Vicente. O Ministério Público suspeita de que
este emprego era, além do dinheiro que lhe foi depositado numa conta
bancária, outra forma de Manuel Vicente compensar o antigo
procurador por este não o ter incriminado naquelas duas
investigações, uma das quais versava sobre a compra de um
apartamento no condomínio de luxo Estoril-Sol por perto de quatro
milhões de euros.
Carlos Alexandre via
que o amigo tinha subido na vida, mas assegura que isso não lhe
levantou quaisquer suspeitas. Afinal, além de trabalhar no banco
Orlando Figueira ainda tinha uma avença, como advogado, com o Centro
Hospitalar de Lisboa.
Só mais tarde o
juiz se havia de mostrar chocado e surpreendido com os fortes
indícios que impendiam sobre Orlando Figueira. No interrogatório a
que foi submetido no Departamento Central de Investigação e Acção
Penal há pouco mais de um mês, o juiz aludiu à forma bem vestida
como o amigo se apresentava, ao facto de ter comprado um carro novo e
de o filho se encontrar a estudar nos Estados Unidos como motivação
para ter aceite o empréstimo que ele lhe oferecera, depois de Carlos
Alexandre ter desabafado que lhe faltavam dez mil euros.
Hesitou em aceitar,
mas perante a insistência, e porque o via bem na vida, acabou por o
fazer, justificou-se perante as procuradoras. Só em Março de 2016,
data em que o Crédito Agrícola libertou mais uma prestação do
empréstimo, lhe devolveu o dinheiro.
Carlos Alexandre foi
ainda questionado sobre o currículo de um dos seus filhos ter sido
encontrado no escritório de um advogado que representava o
vice-presidente e outros dirigentes angolanos em Portugal, Paulo
Blanco. Mais uma vez foi pela mão de Orlando Figueira que tudo
sucedeu: o rapaz, que estudava Engenharia Química no Instituto
Superior Técnico, estava à procura de emprego e o procurador
disse-lhe que como conhecia pessoas na Sonangol podia lá entregar o
currículo. Acabou por ir a uma entrevista na petrolífera meses mais
tarde, quando já estava empregado, tendo recusado o lugar que lhe
ofereceram.
Contactado pelo
PÚBLICO, Carlos Alexandre não quis comentar estes episódios.
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