Impasse
na mesquita da Mouraria: "Tenho uma vida miserável"
O
homem expropriado de dois prédios na Mouraria está doente, falido e
desesperado com a Câmara Municipal de Lisboa. Promete continuar a
lutar pelo que julga ser justo, mas não parece haver uma solução
amigável.
JOÃO PEDRO PINCHA
26 de Março de 2017, 8:28
António Barroso não
parece ter mudado muito. Está visivelmente mais magro e talvez os
seus passos sejam um pouco mais vacilantes do que quando o
conhecemos, em Maio do ano passado. Mas o olhar mantém-se vivo, as
palavras azedas e a revolta em ebulição – pronta a explodir e a
dificultar o mais possível a criação de uma nova praça na
Mouraria, para onde está prevista uma mesquita.
Os dois AVC e a
febre tifóide que afirma ter tido nos últimos meses não o
demoveram da luta que assumiu contra a Câmara Municipal de Lisboa,
que no ano passado o expropriou de dois edifícios na Rua do
Benformoso para dar corpo ao projecto da nova praça. “Eu era para
ter uma vida linda. E hoje tenho uma vida miserável. Isto deu cabo
da minha vida toda, deu cabo da vida da minha família. Estes
cavalheiros não têm humanidade nenhuma. Isto é à maneira deles e
pronto.”
Os “cavalheiros”
são o presidente da câmara, Fernando Medina, e o vereador do
Urbanismo, Manuel Salgado, que António Barroso identifica como os
principais responsáveis pela situação em que vive hoje.
Em Maio de 2016, a
autarquia tomou posse administrativa dos dois prédios que António
Barroso tinha comprado dez anos antes naquela que é uma das artérias
mais multiculturais de Lisboa. O projecto de criação de uma praça
naquele local, ligando as ruas da Palma e do Benformoso, é de 2012.
O protocolo com o Centro Islâmico do Bangladesh com vista à
instalação de uma mesquita num dos edifícios da nova praça é do
ano seguinte.
Inicialmente, a
câmara ofereceu cerca de 500 mil euros de indemnização pelo maior
dos dois imóveis, que António Barroso usa para habitação e para
arrendamento. Recusou. Diz que gastou quase tanto nas obras de
reabilitação do prédio, que tiveram de obedecer a várias regras
patrimoniais – a manutenção dos azulejos e lajes oitocentistas —
e até chegaram a estar embargadas.
António Barroso
quer ser indemnizado pelo que diz ser o preço de mercado – mais de
um milhão de euros – ou que a autarquia lhe arranje outro
edifício. “Interessa-me que me dêem um prédio nesta zona para eu
continuar com o negócio e ter um sítio para viver”, diz ao
PÚBLICO na loja de tricots, crochets e roupa interior que gere na
mesma rua.
Quando as
negociações ainda estavam numa fase amigável, a câmara não
concordou com o valor sugerido por Barroso. Considerou-o
“excessivamente elevado e não devidamente justificado”, como se
pode ler numa carta enviada por Manuel Salgado ao empresário.
Depois, em Maio, António Barroso foi a uma reunião pública do
município para tentar expor a situação e Fernando Medina
garantiu-lhe que havia “interesse em consensualizar” um valor.
A derradeira
tentativa de diálogo terá ocorrido a 22 de Julho, já depois de o
Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa ter dado razão à
câmara na expropriação por haver “inquestionável interesse
público” e depois de também já ter sido definido um novo valor
de indemnização por peritos nomeados pelo tribunal (a rondar os 600
mil euros).
“Fomos lá e os
cavalheiros propuseram-me o seguinte: davam-me 936 mil euros, mas eu
tinha de indemnizar os meus inquilinos”, conta Barroso. Ficaria,
assim, com cerca de 850 mil euros. Um valor que, uma vez mais, não
lhe interessa. “Tenho andado muito doente. Com a miséria que eles
me dão eu não consigo comprar absolutamente nada. Com este dinheiro
nem um andar consigo comprar.”
Apesar de já não
ser oficialmente o dono dos prédios, António Barroso continua a ter
de pagar mensalmente quase dois mil euros de prestações pelos
empréstimos que contraiu para comprar os imóveis. Tentou impugnar
todo este processo, mas o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa
recusou e autorizou a câmara a prosseguir com os seus intentos.
O PÚBLICO contactou
a autarquia na semana passada para saber em que ponto está este
processo e como é que ele se desenrolou nos últimos meses. As
perguntas continuam sem resposta.
António Barroso é
que não vai ficar calado. Além de querer contestar a última
decisão judicial, vai escrever cartas a António Costa e a Marcelo
Rebelo de Sousa, na esperança de os sensibilizar
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