Habitação.
Relatora especial da ONU condena vistos gold
Análise
de Leilani Farha após visita a Portugal já foi entregue ao Conselho
de Direitos Humanos da ONU. Críticas são duras
MARTA F. REIS
03/03/2017 07:27
A relatora especial
da ONU que esteve em Portugal em dezembro para avaliar as políticas
de habitação no país alerta que o programa de atribuição de
vistos gold não beneficiou as populações mais carenciadas, antes
pelo contrário. “Apesar da enorme injeção de capitais (...) não
resultou na criação de empregos e nem uma pequena parte dos ganhos
foi aplicada no desenvolvimento de habitação acessível”, lê-se
no documento entregue esta semana ao Conselho de Direitos Humanos da
ONU.
Na realidade,
continua a relatora Leilani Farha, “este esquema, a par de outros
fatores como a escassez de casas para arrendamento a longo prazo e o
acesso mais facilitado ao crédito à habitação e baixas taxas de
juros, podem ter exacerbado os problemas de acessibilidade para os
agregados de médios e baixos rendimentos.”
O relatório da
visita a Portugal, que teve lugar entre 5 e 13 de dezembro do ano
passado, apresenta um balanço do programa de vistos gold à data
desta avaliação.
Leilani Farha lembra
que os vistos são atribuídos a quem compre bens imóveis de valor
igual ou superior a 500 mil euros e edifícios antigos em perímetros
urbanos para recuperação acima de 350 mil euros, quem faça
transferências de capital no montante igual ou superior a um milhão
de euros ou a quem garanta a criação de pelo menos 30 postos de
trabalhos (desde 2015 passou a ser exigida a criação de apenas dez
postos de trabalho). Entre outubro de 2012 e setembro de 2016,
revelam dados publicados no relatório entregue à ONU, dos 3.888
vistos gold atribuídos, a grande maioria (3.669) foram concedidos a
estrangeiros que adquiriram imobiliário e apenas seis a investidores
que criaram empregos. “Apesar destes investimentos representarem
apenas 0,06% do parque residencial de Portugal, o esquema gerou 2,37
mil milhões de euros, dos quais 2,14 mil milhões da compra de
imóveis, pressionando o custo do alojamento no país.” A relatora
sublinha ainda que, de acordo com dados do Instituto Nacional de
Estatística, entre 2015 e 2016, as áreas urbanas registaram um
aumento de 5% a 10% no preço das casas. Na Amadora a subida foi de
9,4%, no Porto de 7,2% e em Lisboa de 5,2%.
A crítica aos
vistos gold está longe de ser a única no documento de 20 páginas
entregue no âmbito da 34.ª sessão do Conselho de Direitos da ONU,
que decorre até dia 24 em Genebra. A relatora, que em dezembro já
tinha alertado para o perigos da “turistificação” e do aumento
dos alugueres temporários em Lisboa e no Porto, considera que as
medidas do governo para travar a especulação e garantir que os
centros históricos não se transformam em “enclaves de ricos e
estrangeiros” têm sido insuficientes.
Confrontada com os
despejos no bairro 6 de Maio na Amadora, Farha sublinha que despejos
forçados sem soluções definitivas para a população são uma
“violação grosseira da legislação internacional de direitos
humanos”. A relatora, que trabalha também na ONG Canada Without
Poverty, denuncia ainda que as condições de vida que encontrou no
bairro da Torre, em Loures, são algo que nunca se espera ver,
“definitivamente não num país desenvolvido que ratificou os
instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos que
protegem o direito a habitação condigna”. Pessoas a viver no meio
do lixo e sem luz são alguns problemas.
A ausência de dados
precisos sobre a população sem abrigo no país (as estatísticas
apontam para um número entre 4.000 e 50.000) e as condições de
vida de comunidades ciganas e de origem africana mas também de
idosos nas “ilhas do Porto” ou de cidadãos com deficiência são
outros alertas no relatório, que considera que as medidas de
austeridade do programa do ajustamento só vieram piorar o cenário e
aumentar a pobreza.
A relatora apela ao
governo português para que crie uma moldura legal que garanta
“consistência e coerência” aos programas e políticas do
governo na área da habitação. O i procurou obter uma reação do
Ministério do Ambiente, que tutela esta área, mas não obteve
resposta até ao fecho da edição.
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