Solos
contaminados no Parque das Nações: novas escavações preocupam
moradores
POR O CORVO • 9
MARÇO, 2017 •
Quem mora no Parque
das Nações ainda está à espera de conhecer a totalidade das
análises ao solo, ao ar e à água por causa da obra no Hospital CUF
Descobertas e já está confrontado com mais escavações. Ninguém
quer que a história se repita no próximo Verão. Daí a exigência
de “garantias” em termos de saúde pública.
Os moradores da zona
sul na antiga Expo’98, por intermédio da Associação A Cidade
Imaginada Parque das Nações (ACIPN), estão a “preparar” a
apresentação de uma “acção pública contra a Administração
Pública”. Eles não querem voltar a ter o “cheiro a petróleo e
a gás” a “entrar-lhes pela casa adentro”, na sequência da
remoção de solos contaminados e “sem a salvaguarda” da sua
saúde.
As entidades com
competência na matéria são acusadas, por isso, de “falta de
resposta” no decorrer da obra que escavou um poço profundo, o qual
permitirá o crescimento da unidade hospitalar privada instalada na
freguesia.
De acordo com a
ACIPN, encontram-se previstas “novas escavações” na Rua Mário
Botas ainda este ano. A remoção dos solos deverá ter início lá
para o mês de Agosto. Trata-se de uma empreitada que estará de novo
a cargo da José de Mello Saúde, dona do Hospital CUF Descobertas.
Este começou a expandir-se, em Julho de 2016, através da construção
de um parque de estacionamento subterrâneo. O que provocou a
libertação de gases e o consequente incómodo junto da população
– o período mais crítico ocorreu nas últimas duas semanas do ano
passado.
Quem mora no local,
garante Célia Simões, presidente da ACIPN, a O Corvo, “não está
contra” os planos do grupo privado. O que move a associação é a
reclamação de “garantias” às entidades envolvidas no processo,
quer ao nível da “saúde pública” quer do “ambiente”. A
interposição de uma “acção pública contra a Administração
Pública” enquadra-se nesta lógica e visa pressionar no sentido de
assegurar as referidas “garantias” já nas próximas escavações
– o empreendimento Orpheu encontra-se também no horizonte.
Da Câmara Municipal
de Lisboa (CML) ao Ministério do Ambiente, passando pelo grupo
português com negócios na área da saúde, todos têm assegurado
que o actual processo de expansão do hospital localizado no Parque
das Nações tem evoluído segundo a legislação e as regras
vigentes.
De um só fôlego,
Célia Simões pergunta então pelo arsenal de análises que deveriam
ter sido feitas, cujos resultados, a existirem, aguardam divulgação.
Isto por forma a “descansar” a população afectada.
“Queremos saber os
resultados integrais de três tipos de análises: ao solo, ao ar e à
água. As primeiras, a partir dos dados que são conhecidos, vão até
meados de Outubro, justamente ao atingirem o valor mais alto, e a
obra prosseguiu depois disso; as segundas, continuam à espera de
resultados finais validados e terão sido feitas num momento em que a
remoção dos solos estaria parada; e quanto às análises da água,
nunca se ouviu falar delas”, sintetiza a dirigente da ACIPN.
A ampliação do
Hospital CUF Descobertas implicou, numa primeira fase, a escavação
de cerca de 40 mil metros cúbicos de solos, entre inertes,
não-perigosos e perigosos. Num memorando enviado, em Janeiro, pela
José de Mello Saúde à CML, a dona da obra faz saber que só no
caso concreto dos solos contaminados foram removidos mais de dez mil
metros cúbicos – para se chegar a este valor é preciso somar duas
parcelas constantes da informação. Ou seja, fazendo as contas, dá
aproximadamente 25% do total das escavações.
Relativamente ao
caso específico dos solos classificados como perigosos, os que
causam maior preocupação junto dos moradores, foram removidos do
Parque das Nações mais de quatro mil metros cúbicos.
As escavações
avançaram numa área antigamente ocupada por reservatórios de
produtos petrolíferos da Petrogal. A dona da obra, todavia, foi
apanhada de surpresa pela existência de solos contaminados
(hidrocarbonetos) e adianta uma justificação no memorando que fez
chegar à autarquia.
“Durante a
Expo’98, o local serviu como parque de estacionamento, tendo sido a
superfície modelada e pavimentada para este efeito. Ele manteve-se
nesta condição até ao início da empreitada. Ficou evidente na
sequência da expansão do Hospital CUF que, ao contrário do
publicitado pela Parque Expo, grande parte da área abrangida não
foi intervencionada”, conclui o documento.
A ACIPN pede
igualmente a divulgação das análises à qualidade do ar que foram
exigidas pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional
de Lisboa e Vale do Tejo à José de Mello Saúde. Conforme tem sido
veiculado, os resultados finais, devidamente validados, deverão ser
tornados públicos durante o corrente mês de Março.
Os mesmos suscitam,
contudo, algumas reservas à associação de moradores. Tudo porque a
“campanha de caracterização da qualidade do ar no local da obra e
envolvente” terá sido feita “num momento em que a remoção de
solos estaria parada” e já depois de os odores químicos terem
sido sentidos com maior intensidade. Ou seja, a avaliação da
situação “poderá não ser a mais correcta”, teme Célia
Simões.
Enquanto não
aparecem os resultados oficiais, a presidente da ACIPN conta o caso
de moradores que adquiriram os seus próprios aparelhos de medição.
Apesar da falta de certificação, os equipamentos fazem leituras que
os deixam alarmados. “Há um casal que acaba de ter um bebé e que
comprou um desses aparelhos. Imagine-se a preocupação que não vai
na cabeça daqueles pais”, afirma. O relato inclui também um outro
casal, com um bebé de três meses, que “ficou fora de casa”
quando o cheiro químico atingiu o pico. O pediatra que acompanha o
bebé, continua a nossa interlocutora, é da opinião que os pais
“deviam mudar de residência”.
O cheiro a gás,
resultante da libertação de substâncias poluentes para a
atmosfera, tem vindo sucessivamente a diminuir. Os odores mais
intensos, ainda assim, são os que emanam das sarjetas, aponta Célia
Simões. O que a leva a defender, por exemplo, a necessidade de
análises às águas pluviais. Um problema que poderá ter
implicações no próprio Rio Tejo. “Sobre essas análises, nunca
ouvi falar”, verifica.
A dirigente da ACIPN
revela, por outro lado, ter sido a sua associação a informar a
Unidade de Saúde Pública do ACES (Agrupamento de Centros de Saúde)
Lisboa Central das escavações no Parque das Nações. A respectiva
coordenadora, salienta a representante dos moradores, foi a primeira
pessoa com responsabilidades “a não assegurar que não tenha
havido perigo, em nenhum momento, para a saúde pública”. Isto por
efeito da remoção dos solos contaminados.
Texto: Sérgio
Gouveia Fotografias: ACIPN
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