quarta-feira, 8 de março de 2017

Solos contaminados no Parque das Nações: novas escavações preocupam moradores


Solos contaminados no Parque das Nações: novas escavações preocupam moradores

POR O CORVO • 9 MARÇO, 2017 •

Quem mora no Parque das Nações ainda está à espera de conhecer a totalidade das análises ao solo, ao ar e à água por causa da obra no Hospital CUF Descobertas e já está confrontado com mais escavações. Ninguém quer que a história se repita no próximo Verão. Daí a exigência de “garantias” em termos de saúde pública.

Os moradores da zona sul na antiga Expo’98, por intermédio da Associação A Cidade Imaginada Parque das Nações (ACIPN), estão a “preparar” a apresentação de uma “acção pública contra a Administração Pública”. Eles não querem voltar a ter o “cheiro a petróleo e a gás” a “entrar-lhes pela casa adentro”, na sequência da remoção de solos contaminados e “sem a salvaguarda” da sua saúde.

As entidades com competência na matéria são acusadas, por isso, de “falta de resposta” no decorrer da obra que escavou um poço profundo, o qual permitirá o crescimento da unidade hospitalar privada instalada na freguesia.

De acordo com a ACIPN, encontram-se previstas “novas escavações” na Rua Mário Botas ainda este ano. A remoção dos solos deverá ter início lá para o mês de Agosto. Trata-se de uma empreitada que estará de novo a cargo da José de Mello Saúde, dona do Hospital CUF Descobertas. Este começou a expandir-se, em Julho de 2016, através da construção de um parque de estacionamento subterrâneo. O que provocou a libertação de gases e o consequente incómodo junto da população – o período mais crítico ocorreu nas últimas duas semanas do ano passado.

Quem mora no local, garante Célia Simões, presidente da ACIPN, a O Corvo, “não está contra” os planos do grupo privado. O que move a associação é a reclamação de “garantias” às entidades envolvidas no processo, quer ao nível da “saúde pública” quer do “ambiente”. A interposição de uma “acção pública contra a Administração Pública” enquadra-se nesta lógica e visa pressionar no sentido de assegurar as referidas “garantias” já nas próximas escavações – o empreendimento Orpheu encontra-se também no horizonte.

Da Câmara Municipal de Lisboa (CML) ao Ministério do Ambiente, passando pelo grupo português com negócios na área da saúde, todos têm assegurado que o actual processo de expansão do hospital localizado no Parque das Nações tem evoluído segundo a legislação e as regras vigentes.

De um só fôlego, Célia Simões pergunta então pelo arsenal de análises que deveriam ter sido feitas, cujos resultados, a existirem, aguardam divulgação. Isto por forma a “descansar” a população afectada.

“Queremos saber os resultados integrais de três tipos de análises: ao solo, ao ar e à água. As primeiras, a partir dos dados que são conhecidos, vão até meados de Outubro, justamente ao atingirem o valor mais alto, e a obra prosseguiu depois disso; as segundas, continuam à espera de resultados finais validados e terão sido feitas num momento em que a remoção dos solos estaria parada; e quanto às análises da água, nunca se ouviu falar delas”, sintetiza a dirigente da ACIPN.

A ampliação do Hospital CUF Descobertas implicou, numa primeira fase, a escavação de cerca de 40 mil metros cúbicos de solos, entre inertes, não-perigosos e perigosos. Num memorando enviado, em Janeiro, pela José de Mello Saúde à CML, a dona da obra faz saber que só no caso concreto dos solos contaminados foram removidos mais de dez mil metros cúbicos – para se chegar a este valor é preciso somar duas parcelas constantes da informação. Ou seja, fazendo as contas, dá aproximadamente 25% do total das escavações.

Relativamente ao caso específico dos solos classificados como perigosos, os que causam maior preocupação junto dos moradores, foram removidos do Parque das Nações mais de quatro mil metros cúbicos.

As escavações avançaram numa área antigamente ocupada por reservatórios de produtos petrolíferos da Petrogal. A dona da obra, todavia, foi apanhada de surpresa pela existência de solos contaminados (hidrocarbonetos) e adianta uma justificação no memorando que fez chegar à autarquia.

“Durante a Expo’98, o local serviu como parque de estacionamento, tendo sido a superfície modelada e pavimentada para este efeito. Ele manteve-se nesta condição até ao início da empreitada. Ficou evidente na sequência da expansão do Hospital CUF que, ao contrário do publicitado pela Parque Expo, grande parte da área abrangida não foi intervencionada”, conclui o documento.

A ACIPN pede igualmente a divulgação das análises à qualidade do ar que foram exigidas pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo à José de Mello Saúde. Conforme tem sido veiculado, os resultados finais, devidamente validados, deverão ser tornados públicos durante o corrente mês de Março.

Os mesmos suscitam, contudo, algumas reservas à associação de moradores. Tudo porque a “campanha de caracterização da qualidade do ar no local da obra e envolvente” terá sido feita “num momento em que a remoção de solos estaria parada” e já depois de os odores químicos terem sido sentidos com maior intensidade. Ou seja, a avaliação da situação “poderá não ser a mais correcta”, teme Célia Simões.

Enquanto não aparecem os resultados oficiais, a presidente da ACIPN conta o caso de moradores que adquiriram os seus próprios aparelhos de medição. Apesar da falta de certificação, os equipamentos fazem leituras que os deixam alarmados. “Há um casal que acaba de ter um bebé e que comprou um desses aparelhos. Imagine-se a preocupação que não vai na cabeça daqueles pais”, afirma. O relato inclui também um outro casal, com um bebé de três meses, que “ficou fora de casa” quando o cheiro químico atingiu o pico. O pediatra que acompanha o bebé, continua a nossa interlocutora, é da opinião que os pais “deviam mudar de residência”.

O cheiro a gás, resultante da libertação de substâncias poluentes para a atmosfera, tem vindo sucessivamente a diminuir. Os odores mais intensos, ainda assim, são os que emanam das sarjetas, aponta Célia Simões. O que a leva a defender, por exemplo, a necessidade de análises às águas pluviais. Um problema que poderá ter implicações no próprio Rio Tejo. “Sobre essas análises, nunca ouvi falar”, verifica.

A dirigente da ACIPN revela, por outro lado, ter sido a sua associação a informar a Unidade de Saúde Pública do ACES (Agrupamento de Centros de Saúde) Lisboa Central das escavações no Parque das Nações. A respectiva coordenadora, salienta a representante dos moradores, foi a primeira pessoa com responsabilidades “a não assegurar que não tenha havido perigo, em nenhum momento, para a saúde pública”. Isto por efeito da remoção dos solos contaminados.


Texto: Sérgio Gouveia Fotografias: ACIPN

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